Na ausência do Estado, ativistas informam a periferia sobre o coronavírus

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O que fazem os comunicadores populares na linha de frente de combate à pandemia em periferias e favelas de cinco capitais do país (Amanda Dias/BHAZ)

A primeira contaminação por coronavírus em favela foi confirmada pela Secretaria Municipal de Saúde há 10 dias em uma das maiores comunidades da zona oeste do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus. Ali, como em outras periferias, favelas, morros e quebradas pelo país, as diretrizes de prevenção do Ministério da Saúde para quase 14 milhões de brasileiros não são fáceis de cumprir. Nesses territórios classificados pelo IBGE como “aglomerados subnormais”, os comunicadores populares são fundamentais.

O próprio ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, na coletiva de imprensa da última segunda-feira (30), elogiou as precauções adotadas pelas comunidades: “(…) é muito importante que cada liderança desse país proteja as suas comunidades.”

Na ausência de medidas do governo federal direcionadas às favelas, a Agência Pública conversou com comunicadores populares em cinco capitais do país — Belém, Salvador, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro — para mostrar como estão se articulando no combate à pandemia de coronavírus.

Em São Paulo, um podcast com linguagem da quebrada

“Quando a gente pensa comunicação ou periferia no Brasil, é uma questão muito complexa, porque a compreensão sobre território muda. Quando a gente está em São Paulo, vamos pensar em bolsão populacional, em distritos, em aglomeração. Quando se trata de favelas do Rio é outro rolê demográfico, quando a gente vai pro nordeste é uma parada ainda mais diferente, quando a gente pensa articulação nacional de comunicadores, a gente se depara com essas complexidades do território”, diz Ronaldo Mattos, comunicador e integrante do projeto Desenrola e Não Me Enrola, que reúne comunicadores periféricos da cidade que é o epicentro da Covid-19.

Ronaldo Mattos, Flavinha Lopes, Thais Siqueira e Evelyn Vilhena, integrantes do projeto Desenrola e Não Me Enrola (Arquivo pessoal)

Com o intuito de combater fake news, dar dicas de prevenção, atualizar as medidas do governo, Mattos se juntou à jornalista Gisele Brito, ao comunicador Tony Marlon e aos sites Periferia em Movimento e Alma Preta. Juntos, passaram a produzir o podcast Pandemia Sem Neurose.

“A gente pensou em um podcast curto, de 2 a 3 minutos de duração, que a pessoa não vai perder muito tempo acessando, que vai carregar rápido no celular, não vai ocupar espaço de memória do aparelho e pode ser reproduzido numa escala maior. Isso tem dado muito certo. A gente tem recebido retornos de idosos, de pessoas que moram em regiões completamente diferente. Da zona sul ao extremo da zona norte”, diz.

Falar para a periferia e não sobre a periferia é para Ronaldo uma “questão estruturante”, diz. “Se não, fazer comunicação na quebrada se torna só um produto jornalístico. Não importa se você mora na quebrada ou não. Você vai produzir conteúdo sobre os territórios e é algo que tem um valor muito forte. No entanto, se essa informação não vai parar nas mãos de quem precisa, qual é o valor público desta reportagem? Desse conteúdo jornalístico? Ele tem que servir para a discussão entre os mais velhos, entre a juventude que está indo pro pancadão, porque ainda não entende a gravidade em relação ao vírus e as possibilidades de contágio. Então a gente tem se atentando a isso”, esclarece.

Em São Paulo, outras ações estão ocorrendo nas duas maiores favelas do estado. Em Heliópolis, A União de Núcleos e Associações dos Moradores (UNAS) vem promovendo campanhas para arrecadação de alimentos e material de higiene.

Recentemente também lançaram uma pesquisa inédita sobre os impactos do Coronavírus na favela. A pesquisa foi realizada online entre os dias 27 e 29 de março. Dos 653 formulários respondidos se destaca a questão econômica: “68% das famílias de Heliópolis já tiveram perdas no rendimento mensal desde a adoção das medidas de isolamento. Destas, 19% afirmam não contar com mais nenhuma renda.”

Em Paraisópolis, a União dos Moradores montou comitês com lideranças dos bairros. Segundo o presidente da associação, Gilson Rodrigues, “foram identificamos 420 líderes, que se voluntariaram e que vão monitorar 50 casas, em média. A ideia é cobrir 21 mil domicílios e atingir a população de 100 mil habitantes que vivem na favela”.

Agência Pública

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