‘Coach’ e cantor gospel é investigado por crimes sexuais em estúdio na Zona Sul de BH; suspeito diz ser vítima de vingança

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Cantor gospel é investigado por supostos crimes sexuais (@biragomesoficial/Instagram/Reprodução + Banco de imagens/Shutterstock)

Com Aline Diniz e Sofia Leão

Um pastor e cantor gospel está sendo investigado por suspeita de cometer crimes sexuais contra seis mulheres dentro de um estúdio de beleza localizado no alto da avenida Afonso Pena, no bairro Cruzeiro, Zona Sul de Belo Horizonte. A Polícia Civil informou ao BHAZ nessa terça-feira (18) que já solicitou perícias em materiais apresentados pelas denunciantes. O suspeito nega e afirma ser vítima de uma vingança da proprietária do estabelecimento.

Segundo as denúncias encaminhadas à corporação, Ubiracy dos Santos Gomes, mais conhecido como Bira Gomes, de 45 anos, ocupava uma sala dentro do complexo de beleza MedieVal, onde se apresentava como terapeuta e “coach gerencial”. O estabelecimento possui uma barbearia, um estúdio de tatuagem e um espaço dedicado às mulheres, distribuídos em três pavimentos.

As mulheres, que possuem entre 20 e 56 anos, alegam às autoridades que os abusos sexuais ocorreram dentro da sala onde Bira atendia, que fica no fim de um corredor no subsolo. A convite de funcionários, o BHAZ esteve no local, que possui uma mesa, dois bancos, uma maca e um sofá-cama vermelho, colocado a pedido do pastor, conforme funcionários informaram.

Essas testemunhas, que pediram para ter a identidade preservada, afirmam ter ouvido gemidos de dentro da sala, cuja localização isolada era aproveitada pelo cantor gospel. A Delegacia Especializada de Investigação à Violência Sexual é a responsável pelas investigações das denúncias, registradas no último dia 10.

‘Inferno’

O BHAZ conversou com uma das mulheres que afirmam ter sido vítimas do pastor. Ela oferece serviços de beleza dentro do complexo e teve sessões com o cantor gospel pouco após a entrada dele, em outubro do ano passado, quando o próprio passou a oferecer atendimentos aos funcionários e parceiros do estabelecimento.

“Eu já fui casada e tenho problemas para me relacionar. Na sessão, ele falou que precisaríamos ir a um motel, eu não entendi. Ele é pastor e é casado. Mas ele me disse que seria um tratamento”, relata. “Eu estava em uma situação de fragilidade e ele é muito envolvente. Ele falava que era um tratamento, uma religiosidade. Mas eu sou cristã. E a maneira que aprendi sobre sexo é outra”, acrescenta.

A mulher também desconfiou do modo como o pastor realizava as sessões: com cortinas fechadas e luz apagada. “Já tinha feito terapia e não achei normal. Questionei e ele acendeu novamente”. A prática – luz apagada e cortinas fechadas -, inclusive, é uma constante nos relatos ouvidos de funcionários do estabelecimento pela reportagem.

A denunciante relata ter cogitado aceitar o convite, mas desistiu após conversar com uma cliente. “A minha cliente foi usada por Deus para me alertar. Deus já estava me falando ‘não vai’, mas às vezes eu ficava naquela dúvida: será que é Deus, será que é coisa da minha cabeça…”, afirma.

No entanto, sempre conforme as denúncias, ao menos uma outra mulher teria tido conjunção carnal com o pastor dentro do espaço onde o suspeito atendia. “Eu ouvi o gemido vindo da sala, mas na correria, eu estava muito atrasada, e aquilo fugiu da minha mente. O inferno, quando ele quer destruir alguma coisa, deixa as pessoas inibidas”, diz.

Após funcionários e colaboradores do complexo de beleza começarem a comentar sobre os supostos abusos de Bira, a mulher chegou a questioná-lo. “Eu perguntei se ele não conseguiria fazer um tratamento sem encostar. Ele disse que seria impossível”.

O BHAZ tentou contato com todas as outras cinco mulheres listadas como vítimas, mas não obteve sucesso até esta publicação (leia mais detalhes abaixo).

‘Estupro sem violência’

O crime sexual não é cometido apenas com o uso de violência ou mesmo ameaça. A violação sexual mediante fraude, prevista no art. 215 do Código Penal, ocorre quando há conjunção carnal ou ato libidinoso “mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.

Esta fraude se caracteriza quando a vítima é induzida ao erro por acreditar que a conduta é necessária, que o referido tratamento é adequado e importante, que vai lhe fazer bem. Mas, na verdade, o tratamento é uma fraude criada pelo possível autor do crime, com intuito exclusivo de praticar conjunção carnal ou ato libidinoso.

“Imagine um homem que se passa pelo irmão gêmeo e tem uma conjunção carnal ou pratica um ato libidinoso com a esposa desse irmão. A mulher consentiu o ato, mas teve um crime mesmo assim. Ela achava que estava com o marido, não com o irmão dela”. exemplifica ao BHAZ a advogada criminalista Paola Alcântara.

O Código Penal prevê entre 2 a 6 anos de prisão para esse tipo de crime.

Inicialmente, os fatos apresentados foram registrados como violação sexual mediante fraude. No entanto, é possível que uma pessoa que se passe por falso terapeuta para praticar ato libidinoso possa ser enquadrada até mesmo em uma tipificação mais grave: estupro de vulnerável, cuja pena prevista é de 8 a 15 anos de prisão, a depender da capacidade de entendimento da vítima.

“As pessoas que procuram um atendimento ou apoio, com finalidade terapêutica ou similares, podem estar em situação de vulnerabilidade, e não ter o total discernimento para entender o ato. Independentemente da idade, ela está vulnerável. E o autor se aproveita dessa situação para oferecer um determinado tipo de tratamento para cometer o ato libidinoso.”, afirma, de forma genérica, Alcantâra.

Para definir qual tipo penal se aplica ao caso, é necessário regular procedimento das investigações criminais e oitivas das testemunhas, que poderá indicar situação de vulnerabilidade ou não.

‘Inferno’ (outra versão)

“Ela [a proprietária Val Oliveira] fez da minha vida um inferno. Não tem nenhum abuso, ninguém foi tocado ou molestado. As meninas [supostas vítimas] pediram a ela pelo amor de Deus para não fazer isso. Não aconteceu nada disso. Estou abismado”.

O desabafo é de Bira Gomes. Procurado pelo BHAZ, o homem que está sendo investigado por supostos crimes sexuais nega todas as denúncias e credita esses graves relatos a uma vingança de Val Oliveira, dona do complexo de beleza. Seriam dois os motivos, segundo o próprio:

“Ela tem uma maquininha adulterada e já faturou mais de R$ 100 mil. Ela me contou isso, tenho documentos e o extrato bancário não me deixa mentir. Eu não queria usar isso contra ela, mas vou usar tudo, porque o que ela está fazendo é mexer na moral de um homem de Deus e na família. E psicologicamente falando parece que há um envolvimento pessoal dela comigo”, afirma Bira. “Mas nunca tivemos nenhuma relação extraprofissional”, complementa.

A reportagem pediu para que as provas – documentos e extrato bancário – fossem enviadas, mas o pastor preferiu não encaminhá-las. Apesar de ter realizado publicações elogiando a proprietária do estabelecimento, Bira entende que, hoje, “ela tem um ódio tão grande que eu não entendo em que é fundado”.

Bira fez várias postagens públicas exaltando Val, a quem chama de irmã, como esta acima reproduzida pelo BHAZ no dia 20 de fevereiro (@biragomesoficial/Instagram/Reprodução)

Sobre sua atuação dentro do complexo de beleza, Bira esclarece que atuou no espaço por cerca de três meses – entre outubro e janeiro deste ano – e que nunca fez atendimentos terapêuticos na sala, mas sim exerceu uma “espécie de coach gerencial”.

“Ali era uma sala mista. Eu não tive clientes para atender terapeuticamente porque não funcionou aquele lugar. Ela montou aquela sala para mim, mas só serviu para reunião com os funcionários dela. Em relação à terapia, eu não tive tempo para isso. Conversei com funcionários, com gerentes, usei a sala para ensaiar músicas, fazer reuniões, conversar e dar aconselhamentos”, afirma.

“Eu resolvi vários ‘pepinos’ lá, era um trabalho de gerenciamento, qualquer coisa sobre funcionários eu teria de resolver. O único tema sensível estabelecido foi sexo, ela [Val] dizia para eu não falar sobre sexo com os funcionários. E eu não conversei”, diz, pouco antes de admitir que teve uma conversa com a temática sexo com uma colaboradora.

“Uma funcionária de mais idade me procurou para conversar sobre sua vida sexual comigo. Ela contou que tinha um bloqueio sexual e eu tentei descobrir a motivação através da qual ela se voltava para o sexo. Foi só isso”, explica.

E, sempre conforme Bira, essa conversa teria irritado a proprietária do estúdio. “É como se ela [a proprietária] tivesse ficado endemoniada. Há umas duas semanas, eu fui bloqueado por eles em todas as redes sociais e entrei em contato para saber o que estava acontecendo. Quando um funcionário me deixou um recado dela: ‘diga a esse demônio que se ele aparecer aqui vai ficar sem pênis e, na melhor das hipóteses, vai sair daqui algemado’”, afirma o pastor.

Questionado sobre o motivo de não ter procurado a polícia ao ser ameaçado, Bira diz que não esperava que as denúncias fossem formalizadas. “Eu não sabia que ela teria coragem de destruir meu nome a ponto de fazer uma denúncia. Como vou me precaver sobre algo que nunca fiz na minha vida? Se eu não tenho culpa, por que vou procurar a polícia? Ela vai ser processada por danos morais, calúnia, difamação e injúria. Essa mulher não tem limites”, afirma.

Contatos

O BHAZ entrou em contato, por telefone, com cinco das seis vítimas, que terão a identidade preservada. Duas demonstraram interesse em relatar a denúncia, mas recuaram após afirmarem que pediriam autorização à direção do espaço. Por fim, uma delas concedeu entrevista.

A reportagem também tentou falar com Val Oliveira através de e-mail, telefones do estúdio e telefones pessoais atribuídos a ela. Em uma das ligações, a proprietária do complexo de beleza afirmou que não desejava se manifestar nem sobre os supostos crimes sexuais ocorridos dentro da espaço tampouco sobre as acusações feitas por Bira Gomes.

Também procurado pelo BHAZ, o advogado do estúdio de beleza, Wagner Luiz da Cruz Dias, afirmou preferir não se manifestar sobre as denúncias tanto de crimes sexuais quanto apresentadas por Bira Gomes contra Val Oliveira. O defensor também não quis comentar sobre a suposta intimidação da direção do estúdio às vítimas que desejavam conversar com a reportagem.

O BHAZ também enviou, por dois endereços de e-mail do estúdio e pelo WhatsApp de Wagner Dias, perguntas sobre a assistência prestada às vítimas funcionárias e parceiras do salão, a relação do pastor com a proprietária do espaço, as denúncias de fraude bancária e a suposta vingança.

Até a publicação desta reportagem, nenhuma pergunta foi respondida. Caso o estabelecimento se pronuncie, ou responda aos questionamentos, esta matéria será atualizada.

Coaching

A atividade de coaching não é uma profissão regulamentada no Brasil, mas existem diversos institutos e associações nacionais e internacionais responsáveis por formar coaches, através de cursos e seminários.

Segundo o Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), a atividade é “um processo definido como um mix de recursos que utiliza técnicas, ferramentas e conhecimentos de diversas ciências como a administração, gestão de pessoas, psicologia, neurociência, linguagem ericksoniana, recursos humanos, planejamento estratégico, entre outras”.

Para se formar como coach pelo IBC, é necessário cumprir um mínimo de 180h de aulas e atividades complementares. Depois disso, outras certificações podem ser obtidas, como a de “Master Coach” e “Coaching Executivo e de Negócios”.

Apesar disso, nada impede que uma pessoa que não tenha estudado em um instituto ou uma associação especializada em coaching se auto intitule um “coach”, já que não há regulamentação da profissão.

Atualmente, o projeto de lei PL 3.550/2019 quer regulamentar o coaching como profissão e procura o reconhecimento da prática da metodologia. O texto aguarda o parecer do relator na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP).

Enquanto isso, no Portal e-Cidadania do Senado Federal, 24.232 pessoas apoiam a sugestão de projeto de criminalizar o coaching. A iniciativa busca impedir o “charlatanismo de muitos autointitulados formados sem diploma válido, não permitindo propagandas enganosas como ‘Reprogramação do DNA’ e ‘Cura Quântica’”.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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