Por um conselho de meio ambiente que defenda o meio ambiente

Processo avalizava “vida útil” da barragem, que se rompeu em janeiro, para 2032 (Amanda Dias/BHAZ)

Esta semana chamou a atenção para o nosso passado recente a apresentação dos laudos da Polícia Federal sobre o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. A conclusão não podia ser outra: não foi por obra do acaso nem por algum acidente que ela se rompeu. Era uma tragédia anunciada, cuja possibilidade foi escamoteada pela empresa e pelos órgãos estaduais de meio ambiente.

O longo laudo dos técnicos não deixa dúvidas de que o processo de licenciamento se encontra repleto de irregularidades: simplificação e omissão de informações, desorganização, documentos inidôneos são os termos recorrentes para qualificá-lo. O principal, dizem os técnicos, foi o “enquadramento do licenciamento em modalidade menos restritiva sem o devido respaldo na legislação vigente”, o que “evidencia o atropelamento do processo e facilitação injustificada de aprovação pela administração ambiental estadual”.

O absurdo da irresponsabilidade fica mais destacado quando se acrescenta que o processo avalizava a ampliação da “vida útil” da barragem de 2021 para 2032! Mas ela rompeu em 2019. E deixou, para falar só das vidas humanas, 254 mortos e 16 desaparecidos soterrados pela lama.

Tudo isso é sobre o passado (um triste passado) e ninguém discordará que é absolutamente necessária a apuração das responsabilidades e aplicação das penas. Mas não passa de mero paliativo para quem perdeu os seus sob a lama, pois nada que se faça agora trará de volta sequer um dos mortos. Então é preciso tirar do acúmulo de erros algum ensinamento sobre o futuro. Neste caso, fica claro que é preciso fazer alguma coisa com relação à Secretaria de Meio Ambiente e ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Copam).

A impressão que se impõe é de que toda a máquina à qual caberia defender o meio ambiente no nosso Estado demonstra uma opção preferencial por quem quer, se não destruí-lo, ao menos explorá-lo com ganância desmedida, tudo sob o belo nome de “desenvolvimento sustentável”. Que outra coisa explicaria a razão pela qual, por exemplo, os requerimentos do Fórum Nacional de Bacias Hidrográficas e da Associação Jangada, que questionavam a facilitação do licenciamento da barragem de Brumadinho, foram simplesmente indeferidos pelo Superintendente de Projetos Prioritários e pelo Secretário de Meio Ambiente? E completa o laudo da polícia: “sem apresentação de argumentos técnicos plausíveis”.

Veja-se bem: não faltou quem dissesse ao Superintendente e ao Secretário que a coisa estava errada. E nenhum dos dois se preocupou em verificar ou ao menos justificar por que resolveu não dar ouvidos a quem dizia que havia coisa errada. O Copam agiu do mesmo modo, porque, mesmo que tenha representantes de organizações de defesa do meio ambiente, tem excesso de membros indicados pelo Governador do Estado e é presidido pelo Secretário de Meio Ambiente, que, neste caso, tudo leva a crer que enganou o Conselho. Tem ainda representantes de empreiteiros e políticos, os quais parecem estar lá interessados em tudo, menos no meio ambiente. Enfim, tem uma cultura que, na balança entre os interesses de preservação e os econômicos, tende quase sempre para estes últimos.

Esse o pecado capital. Porque nada contra o fato de que qualquer empresa queira ganhar dinheiro, até porque empresas são instituições com fins lucrativos. É ao Estado que compete controlar a ganância dos empreiteiros. Se o Estado abandona o seu papel para aliar-se a quem devia controlar, o resultado, já se sabe, é este: 254 mortos e 16 desaparecidos sob a lama. Uma quantidade de mortos que não fica a dever nada a qualquer ato terrorista. Ainda mais quando se sabe que a Vale, com beneplácito do Estado, deixou seus funcionários na rota da lama.

Ensinamentos e agendas para o futuro. Antes de tudo, vale a pena fazer logo uma devassa na Secretaria Estadual de Meio Ambiente e no Copam, antes que haja outros desastres como os de Mariana e Brumadinho. Mais importante, é preciso com urgência repensar a composição do próprio Copam, pois não tem sentido sua existência se ele não for integrado por representantes engajados única e exclusivamente na defesa do meio ambiente.

Jacyntho Lins Brandão[email protected]

Jacyntho Lins Brandão é doutor em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo e professor de grego na Universidade Federal de Minas Gerais, onde foi diretor da Faculdade de Letras e Vice-Reitor. É autor de, entre outros, O fosso de Babel (romance) e A poética do hipocentauro (ensaio). Traduziu do original acádio o poema Ele que o abismo viu: epopeia de Gilgámesh, indicado para o Prêmio Jabuti de 2017. É membro da Academia Mineira de Letras.

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