Governo ocultou dados que revelam sobrecarga de até ‘136%’ em regiões menos favorecidas com UTIs

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Romeu Zema anunciou nesta semana a liberação de 656 leitos desde fevereiro (Pedro Gontijo / Imprensa MG)

Por Cristiano Martins, do Coronavirus-MG.com.br*

ATUALIZAÇÃO ÀS 12H40 DO DIA 25/5/2020: Este texto foi atualizado para incluir um segundo posicionamento da SES-MG (Secretária de Estado de Saúde de Minas Gerais), enviado após a publicação desta reportagem.

O governador Romeu Zema foi às redes sociais na última quarta-feira (20) para divulgar a liberação de 656 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em Minas Gerais durante a crise do Coronavírus. Enquanto isso, no mesmo dia, a Secretaria de Saúde publicava em seu site dados que abriam questionamentos sobre a ocupação e a distribuição desses equipamentos pelas regiões do estado. Coincidência ou não, as informações foram apagadas logo após as indagações enviadas pelo Coronavirus-MG.com.br e não voltaram a ser disponibilizadas.

De acordo com os números divulgados oficialmente, Minas Gerais vive uma situação relativamente confortável na gestão da pandemia, em relação a outros estados, com 69% das vagas de UTI ocupadas na rede pública. Por outro lado, os dados apagados pelo governo indicavam uma sobrecarga de entre 100% e “136%” em seis das 14 macrorregiões de saúde.

O Coronavírus-MG.com.br coletou as informações antes de serem ocultadas da página oficial. Elas revelam que quatro das regiões saturadas são as que menos receberam e habilitaram novos leitos desde fevereiro, período utilizado por Zema como referência ao anunciar a expansão da rede assistencial. São elas: Jequitinhonha (Diamantina), Nordeste (Teófilo Otoni), Oeste (Divinópolis) e Triângulo Norte (Uberlândia).

Desde que parou de divulgar o número total de casos notificados e, consequentemente, a testagem de pacientes com sintomas suspeitos, o governo vem se apoiando no percentual de leitos ocupados na rede pública como indicador fundamental na gestão da crise e na reabertura econômica proposta pelo programa Minas Consciente.

Após os questionamentos, a Secretaria de Saúde (SES) alegou que não há casos registrados de pacientes transferidos entre regiões do estado, e que as ocupações superiores a 100% poderiam ser explicadas por atrasos no lançamento de altas médicas ou de leitos já habilitados no sistema SUS Fácil MG, utilizado para calcular as taxas.

Ainda assim, as contas possibilitadas pelas informações retiradas do ar indicam que as regiões sobrecarregadas estariam, sim, à beira da saturação. Considerando os leitos excedentes (não cadastrados) teoricamente ocupados nestas regiões, “sobram” apenas 31 unidades habilitadas sem localização conhecida, ou seja, que poderiam estar distribuídas por todo o estado.

Ainda conforme a SES, a região Triângulo Sul, com polo em Uberaba, possui um cadastro próprio e não lança todos os números no sistema SUS Fácil MG, por isso é desconsiderada no cálculo geral da taxa de ocupação.

O Coronavirus-MG.com.br vem solicitando há algumas semanas os números oficiais de leitos clínicos e de UTI habilitados e cadastrados por microrregião e macrorregião de saúde em Minas, mas ainda não recebeu respostas. Confira a análise detalhada aqui.

Entenda os números

Segundo o anúncio feito pelo perfil de Zema no Twitter, Minas Gerais passou de 2.013 leitos de UTI no sistema público de saúde, em fevereiro, para 2.669 unidades habilitadas até o último dia 20. Destas, 2.555 estão habilitadas e oficialmente cadastradas no SUS Fácil MG, sistema a partir do qual é calculada a taxa de ocupação geral no estado.

Na quarta-feira (20), a SES publicou durante alguns instantes os dados desagregados por macrorregião de saúde. Foi divulgado também o número absoluto de pacientes internados em cada região, possibilitando assim o cálculo da quantidade de leitos cadastrados em cada uma delas, e também dos leitos supostamente habilitados e ocupados nas divisões administrativas que ultrapassavam a capacidade máxima de atendimento.

Filtro por região foi suprimido após questionamentos (canto inferior esquerdo) (Reprodução / Site oficial da SES)

Os números indicavam ocupações “acima de 100%” nas seguintes regiões: Triângulo Norte (136%), Jequitinhonha (130%), Vale do Aço (112%), Oeste (110%), Nordeste (105%) e Leste (103%). Cinco áreas já registravam 10% ou mais de UTIs ocupadas especificamente com pacientes em tratamento da Covid-19, entre elas Nordeste (15%), Vale do Aço (11%) e Jequitinhonha (10%).

No extremo oposto, somente três regiões registravam menos de 80% de ocupação total: Leste Sul (64%), Norte (63%) e Centro (36%) – a região Central, sozinha, tinha 577 leitos de UTI desocupados, podendo assim, em teoria, receber um volume significativo de pacientes transferidos de outras áreas do estado em caso de necessidade.

A partir dos dados disponíveis no DataSUS, o Coronavirus-MG.com.br calculou também o incremento no total de leitos de UTI em cada região desde fevereiro.

Neste aspecto, chama atenção a situação na região Nordeste. Teófilo Otoni e suas cidades vizinhas não registram nenhum novo leito cadastrado desde fevereiro e, com 15% de ocupação por pacientes com Covid-19, aparece entre as áreas mais saturadas de Minas Gerais.

O Coronavirus-MG.com.br solicitou uma nota oficial da Secretária de Saúde, bem como os números detalhados por região, e recebeu a seguinte reposta, às 18h25 desta sexta-feira (22):

“A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais esclarece que, ao publicar as taxas de ocupação na plataforma BI, é possível que algumas regiões apresentem índices acima de 100% uma vez que o extrato dos dados do dia é retirado às 29h59 e as altas dadas pelos médicos costumam ser feitas no período noturno, período em que é comum haver trocas de turno. Até que a alta dada seja efetivamente lançada em sistema, é possível que seja necessário algum tempo, o que pode gerar esse tipo de distorção. De forma geral se considera, contudo, que taxas acima de 90% sejam consideradas como ocupação praticamente total dos leitos. Por essa razão é que se considera o percentual da taxa de ocupação como indicador e não necessariamente o número absoluto de leitos, uma vez que as internações e as altas se dão em caráter dinâmico“.

*Este conteúdo está liberado para reprodução, desde que creditados o autor e o projeto Coronavirus-MG.com.br. Você também pode inserir os gráficos em seu site por meio do código embed (“incorporar”). A tabela completa com os dados analisados está disponível aqui.

Nota da SES-MG enviada ao BHAZ após esta republicação, da reportagem do Coronavirus-MG.com.br:

“Em relação a matéria “Governo ocultou dados que revelam sobrecarga de até 136% em regiões menos favorecidas com UTIs” ( https://bhaz.com.br/2020/05/23/governo-dados-utis-minas/ ), a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), esclarece que, ao publicar as taxas de ocupação na plataforma BI é possível que algumas regiões apresentem índices acima de 100%, uma vez que o extrato dos dados do dia é retirado às 23h59 e, as altas dadas pelos médicos costumam ser feitas no período noturno (período em que é comum haver trocas de turno). Até que a alta dada seja efetivamente lançada em sistema, é possível que seja necessário algum tempo, o que pode gerar esse tipo de distorção. De forma geral se considera, contudo, que taxas acima de 90% sejam dadas como ocupação praticamente total dos leitos. Por essa razão é que se considera o percentual da taxa de ocupação como indicador e não necessariamente, o número absoluto de leitos, uma vez que as internações e as altas se dão em caráter dinâmico.

Além disso, a Secretaria está atuando de forma incisiva mobilizando os prestadores hospitalares para que os mesmos cadastrem os leitos no Sistema de regulação utilizado pela SES-MG, o SUS-fácil. Isso porque há algumas macrorregiões, como, por exemplo, a do triângulo do norte e a oeste, em que os estabelecimentos já haviam implantado novos leitos, mas que ainda não haviam cadastrado os leitos no sistema, o que ocasionou em altas taxas de ocupação. Deste modo, eles estão realizando as internações, mas as mesmas não aparecem no SUS-fácil. As regiões que estão com as maiores taxas de ocupação são exatamente as que abriram novos leitos e não os cadastraram no SUS fácil. Em razão disso, e com o intuito de adequar o sistema e apresentar uma informação coerente com a realidade das internações, a SES está aguardando que essas atualizações sejam realizadas para poder oferecer uma informação mais completa sobre os leitos.

Cabe destacar que algumas macrorregiões, como a Nordeste e a Jequitinhonha são, historicamente, regiões que contam com menos leitos de UTI. Em razão disso, foram priorizadas nas últimas entregas dos respiradores reparados, possibilitando assim, equipar os leitos de UTI e qualificar o atendimento na região. A Secretaria também implementou os planos de contingência Covid-19 nas 14 macrorregionais do estado, de modo a garantir que cada uma esteja preparada do ponto de vista assistencial para atender à sua população.

Por fim, é importante ressaltar que Minas Gerais alcançou 100% da pontuação no “Ranking de Transparência da Covid-19”, da Open Knowledge Brasil (OKBR). Publicada na quinta-feira (21/5). A lista, que vem sendo divulgada semanalmente desde abril, avalia a qualidade das informações e dados relacionados à pandemia que têm sido publicados pela União e pelos estados brasileiros em seus portais oficiais. Mais informações em: http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/minas-lidera-ranking-de-transparencia-da-covid-19″.

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