Ainda a prisão em segunda instância: O samba de uma nota só

Reprodução/Twitter

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

Por meses, especulou-se qual seria a reação de certos setores da sociedade quando o Supremo Tribunal Federal finalmente declarasse a inconstitucionalidade da execução provisória da pena após a decisão em segundo grau. Todos indicativos sinalizavam a modificação do posicionamento de alguns ministros, o que levaria à mudança na jurisprudência do próprio tribunal; a questão, todavia, não era levada a julgamento. Especulava-se que essa demora decorreria do receio, de certos ministros, de uma ruptura institucional.

Esse receio não era infundado. Em 2018, o General Villas Bôas divulgou uma nota enigmática e intimidadora em sua conta no Twitter, às vésperas do julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula. Poucos meses depois, o filho do atual presidente se referiu ao cabo e ao soldado que seriam suficientes para fechar o STF. Como o próprio presidente sempre considerou positiva a ditadura militar, não eram infundados os temores de que eventual decisão do STF que contrariasse “a voz das ruas” fosse o pretexto para a tão decantada “intervenção militar constitucional”.

No entanto, quando, enfim, o Ministro Dias Toffoli proferiu o voto de minerva, quase nada se ouviu…

Na caserna, as forças armadas respeitaram sua missão constitucional e sequer se manifestaram acerca do julgamento, ressalvando-se um resmungo do vice-presidente também pelo Twitter.

Das ruas tampouco vieram manifestações significativas. No último domingo, uma meia dúzia de participantes reuniu-se em uma meia dúzia de cidades para jogar tomates na imagem dos Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nem mesmo em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde já se registraram imensos atos de apoio ao presidente, houve uma grande mobilização.

Aliás, o fracasso da manifestação popular pode afetar negativamente a única instância em que se verificou uma resposta mais contundente à decisão do Supremo: o Congresso Nacional. Logo após o julgamento, voltou-se a analisar a Proposta de Emenda Constitucional que, alterando o texto da Constituição, prevê a admissibilidade da prisão após a condenação em segundo grau.

É possível que a pouca adesão à última manifestação diminua o empenho parlamentar necessário para a aprovação de uma PEC. Por outro lado, a própria PEC já suscita questionamentos jurídicos que nos permitem antever uma discussão que poderá perdurar por anos a fio.

É que existe um “núcleo duro” da Constituição que não pode ser alterado nem mesmo por meio de emenda constitucional. São as chamadas cláusulas pétreas, que impedem qualquer mudança nas regras fundamentais da República. Assim, não são passíveis de alteração a forma federativa do Estado; o voto secreto, direto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias fundamentais. E não há dúvidas: a prisão após o trânsito em julgado está inserida como uma garantia fundamental no art. 5º. da Constituição da República.

Portanto, qualquer tentativa de se alterar esse dispositivo tem o potencial de levar a discussão novamente para o âmbito do Supremo Tribunal Federal, submetendo-a a conjunturais modificações na composição dos ministros.

Do ponto de vista da política criminal, melhor seria que essa discussão fosse posta de lado. Ou, ao menos, que não fosse o único foco do Congresso, esgotando, em si, o tema. De acordo com o CNJ, existem mais de 300 mil mandados de prisão em aberto. É estranho falar que o atual entendimento do STF favorece a impunidade, quando milhares de pessoas que deveriam estar presas ainda estão soltas pelas ruas…

Tão importante quanto agilizar o procedimento para permitir o cumprimento da pena é aperfeiçoar os mecanismos para que os mandados de prisão efetivamente sejam cumpridos. E, tão importante quanto, é rediscutir a ideia da cadeia como o meio preferencial de punição. O superencarceramento já deu sinais de sua exaustão. Termos a terceira maior população carcerária do mundo em nada reduziu nosso índice de violência. Pelo contrário, é possível que o tenha agravado.

Melhor faria o Congresso Nacional se, ao invés de investir seus esforços na discussão de uma PEC cujo único efeito real seria permitir a recondução do ex-presidente Lula à cadeia, se empenhasse em elaborar uma política criminal séria e responsável. O combate à violência requer menos ideologia e mais comprometimento.

* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito e professor universitário. Foi o primeiro presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG e é membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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