Ruim com ele, pior sem ele…

Divulgação/Exército Brasileiro
coluna colunista

Quem achava que o General Hamilton Mourão seria uma alternativa menos danosa que Bolsonaro já pode ir tirando o cavalinho da chuva. O artigo por ele assinado, publicado hoje pelo Estado de São Paulo, deixa claro o seu alinhamento integral ao governo e lança sérias dúvidas sobre as perspectivas democráticas da nação.

Ele até começou bem. Reconheceu a gravidade da pandemia e seus efeitos sociais e econômicos. Disse que o seu enfrentamento cabe ao Estado, que não existe uma solução única e que cada país deverá encontrar os meios de enfrentá-la “de acordo com a sua realidade”.

Em uma passagem especialmente bem elaborada, apresentou o que poderia ser entendido como o mea culpa do governo, ao afirmar que “nenhum país vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”.

Os parágrafos seguintes, no entanto, evidenciam que Mourão não reconhece qualquer responsabilidade do governo federal pelo agravamento da mais grave crise de saúde da história recente do Brasil. Pelo contrário, a culpa é dos outros, sempre dos outros.

O primeiro culpado é a imprensa, que agravaria a polarização ao não expor as posições “favoráveis ao governo”. Não satisfeito com a vice-presidência, Mourão quer agora pautar a imprensa. Talvez entenda que, no horário nobre, o tio do zap seja chamado para falar dos efeitos da cloroquina, a moradora da cidade do interior de Minas dê uma entrevista sobre os sepultamentos de caixões que conteriam paus e pedras, e o pastor possa chamar seu rebanho para o jejum que salvaria a nação…

O segundo culpado seriam governadores, magistrados e legisladores que não reconheceriam a federação como forma superior de organização política, pois “esse sistema permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz”. O ghost-writer deve ter tido muito trabalho para conter o riso quando pensava nos notáveis que integram o primeiro escalão: Damares, Weintraub, Ernesto, o astronauta, Salles, Osmar Terra…

O terceiro culpado pela crise é o Poder Judiciário. Aqueles juízes que insistem em julgar os casos que são levados a sua apreciação; que fazem questão de aplicar a lei e a Constituição. Que defendem os direitos e garantias fundamentais. Que explicitam os limites aos poderes do executivo, já demarcados pela Carta de 1988. Esses são realmente terríveis, pois “sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la”.

O quarto culpado é aquela personalidade que, “tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores”, aponta o governo federal como responsável pela destruição na Amazônia. Não se sabe bem o motivo pelo qual o desmatamento desenfreado, a invasão de terras indígenas, a regularização da grilagem, o desmantelamento do ICMBio e o desempoderamento do IBAMA estão relacionados à crise causada pela disseminação da COVID-19. Mas tudo bem! Se o general quer que antigos presidentes e ministros sejam culpados pela pandemia, que seja. O bom da culpa é que podemos colocá-la em quem quisermos!

E é exatamente isso que o vice-presidente fez. Ao arrematar o “seu” artigo, culpa aqueles que de “maneira desordenada” decretaram as medidas de isolamento social e lançaram o País no desemprego e na recessão. Culpa as estatísticas seletivas, a discórdia, a corrupção e o oportunismo. E, finalmente, culpa aqueles que não respeitam “os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas”, demonstrando desconhecer profundamente a federação desenhada pela Constituição da República e o sistema de freios e contrapesos ali previsto.

Eu poderia encerrar com um blague de caserna, em homenagem ao capitão e ao general: durante o desfile militar, o pai orgulhoso aponta o filho e diz que ele é o único que marcha com o passo certo e que todo o restante da tropa está errado. É exatamente o caso: os governadores, prefeitos, juízes, ministros, personalidades estão todas erradas. Só o Capitão Cloroquina é que estaria correto…

Infelizmente, uma leitura tão amarga logo pela manhã não permite um final leve. Mourão, de quem se esperava que erguesse pontes, implodiu o alicerce das que ainda existiam. Mourão, que se pretendia sensato, mostrou-se incapaz de lidar com um governo que não seja profundamente autoritário. Mourão, que representava a esperança de que as Forças Armadas seriam meras expectadoras na recomposição do quadro político, deixa no ar uma ameaça velada. Mourão nos fez pensar que, se a situação está ruim com o presidente, pode ficar ainda muito pior sem ele.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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