A semana passada começou com Jair Bolsonaro apoiando publicamente uma pequena aglomeração que protestava contra a democracia, pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Diante do Quartel-General do Exército, trôpego, mal se equilibrando sobre a caçamba de uma caminhonete, a sua simples presença endossava os pedidos de intervenção militar e de um novo AI 5, feitos pelos manifestantes (o que não deixa de ser curioso; afinal, protestos públicos não eram exatamente bem vistos durante a ditadura).
Houve quem visse em tal ato um exercício para verificar a adesão popular a um autogolpe. Para um governante que inúmeras vezes externou seu apreço pelas mais variadas ditaduras e que incitou as Forças Armadas a celebrar o aniversário do golpe militar de 1964, não parece ser inconcebível concentrar em suas mãos o poder. Para tanto, o apoio popular deveria ser clamoroso, visível, incontestável. Suas hordas de robôs virtuais, tão hábeis em destruir reputações nas redes sociais, não serviriam para conferir-lhe legitimidade para encabeçar uma aventura antidemocrática.
Assim como ocorreu com Jânio Quadros, sua iniciativa fracassou. A população não saiu às ruas para defender a ditadura e as instituições não se limitaram às tradicionais – e inofensivas – cartas de repúdio. Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional de Governadores, a OAB, parlamentares e magistrados não pouparam críticas ao presidente. Até o MBL repudiou as ações de Bolsonaro. E, finalmente, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao STF a instauração de inquérito para apurar os responsáveis pela organização dos atos que, em tese, poderiam ser considerados ofensivos à Constituição e à Lei de Segurança Nacional.
No dia seguinte, um cabisbaixo presidente repreendeu um apoiador, que gritava palavras de ordem contra o STF e o Congresso. Pela primeira vez, Bolsonaro manifestou-se contra os pedidos de fechamento dos demais poderes e pregou respeito à Constituição. Pela primeira vez, foi contra o núcleo duro de seus apoiadores. Mas seu inferno astral ainda não havia terminado…
O seu encontro com Roberto Jefferson, ex-deputado federal e cacique do PTB, descortinou o aceno à tão criticada “velha política”, com a promessa de indicação de cargos no Departamento Nacional de Obras conta a Seca (DNOCS), Fundação Nacional da Saúde (Funasa), Banco do Nordeste, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit). Uma mudança e tanto para quem dissera, há algumas horas, que não queria “negociar nada”.
O plano desenvolvimentista articulado pela ala militar, o Pró-Brasil, também o colocou em rota de colisão com um de seus principais ministros, Paulo Guedes, que o considerou uma reedição do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado durante a presidência de Dilma Rousssef. O Superministro, inclusive, não compareceu ao lançamento do programa, e certamente já compreendeu que seu ambicioso projeto ultraliberal, de redução do papel do Estado, está com os dias contados: no atual momento, poucos defenderiam, por exemplo, o fim do SUS ou a privatização da Caixa Econômica Federal.
Para agitar ainda mais a semana, o Superministro Moro pediu sua exoneração. E o fez em grande estilo! Na entrevista coletiva em que anunciou seu desligamento do governo, revelou que o presidente tentava interferir politicamente no comando da Polícia Federal, agindo de modo que nem Lula nem Dilma teriam feito. Para “preservar sua biografia”, saía do governo que não mais teria compromisso com o combate à corrupção.
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Coroando a mais insólita semana do ano, Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional que rivalizou com os piores momentos da presidente Dilma. Em 45 minutos, à frente de quase todo seu ministério, fez um desabafo que deveria reservar para seu analista. Falou do aquecimento de sua piscina, do filho pegador, dos problemas jurídicos da sogra, de quando foi ignorado na lanchonete, de sua facada, de Marielle, do porteiro de seu condomínio, dos empréstimos feitos para Queiroz; até de tacógrafos o presidente falou…
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Como já era esperado, a saída do Ministro da Justiça agravou a tormenta sobre Brasília. Acuado por sua postura diante da crise do Covid-19 e pela demissão de Mandetta, Bolsonaro vê desmoronar um dos mais fortes pilares de sua candidatura presidencial: a luta contra a corrupção. Como também já se esperava, a operação de desconstrução de Moro teve início, taxado de traidor nas redes sociais e nas carreatas organizadas de afogadilho neste domingo.
Existe, no entanto, um lado positivo. Enquanto moristas e bolsonaristas digladiam-se nas redes sociais, mais se esgarça a rede de apoio à extrema-direita. Então, para o bem do país, eles que lutem!