por Áurea Carolina, deputada federal pelas Muitas/PSOL
Pela primeira vez, estudantes negras e negros são maioria nas universidades públicas em nosso país, como mostrou a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, publicada esta semana pelo IBGE. A ideia de maioria pode ser problematizada, como analisou Rodrigo Ednilson, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da UFMG, já que nem todos os estudantes autodeclarados pretos e pardos se vêem e são vistos como parte da população negra.
Ainda assim, é inegável que pessoas negras de periferia têm acessado mais a universidade pública. Assisti muito emocionada à chegada dessa juventude à UFMG, onde estudei. Todos os dias, conheço jovens que são os primeiros e primeiras de suas famílias a acessar o ensino superior. Isso não é pouca coisa. Quem ganha é a própria universidade, com a oportunidade de criar espaços de convivência na diversidade e decolonizar o saber que é produzido.
É muito importante reconhecer o papel das políticas de ação afirmativa (demanda histórica de movimentos de negritude) e do investimento na educação pública para esses avanços, com a ampliação das vagas e a descentralização de instituições de ensino superior. Movimentos populares e cursinhos comunitários foram também indispensáveis para que outros corpos pudessem circular nas universidades.
Mas é fundamental olhar com atenção para os outros indicadores da pesquisa, que revelam a permanência da desvantagem para pessoas negras no Brasil. Não é novidade nenhuma, mas é sempre bom embasar nossa percepção em dados concretos (principalmente em tempos de negacionismo científico, como os que vivemos): a população negra está mais sujeita à informalidade, tem níveis de escolaridade mais baixos, condições de moradia inferiores e menos acesso a serviços básicos. Mesmo entre níveis de instrução semelhantes, o rendimento médio mensal das pessoas brancas ainda é maior. Mulheres negras estão na base desse sistema, em evidente desvantagem em relação a todos os outros grupos sociais.
Se na maior parte dos dados é possível identificar avanços, a violência é sintomática de como a desigualdade persiste e persegue os corpos negros. A taxa de homicídios se manteve estável para a população branca entre 2012 e 2017, mas aumentou na população preta ou parda. A juventude negra, pobre e periférica segue como principal vítima do Estado, que insiste em uma política de segurança pública voltada para a repressão e o encarceramento.
Essas desigualdades “têm origens históricas e persistentes”, como é relatado nas conclusões do estudo. É preciso dizer até que nos ouçam: isso não tem outro nome, é racismo, estrutural e enraizado em nosso país. A pesquisa é emblemática de como é fundamental não apenas a manutenção das políticas de ação afirmativa (tendo em vista a evidente desvantagem de oportunidades para pessoas negras), mas também seu aperfeiçoamento, para garantir que as vagas sejam destinadas de fato para quem foram pensadas – pessoas que sofrem racismo todos os dias em nosso país.
Como parlamentar, sigo firme na defesa dessas políticas e atenta às tentativas de retrocesso que tentam nos empurrar. Aqui também estamos nos organizando: com colegas deputados e deputadas negras, protocolamos na última semana um projeto de lei com medidas efetivas para o enfrentamento ao racismo institucional.
Caminhamos, sim. É inegável. Mas ainda temos uma travessia longa pela frente. Ainda bem que nossos passos vêm de longe. Tenho confiança de que vamos construir, juntas e juntos, condições mais justas e igualitárias para viver em nosso país.