Grupo faz nova manifestação em BH: ‘Fazer fila para pegar esmola pode e trabalhar não pode?’

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Cerca de 20 pessoas se reuniram na “marcha da família contra o comunismo” (Amanda Dias/BHAZ)

Mais uma manifestação pela volta do comércio em Belo Horizonte e em apoio a Bolsonaro está sendo realizada nesta sexta-feira (1º), no Dia do Trabalhador. Desta vez, as reivindicações se dividiram em três protestos: uma “marcha da família contra o comunismo”, um pedido de apoio do Exército e uma carreata “em homenagem ao trabalhador e pela volta ao trabalho”.

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Cerca de 20 manifestantes se reuniram nesta manhã, na Praça da Bandeira, para a primeira parte da reivindicação, em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em cartazes e faixas, eles pediram que a indicação de Alexandre Ramagem para diretor-geral da Polícia Federal seja aceita e protestaram contra o STF, o Congresso e o comunismo.

A próxima parte da manifestação está planejada para as 14h, quando os manifestantes se reunirão em frente ao quartel do exército, na avenida Raja Gabáglia. Para José Antônio Nascimento, idealizador do movimento “Força BH” e um dos organizadores da manifestação, o apoio do Exército é necessário para “colocar ordem no país”.

“O legislativo está querendo dar muito pitaco no Executivo. Sabemos que Bolsonaro está colocando o poder na mão dos militares aos poucos, mas ainda não consegue mexer no STF e no Congresso, então precisamos de mais ajuda do Exército”, explica ao BHAZ.

Mais tarde, às 16h, os manifestantes sairão do quartel em uma carreata “pelo trabalho e pró-Bolsonaro”. O objetivo é pedir a volta do comércio em Belo Horizonte, apesar disso contrariar as recomendações de saúde contra a pandemia de Covid-19.

Para os participantes, o número de óbitos na capital mineira é pequeno e isso permite uma volta do comércio “com responsabilidade”.

‘Volta ao trabalho’

O grupo é contrário ao decreto do prefeito Alexandre Kalil (PSD), que proíbe a abertura de bares, restaurantes, shoppings e lojas de Belo Horizonte. O organizador José Antônio Nascimento acredita que a situação não é tão ruim quanto em outros países e isso permite que a capital mineira “volte ao trabalho”.

“O decreto do Kalil tem como grande desculpa a pandemia, mas, em 60 dias, BH só tem 17 óbitos. Não que a gente não valorize a vida, mas podemos pensar em uma volta do comércio com responsabilidade”, justifica o organizador.

Os manifestantes protestam contra Alexandre Kalil, o STF e o Congresso (Amanda Dias/BHAZ)

Ele defende ainda a abertura de shoppings na cidade, já que, segundo o próprio, “com disciplina, não tem aglomeração”. No entanto, o município de Blumenau, em Santa Catarina, se tornou exemplo nas redes sociais após autorizar a reabertura desses centros comerciais: em um dos vídeos, dezenas de pessoas aparecem entrando em um shopping. Uma semana depois, o número de casos de Covid-19 na cidade quase triplicou.

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José Antônio Nascimento também aponta que, nas filas das agências da Caixa, as pessoas estão se aglomerando para fazer o saque do auxílio emergencial. “Estão fazendo até churrasco. Fazer fila para pegar esmola pode e trabalhar não pode?”, questiona.

Segundo o boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde (SES) desta sexta-feira, Minas Gerais já registra 1.935 casos de Covid-19 e 88 óbitos confirmados. Em Belo Horizonte, são 590 casos e 20 mortes.

Justificativas

O grupo de manifestantes reuniu argumentos que, para eles, justificam o relaxamento das medidas de isolamento social no Brasil, apesar do sucesso do combate à Covid-19 em outros países estar relacionado a medidas restritivas de distanciamento e ao fechamento de atividades comerciais.

O organizador acredita que a vacina BCG, aplicada em bebês recém-nascidos no Brasil contra a tuberculose, evita o contágio pelo novo coronavírus. Uma pesquisa realizada no Instituto de Tecnologia de Nova York, nos Estados Unidos, aponta que países que não têm a vacinação obrigatória apresentaram mais casos de Covid-19.

O estudo usa como exemplo a Itália e os Estados Unidos, que não aplicam a vacina e apresentaram grande número de casos e de óbitos. Apesar disso, países como a França e o Reino Unido, que vacinam bebês com a BCG, também registraram muitos casos de Covid-19 e mortes pela doença, o que pode contrariar a conclusão da pesquisa.

Um comunicado da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) e outras duas entidades diz que “o estudo apresentado tem falhas metodológicas significativas e foi publicado como um pre-print, um tipo de publicação que não é avaliada por revisores e não deve ser utilizada como recomendação clínica. Portanto, não é possível recomendar a vacinação com o BCG fora da rotina do Programa Nacional de Imunizações”.

O organizador também argumenta que uma população idosa e uma taxa de tabagistas menor do que a da Europa e dos Estados Unidos também evidenciam uma “vantagem” do Brasil em relação aos outros países, com um grupo de risco menos significativo.

Outra teoria é a de que o vírus tenha sido plantado pela China nos Estados Unidos para destruir o capitalismo. “A maior incidência de infectados no país é em Nova York, a cidade que mais representa o capitalismo. Isso pode indicar um plano da China, além de que uma das formas que o vírus chegou lá foi por meio de caixas de encomendas com produtos chineses”, explica José Antônio.

O organizador acrescenta que, nesta noite, representantes de entidades de direita vão viajar para Brasília. Apoiadores de Bolsonaro pelo país planejam fazer um encontro nacional em frente ao Congresso, no domingo (3), em apoio ao presidente.

Reforçar, e não relaxar

Apesar do cenário de combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil ser considerado otimista para parte da população, incluindo os manifestantes, pesquisas apontam que as medidas de isolamento social ainda não podem ser flexibilizadas. Para o professor de estatística da UFMG Luiz Henrique Duczmal, todo o esforço de um mês de isolamento pode ser perdido caso um relaxamento ocorra.

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Duczmal é um dos responsáveis pelo estudo da UFMG que aponta que o isolamento social vertical, aquele que é restrito aos grupos de risco, é quase tão ineficiente quanto nenhum isolamento. Em uma atualização da pesquisa, os dados apontam que o isolamento em Belo Horizonte tem sido efetivo, mas não o suficiente para conter a epidemia. Segundo o professor, os resultados ainda não devem ser comemorados e as medidas devem ser intensificadas.

“O sucesso no combate é relativo, ainda vemos muitos carros circulando nas ruas, não são só serviços essenciais que estão funcionando. Já conseguimos adiar um pouco o pico, mas não é hora de relaxar. É hora de manter e deixar ainda mais intenso”, explicou.

“Se relaxarmos agora, todo o progresso desse mês de isolamento vai ser perdido. No momento, qualquer redução no isolamento vai provocar aceleração do contágio e vamos perder todo o trabalho. Se relaxarmos agora, os hospitais não vão ter condição de suportar os casos e muitas pessoas vão morrer por falta de atendimento”, completou.

Duczmal afirmou que o ideal é que só trabalhadores essenciais saiam e todos se protejam o máximo possível. Ele também considera imprescindível que as pessoas mais pobres recebam assistência governamental, para que possam ficar em casa sem trabalhar.

Subnotificação

O pesquisador também ressalta que os estudos estão sendo conduzidos com base em dados que, segundo ele, não refletem a realidade. No início de março, quando a pesquisa começou a ser desenvolvida, os testes ainda eram suficientes para atender a demanda.

“No Brasil temos um problema que não vemos em outros países, que é uma subnotificação muito grande. O número de casos e de mortos por Covid-19 é muito maior do que o que é registrado e estamos praticamente no escuro em relação aos dados atuais”, explicou Duczmal.

O Brasil registra, segundo os dados do Ministério da Saúde, 85.380 casos confirmados de Covid-19 e 5.901 óbitos pela doença. Neste Dia do Trabalhador, o presidente Jair Bolsonaro disse que gostaria que todas as pessoas voltassem a trabalhar. Bolsonaro ressaltou, no entanto, que a decisão não depende dele e jogou a responsabilidade para os governadores e prefeitos.

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“Eu tenho certeza que, Deus acima de tudo, brevemente voltaremos à normalidade. Eu gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas quem decide isso não sou eu. São os governadores e prefeitos”, reforçou.

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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