E agora, doutor? Meu ex não pagou a pensão

IMAGEM ILUSTRATIVA (Reprodução/Envato Elements)
coluna colunista

A rápida disseminação do novo coronavírus impactou nossas vidas de várias formas e é inegável o efeito que já teve e ainda terá sobre a economia. As medidas tomadas por várias prefeituras e estados por todo o País impuseram o fechamento das atividades consideradas não essenciais e a população foi colocada em quarentena.

O socorro tardio por parte do governo federal mostrou-se insatisfatório: milhares de pessoas não conseguiram receber o auxílio emergencial, setores inteiros não foram beneficiados – como se viu na área da cultura – e pequenos negócios não tiveram acesso a crédito. Famílias tiveram sua renda reduzida e suas perspectivas no curto prazo não são exatamente as melhores.

Nesse cenário, bem se pode imaginar que as relações familiares também têm sido fortemente impactadas. A guarda compartilhada e o exercício do direito de visita sofrem restrições naquelas localidades em que se decretou a quarentena; a violência doméstica explodiu e, como não poderia deixar de ser, em incontáveis casos as pensões alimentícias deixaram de ser pagas.

Nesse momento, as pessoas se voltam para seus advogados e perguntam: e então, doutor? O que fazer? Meu ex-marido deixou de pagar a pensão.

Essa é uma questão sempre angustiante, mas torna-se mais dramática durante a pandemia. A solução, ao menos neste momento, não é exclusivamente jurídica. Eu até me arrisco a dizer que o aparato judicial somente deverá ser acionado em último caso, quando frustradas todas as possibilidades de composição amigável.

O primeiro aspecto a ser compreendido é que a pensão é uma obrigação jurídica. O pai não “dá” a pensão, como se costuma dizer. Não é um ato gracioso, de vontade. Não se trata de um dever de consciência ou de um imperativo ético. É uma obrigação jurídica, que decorre da própria paternidade. E, como tal, não pode ser a primeira dívida que se coloca de lado em um momento de dificuldade econômica ou financeira.

Outro aspecto a ser considerado está relacionado à maturidade dos pais e à necessidade de se buscar uma solução consensual para a regularização da pensão. Não é raro que a relação termine de forma muito ruim. Não é pouco usual que o casal tenha dificuldades para manter um relacionamento cordial após a separação. No entanto, é fundamental que as partes entendam que a pandemia não é um pretexto para o devedor fugir de suas obrigações legais; ele deve buscar uma solução consensual e verificar como aquela dívida poderá ser quitada. Mas é importante ressaltar: quem tem fome tem pressa. Cabe ao devedor apresentar uma proposta de pagamento que contemple minimamente as necessidades do credor e a colaboração mútua é essencial para uma solução satisfatória.

Esse acordo, porém, pode não ser obtido tão facilmente. O credor pode se perguntar qual motivo o levaria a fazer alguma concessão se ele tem a faca e o queijo na mão. Ele não apenas tem o direito de exigir o pagamento como ainda dispõe da possibilidade de pedir a prisão civil do devedor. E a ameaça de se prender tem um poder de persuasão inquestionável…

Realmente, não é fácil o acordo quando uma das partes detém uma posição negocial mais forte. Por que o credor haveria de ceder se pode intimidar o devedor com a própria prisão? Mas é exatamente nesse ponto em que há um reequilíbrio de forças. O CNJ, Conselho Nacional de Justiça, expediu a Recomendação 62, que orienta os juízes a optarem pela prisão domiciliar enquanto perdurar a pandemia da Covid-19, o que torna inócuo esse procedimento. Há de se convir que em um contexto em que a maioria da população está em casa por força da quarentena, a prisão domiciliar não seria um instrumento de convencimento realmente efetivo…

Mas é bom lembrar que a Recomendação 62 do CNJ dá uma pequena vantagem negocial para o devedor da pensão alimentícia. O suficiente para que ele consiga reequilibrar a discussão e conseguir adequar os pagamentos a sua real possibilidade. Mas ele não deve abusar de sua sorte: o processo de execução continuará em curso e, ao final da pandemia, o devedor estará prontinho para a prisão…

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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