Mãe sai em defesa de filho trans vítima de bullying nas redes: ‘Tenho muito orgulho, vou sempre lutar por ele’

mãe filho trans
Deborah Alaman e seu filho Hugo Alaman Fabrício enfrentam juntos o preconceito (Hugo Alaman Fabrício/Arquivo pessoal)

“Meu filho é incrível, uma pessoa acima da média. Quando a gente demonstra nosso apoio publicamente, as pessoas respeitam muito mais. Se eu abaixasse minha cabeça, seria muito mais difícil. Peço que todas as mães abram o coração e a mente, e vamos a luta por nossos filhos!”. A fala emocionada é da manicure Deborah Alaman, mãe do jovem trans Hugo Alaman Fabrício, de 15 anos, que tem enfrentado muito preconceito desde o início de sua transição.

Natural de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Hugo estuda no 1º ano do Ensino Médio. A transição começou por volta dos 12 anos, após ir a psicóloga. “Eu já usava roupas masculinas, cortava meu cabelo curtinho, não me identificava com nada relacionado ao feminino. No início, eu achava que era bissexual, mas me descobri um jovem trans após uma consulta na psicóloga. Ele me levou uma associação de homens trans, conversei com vários e foi fundamental para me descobrir”, conta Hugo ao BHAZ.

Aproximação

O jovem morou com a avó, em Campo Grande, até agosto do ano passado. “Eu tinha uma relação mais distante com a minha mãe, fui me aproximar mais na época de transição. No começo foi bem difícil, tanto para ela quanto para mim. Mesmo com as dificuldades, minha mãe me apoiou desde o início, e acho que isso foi fundamental. Ela é uma pessoa incrível”, continua o estudante.

Para Deborah, a certeza de que Hugo poderia ser trans, veio depois do nascimento de sua segunda filha. “Quando minha outra filha ficava pedindo batom, pintando as unhas, coisas para o cabelo, sempre muito feminina, e o Hugo não, aí percebi que tinha algo diferente. Ele [Hugo] tinha muita dificuldade de comprar roupas, vestidos. Um dos piores momentos nossos era comprar o que ele iria vestir”, lembra Deborah.

Deborah e Hugo estão sempre juntos (Hugo Alaman Fabrício/Arquivo pessoal)

“Comecei a abrir um pouco meus olhos, é difícil reconhecer, aceitar no primeiro momento. Ele começou a pedir para cortar o cabelo curtinho, preferia usar as roupas do pai, em vez de usar minhas roupas, como crianças gostam de fazer. Na primeira infância já dá para a gente notar, mas é preciso ter a mente aberta, sem medo”, continua a mãe de Hugo.

Deborah explica que sempre foi muito tranquilo em relação a orientação sexual das pessoas. “Eu trabalho em um salão de beleza, sempre convivi muito com pessoas homossexuais, trans, etc. Sempre foi tudo muito normal, nunca vi problemas. Mas, quando é com a gente, sempre assustamos um pouco. Temos a responsabilidade de saber se nosso filho quer mesmo isso, se é uma fase ou outra coisa, ainda mais por se tratar de uma criança”, relata.

“Como era uma situação nova, resolvi sugerir que ele fosse para a psicóloga para entender. Sempre dei muito apoio, conversei com ele, mas eu sabia que eu precisava de uma visão profissional sobre o assunto. A psicóloga tem sido fundamental nessa caminhada”, explica Deborah.

Hugo conta que a parte mais difícil ainda é a família. “Fiquei sozinho na minha família, a maioria respeita, mas não me entende. Meu pai ainda não consegue aceitar, é complicado”, relata o estudante.

Bullying constante

Desde quando Hugo era criança, ele sempre foi visto como “o diferente”. “Sofri muito bullying na escola, por parte de outras crianças, me xingavam de vários nomes, faziam brincadeiras ruins. Quando eu fui passear em Campo Grande, conheci o namorado de uma amiga minha. Quando voltei para São Paulo, ele começou a me seguir nas redes sociais e a postar ofensas constantes”, explica.

Além das ofensas nos prints acima, a pessoa também disse que Hugo era uma vergonha para a família, que ele não era amado. Passada quase uma semana, e com as ofensas prosseguindo, a mãe de Hugo achou necessário mandar uma mensagem para o jovem. “Quando chegou ao ponto que o menino já estava pegando bem pesado, aí eu vi que tinha que agir”, disse Deborah.

“Uma das coisas que o Hugo falou para mim é que a família tinha vergonha dele. Eu sempre penso a respeito disso. Parece que as pessoas LGBTs não têm família, que são sempre rejeitados. Eu quis mostrar para ele que não é assim. Fiquei pensando no que falar, disse que precisava falar com ele que o Hugo tem quem o ama incondicionalmente”, explica a mãe.

Nas mensagens, Deborah fala de orgulho que tem pelo filho e também conta que estava juntando provas para um processo de transfobia, caso fosse necessário. Ela ainda mandou fotos de paradas LGBTs que já participou. “Fui em várias paradas LGBTs sozinha, já que o Hugo só veio para São Paulo no ano passado. Quis mostrar para ele que ele é importante, que eu me importo mesmo”, continua.

O jovem pediu desculpas pelos atos de transfobia. “Eu errei nessa caminhada, assumo meus erros. Só quero que ele me desculpe para ficarmos de boa […]. Me desculpe por você ter um moleque escroto igual eu insultando o seu filho”. Veja o pedido completo:

Hugo ficou muito grato pelo apoio da mãe. “Eu achei incrível alguém me defender assim. Agradeço demais pelo apoio que ela me dá, sem ela eu seria totalmente diferente, mais tímido, mais inseguro. Não é a primeira vez que ela me defende, fiquei realmente muito feliz”, conta o jovem.

O jovem continua e diz que sabe que pode sofrer outros preconceitos, mas tem evoluído e melhorado com o tema. “No começo eu ligava mais, eu pensava que eu era uma aberração. Me chamavam de esquisito, dizendo que eu estava mudando os planos de Deus, que eu jamais poderia ser um homem. Temos que lutar para ser nós mesmos, pela nossa felicidade, tentar ignorar essas pessoas”, continua.

Agressão gratuita

Deborah lembra de um episódio mais grave, que o filho sofreu próximo ao Dia das Mães, no ano passado. “O Hugo foi na festinha de uma amiga, e estava se divertindo. De repente, o pai da menina entrou muito bêbado onde as crianças estavam e começou a ofender meu filho”, explica a mãe do jovem.

Segundo ela, o homem xingou o filho e o agrediu. “Ele começou a falar várias coisas transfóbicas, empurrou Hugo e depois começou a pegar nos seios dele, que estavam enrolados em uma cinta que meu filho usa. Ele falava que queria provar que meu filho era menina”, lembra a mãe emocionada.

A manicure disse que não registrou boletim de ocorrência pois, até hoje, o filho tem medo e não fala o nome do homem. “Minha vontade era ter ido lá e falado muito com esse homem, denunciado para a polícia por transfobia e agressão. O problema é que Hugo desenvolveu crises de ansiedade, chorava muito por conta disso, ele me pediu que eu não fizesse mais nada. Vou sempre lutar por ele”.

‘Mães pela diversidade’

A mãe de Hugo encontrou apoio em um grupo chamado “Mães pela diversidade”, presente no Facebook, que é um local de suporte para mães de LGBTs. “Depois de um certo tempo bateu aquele susto, comecei a receber críticas de família, que foram bem pesadas. Fiquei pensando: ‘será que sou tão louca por não surtar?’. Aí eu surtei por eu não ter surtado, era uma fase que eu chorava muito. Comecei a procurar outras mães de filhos trans, e encontrei o grupo”, conta.

Para as mães ou pais que estejam passando pela transição com o(a) filho(a), Deborah fala que o importante é saber que eles não estão sozinhos. “A mãe conhece o filho que tem, ela sabe, mesmo que o filho não queira contar. A gente pode ter apoio do mundo inteiro, mas se a mãe não estiver com a gente, nada adianta. É preciso pedir para que as mães de trans também ‘saiam do armário’ e apoiem seus filhos”, completa.

Ao BHAZ, Dalcira Ferrão, psicóloga clínica e social, que também é Conselheira Federal de Psicologia, fala que o grupo é muito relevante. “Serve como forma de apoio e suporte aos pais e familiares de pessoas LGBTs, o que inclui travestis e trans. É um local onde os pares, mães, pais e outros familiares, falam de igual para igual. No grupo, eles falam desses momentos e fases pelas quais as famílias estão passando. É uma ferramenta extremamente importante para organização e fortalecimento das famílias LGBTs”.

Como ajudar na transição

Para entender um pouco mais sobre transexualidade na infância e adolescência, o BHAZ entrevistou a psicóloga Dalcira Ferrão, que explica de forma didática como os pais devem proceder. “É muito comum, principalmente com a chegada da puberdade, as pessoas que não se identificam no gênero de nascimento, começarem a apresentar e trazerem algumas questões em relação ao seu corpo e sua forma de se perceber no mundo”.

A psicóloga conta que não tem uma idade específica atrelada à transexualidade. “Ela pode ser identificada na infância ou na adolescência, mas também existem casos que as pessoas dão conta disso na fase adulta. Os processos familiares, sócio-históricos de cada uma dessas pessoas vão acabar determinando se será iniciado mais precocemente ou mais tardiamente”.

“É importante, ao começar a identificar algumas dessas características, desses incômodos, a própria questão da disforia com o corpo e essa não-identificação como gênero do nascimento, que se busque o auxílio e suporte tanto para a pessoa trans, quanto para a família. Como as travestilidades e transexualidades ainda não estão completamente absorvidas pela nossa sociedade, ainda há uma dificuldade das famílias fazerem uma assimilação imediata”, continua a psicóloga.

A especialista reforça que “buscar a orientação e apoio nesse momento auxilia no processo, no amadurecimento, ajudando para que a pessoa inicie a transição de maneira orientada, com cautela e com os cuidados necessários”.

Na psicologia, ela ainda explica que os profissionais não fazem diagnósticos de travestilidades ou transexualidades. “Esses procedimentos são auto-denominados, são as própria pessoas travestis ou trans, que se reconhecem. As profissionais de psicologia auxiliam nesse processo de entendimento dessa questão, da sua própria identidade, na aceitação dessa condição, mas não em um sentido de diagnosticar esses quadros”.

Apoio da família é essencial

É essencial que a família esteja orientada. “Dentro do possível, os familiares devem acompanhar e estar juntos dessas pessoas [travestis e trans]. Eu sempre falo que faz uma diferença considerável quando a família está junto, e as apoiam nesse processo de transição. Principalmente para o enfrentamento da transfobia social, as pessoas se sentem muito mais acolhidas e fortalecidas para encararem o mundo”.

O acompanhamento psicológico para as pessoas trans não é algo compulsório, obrigatório, mas é recomendável. “Eu percebo que ele se faz necessário principalmente nessa fase inicial, de entendimento, auto-reconhecimento e de fortalecimento dessa identidade”, comenta.

No sentido de iniciar o processo de transição e os impasses, desafios que as mudanças vão gerar na vida dessas pessoas. “Esse processo ser orientado e acompanhado, acaba trazendo muito mais recursos e ferramentas. Com isso, a pessoa passa por esses processos sem adoecimentos, cuidando com um respaldo maior da saúde mental”, completa.

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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