‘Não são números, são pessoas’: Mãe lamenta morte da filha por Covid-19; garota faria 18 anos no domingo

Kamilly completaria 18 anos no último domingo (Facebook/Reprodução)

“Minha filha era totalmente saudável. Nunca foi de passar mal. Era difícil pegar uma gripe”. O novo coronavírus já matou mais de 17 mil pessoas em todo o Brasil. Na triste estatística está Kamilly Ribeiro dos Santos de 17 anos. A jovem morava em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ), e no dia 14 de abril morreu por complicações da Covid-19.

A suspeita é de que Kamilly tenha sido infectada pela própria mãe, Germaine Herculano Ribeiro dos Santos, de 43. A mulher, autora da frase que abre esta reportagem, também teve a mesma doença e acredita que contraiu a doença enquanto acompanhava o pai no hospital.

A morte de Kamilly ganhou repercussão ao ser associada ao uso de cloroquina no tratamento da enfermidade. Germaine desmente que a filha tenha sido medicada com a substância e pede que a dor da família seja respeitada (veja abaixo).

Kamilly morreu pouco antes de completar 18 anos (Facebook/Reprodução)

Em entrevista, ao BHAZ, a mãe de Kamilly conta que acredita ter sido infectada pelo novo coronavírus durante o período em que ficou de companhia com o pai no Hospital Geral de Nova Iguaçu – de 28 de janeiro a 18 de março. 

“Eu tive que ir pra casa por que estava passando mal e com tremedeira. Quando eu ficava no sol me sentia melhor, mas era só ir pra dentro do hospital que tudo voltava”, disse.

Após o marido de Germaine buscá-la, eles passaram em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento). “Conversei com a médica e perguntei se era corona. Ela garantiu que não e me diagnosticou com pneumonia, mesmo eu estando com febre de 39.2ºC e a pressão em 16.8”, relembra destacando que não foi submetida ao exame de Covid-19.

“Saí da UPA com a receita dos remédios e acabei indo pra casa. Coloquei minha família em risco, pois nem máscara estava usando, de tão desinformado que a gente estava”, relata.

Jovem apresenta sintomas

Depois de voltar para casa, Germaine percebeu que a filha começou a passar mal. “A Kamilly teve tosse e, imediatamente, eu medi a temperatura, mas ela estava sem febre. Alertei o pai dela e pensando que era uma gripe, dei vitamina C, xarope caseiro, chá, remédio de garganta e até bati couve com laranja”, lembra.

Germaine acredita ter passado a doença para a filha, já que a jovem só ficava em casa cuidando do irmão mais novo, de 3 anos, e deixou o local apenas uma vez acompanhada por uma prima. No dia 23 de março, a Kamilly teve falta de ar, um dos sintomas da Covid-19.

“Meu marido levou ela no posto de Xerém. Por lá fizeram Raio-X e mandaram me buscar e o meu outro filho. Falaram pra eu levar um par de roupas, pois Kamilly ficaria internada”, conta.

A equipe médica optou por examinar todos os membros da casa de Germaine por meio de raio-x. “O pulmão do meu marido e do meu filhinho estava limpo, mas o de nós duas bem prejudicado. A gente estava com uma pneumonia bem forte e fomos colocadas em isolamento”, explica.

Tratamento

O começo do tratamento, conforme Germaine relembra, foi com azitromicina, tamiflu e dipirona. No dia seguinte os médicos usaram outro medicamento: a hidroxicloroquina. “A minha filha já estava no balão de oxigênio devido à falta de ar. Os médicos nos deram esta medicação sem saber se nós aceitávamos”, diz.

Com o passar dos dias, Germaine apresentou melhoras, mas a filha precisava de cuidados maiores. “A gente foi transferida de hospital para fazer tomografia e no dia 25 de março a Kamilly começou a vomitar e precisou ser entubada. Ela começou a perder o olfato e paladar, além de soltar catarro com sangue”, conta.

A maneira como o quadro de Kamilly evoluiu deixou Germaine assustada. “Foi tudo muito rápido. Ela ficou entubada por 21 dias e na última semana a febre era direto, os rins comprometeram, pois ela parou de urinar. No dia 14 de abril ela morreu”. 

Luto

Enquanto acompanhava a luta da filha para sobreviver, Germaine precisou enfrentar a morte do pai, o senhor que ela acompanhava no hospital. “O meu pai morreu no dia 2 de abril, 12 dias antes da minha filha. Eu perdi meu pai e perdi a minha filha”. 

No último domingo (17), a jovem completaria 18 anos. Desde que Kamilly morreu, Germaine tem cobrado respeito à dor da família, já que a filha virou assunto no noticiário por conta de um possível uso da cloroquina no tratamento da Covid-19.

“Ninguém [da imprensa] procurou a minha família, mas ficou dando notícia errada. Teve gente falando que o pai dela era que tinha morrido. Pelo amor de Deus. É melhor procurar saber com o próprio familiar, igual vocês estão fazendo, para passar informação correta e respeitar a família”, pondera.

Diante de tantas mortes provocadas pelo novo coronavírus, 148 somente em Duque de Caxias, Germaine desabafa. “As pessoas que morrem não são números, elas têm rosto, são seres humanos. Está faltando amor ao próximo e respeito. As pessoas estão levando tudo pro lado político”.

Cloroquina

A cloroquina virou um dos assuntos mais comentados neste tempo de pandemia e ultrapassou o debate médico e virou questão política no Brasil, resultando na queda de dois ministros da Saúde, Henrique Mandetta e Nelson Teich.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defende o medicamento como esperança de cura, mesmo sem evidências científicas.

O BHAZ entrevistou o médico infectologista Leandro Curi para entender a diferença da cloroquina e da hidroxicloroquina – medicamento utilizado tanto em Germaine, quanto em Kamilly.

“A cloroquina é um medicamento anti-malária e descobriram que funciona para lúpus e artrite reumatóide. Já a hidroxicloroquina é um derivado da cloroquina. Ela é menos tóxica e causa menos efeitos colaterais”, explica.

O profissional da saúde alerta que os dois medicamentos, “até o momento”, não possuem eficácia no tratamento do novo coronavírus.

“Estudos recentes e confiáveis não encontraram vantagem nenhuma no uso para Covid-19. Nem na fase inicial, nem na mais avançada, quando o paciente está muito mal. Os estudos nos dizem que os dois não são tão benéficos como imaginávamos e queríamos. Para o tratamento não faz tanta diferença”, conta.

Apesar disso, o infectologista diz que os protocolos dos hospitais permitem o uso destes medicamentos.

Covid-19 em Duque de Caxias

Dados do Boletim Epidemiológico da Prefeitura de Duque de Caxias apontam que até essa segunda-feira (18), o município da Baixada Fluminense tem 1.155 casos confirmados e 148 óbitos.

Para Germaine, a cidade demorou a fazer o isolamento social. “A cidade foi a última a adotar o isolamento e fechar o comércio. Colocaram o réveillon e o Carnaval como mais importante”.

A prefeitura estendeu até 31 de maio o Decreto Municipal que visa o combate ao novo coronavírus. 

“As atividades comerciais como cinemas, shopping centers e estabelecimentos comerciais similares, além de bares e botecos. O documento também suspende pelo mesmo período a frequência da população a piscinas, rios e cachoeiras do município” informa o Executivo municipal.

A razão para a extensão no prazo se dá pelo aumento de pessoas contaminadas.

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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