Mortes por síndrome respiratória aumentam 884% e estão na fila de testes para Covid desde fevereiro

Na fila: 40% das internações e 20% dos óbitos por SRAG esperam resultados desde fevereiro (Amanda Dias/BHAZ)

Por Cristiano Martins, do Coronavírus-MG*

O governo de Minas Gerais usou informações desatualizadas e parciais para anunciar uma suposta diminuição de 8,5% nas mortes causadas por doenças respiratórias no estado, em relação a 2019, mesmo durante a pandemia do novo coronavírus.

Enquanto isso, dados do Ministério da Saúde revelam que 1.364 mineiros morreram desde o fim de fevereiro em decorrência de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), cujos sintomas são similares aos da Covid-19. Isso representa 1.225 óbitos a mais do que o esperado, ou 884%, considerando a média de 138 mortes registrada nos anos anteriores.

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) argumenta que os profissionais da área estão hipersensibilizados na notificação de doenças respiratórias e que os pacientes hospitalizados com SRAG fazem parte do grupo prioritário de testagem para detecção do Coronavírus. O governador Romeu Zema afirmou reiteradas vezes que os laboratórios mineiros estão trabalhando com “capacidade ociosa”.

O Coronavírus-MG.com.br constatou, no entanto, que há mortes por SRAG aguardando resultados de testes desde fevereiro, ou seja, antes mesmo dos primeiros diagnósticos oficiais de Covid-19 no estado. Segundo os registros do Ministério da Saúde, uma minoria dos casos é investigada em laboratório. Ainda assim, 20% das mortes e 40% das internações encaminhadas para análise seguem na fila dos exames em Minas – números piores do que a média nacional.

A SES respondeu três de cinco perguntas enviadas na última segunda-feira (25) durante a apuração desta reportagem. A nota está disponível na íntegra ao fim do texto.

‘Excesso inexplicável’

Dados reunidos pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e monitorados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que 1.364 pessoas morreram em Minas por Síndrome Respiratória Aguda Grave durante a pandemia. Em comparação, haviam sido registrados 135 e 142 óbitos no mesmo período, respectivamente, em 2018 e 2019.

Esta análise leva em conta o recorte entre a semana epidemiológica 9 (23 a 29 de fevereiro), quando começaram a ser identificados casos suspeitos de Covid-19, e a semana 20 (10 a 16 de maio), considerando o atraso previsto na atualização dos dados mais recentes.

Dos 1.364 casos fatais em Minas, 342 foram encaminhados para análise laboratorial. Um quinto dessas amostras ainda aguardam resultados (20%), enquanto 62% deram positivo para o novo Coronavírus. Na média nacional, 13% das amostras seguem na fila, enquanto 74% atestaram a Covid-19 como causa da morte.

“A conclusão é que há um excesso inexplicável de mortes por SRAG, e esses números indicam uma grande subnotificação das mortes por Covid-19 em Minas Gerais”, afirma Thiago Henrique Evangelista, pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e autor de um estudo sobre o tema publicado em 23 de maio.

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES), a explicação para o aumento de 884% nos óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave está numa mudança comportamental dos profissionais do setor.

“A SES tem várias suposições do que levou à explosão de casos de SRAG. A principal delas é que os trabalhadores da saúde estão hipersensibilizados na notificação de síndromes respiratórias. […] É importante relembrar que todos os casos de SRAG estão sendo testados. Desta maneira, estamos conseguindo definir o que é COVID ou não dentro do universo dos SRAG”, informou.

Na última segunda-feira (25), o Coronavirus-MG.com.br questionou a secretaria especificamente sobre a baixa testagem nos casos de SRAG detectada nos dados oficiais do Ministério da Saúde, mas não recebeu resposta até o momento.

‘Número de óbitos por doenças respiratórias cai em Minas’

Em notícia publicada pela Agência Minas, o governo anunciou que as mortes por doenças respiratórias haviam diminuído 8,5% (de 44.318 para 40.537) na comparação com o ano passado. Os números são do Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil.

Seja por desatenção ou de forma deliberada, a publicação se baseia em números mal interpretados e que não podem ser comparados entre si.

Em primeiro lugar, a redação considera todos os óbitos contabilizados durante o período nos dois anos, e não somente aqueles provocados por doenças respiratórias. Depois, como informado na própria página da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), há um atraso de 14 dias na atualização das informações.

Além disso, a Folha de S.Paulo já havia identificado inconsistências e revisões que, no mínimo, exigem cautela na utilização desses dados.

Dados das últimas semanas estão claramente defasados, como alerta o próprio site

Se consideradas apenas as mortes por enfermidades respiratórias (Covid-19, SRAG, Pneumonia e Insuficiência Respiratória) e até a última data teoricamente consolidada (12 de maio), houve na verdade um aumento de 1,5%: de 10.721 para 10.883 óbitos. Mesmo quando incluídas também as mortes por septicemia (doença infecciosa), percebe-se uma redução de apenas 0,8% entre os dois anos: 17.178 para17.041 certidões registradas.

No total geral, também considerando os dados consolidados até 12 de maio, a queda entre o ano passado e o atual seria ainda menor (0,05%): de 41.008 para 40.986 declarações de óbito, sejam eles por doenças respiratórias, septicemia, outras enfermidades, causas indeterminadas ou demais motivos (mortes violentas, acidentes, etc.).

A contradição, com base em uma declaração da própria diretora de Vigilância de Agravos Transmissíveis da SES, Janaina Fonseca Almeida, é que as medidas de enfrentamento à Covid-19 deveriam, sim, refletir numa diminuição sensível das mortes pelas demais causas respiratórias além da Covid-19, o que aparentemente não ocorreu.

“As pessoas estão usando máscaras e se protegendo mais. Essas medidas não são eficientes só para evitar a contaminação por Coronavírus, mas também por outras infecções”, afirmou a diretora.

O Coronavírus-MG.com.br questionou a SES especificamente sobre a confiabilidade e o uso dos dados do Registro Civil no contexto da nota publicada pela Agência Minas, mas não obteve uma resposta direta sobre o tema.

A secretaria informou que “acompanha periodicamente o painel e se encontra em contato direto com seus elaboradores, atuando em parceria, tendo sido acordado o envio periódico do banco de dados que alimenta essa ferramenta para que a SES possa realizar um cruzamento dos óbitos registrados nos dois locais”.

Mortes em casa aumentaram

Outras comparações possibilitadas pela base de dados do Registro Civil também trazem resultados negativos para Minas Gerais.

Segundo o portal, houve aumento de 19% nas mortes em domicílio provocadas por doenças respiratórias em relação ao ano passado, no período entre a última semana de fevereiro e o dia 12 de maio. Considerando apenas SRAG, pneumonia, insuficiência respiratória e septicemia, essa diferença é ainda maior: 36%.

“Minas Gerais só testa pacientes com quadro de evolução clínica pior ou que formam parte dos grupos de risco. Uma pessoa com sintomas leves é liberada sem exame, vai para casa e não toma as devidas cautelas”, afirma o pesquisador da Universidade de Uberlândia.

O Registro Civil também informa que, até o momento, foram emitidos 481 atestados de óbito em Minas Gerais com suspeita ou confirmação de Covid-19, enquanto o boletim epidemiológico da SES registra 278 mortes causadas pelo Coronavírus. A quantidade nos cartórios é maior, obviamente, por incluir os casos suspeitos, não testados em laboratório. O governo informa que verifica esses registros e os envia para “exames adicionais”.

“A SES percebeu que grande parte dos óbitos registrados no Cartório como COVID foram, na verdade, comprovados como negativos após exame laboratorial. Nenhuma das duas instituições estão erradas em seus processos e divulgação de dados. Elas apenas registram e apresentam dados com propósitos e foco diferentes”, diz o comunicado da secretaria.

Muitos insumos, poucos testes

Secretário de Saúde defende cautela contra desabastecimento de materiais para testes
(Ramon Santos/Reprodução/SES)

Por fim, o tema das mortes por causas respiratórias provoca novamente o debate sobre a baixa testagem para a Covid-19 em Minas Gerais. Como o Coronavírus-MG.com.br vem destacando desde o início de maio, o estado é um dos que menos processa exames em todo o pais.

Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (23 de maio), já haviam sido enviados para a rede pública do estado insumos suficientes para a realização de 160,4 mil reações RT-PCR. Esse é o teste mais avançado, que determina a contaminação por meio da análise do material genético do vírus, e não apenas pela presença de anticorpos no sangue.

Naquele balanço, Minas Gerais aparecia como o quarto estado mais beneficiado, só atrás de Rio de Janeiro, São Paulo e Pará. Até hoje, porém, a Funed (Fundação Ezequiel Dias) e seus laboratórios parceiros concluíram apenas 22.338 exames.

“Temos uma epidemia que pode durar mais de ano. Temos um aumento de casos previstos para a frente, e um desabastecimento mundial de insumos. É de bom senso termos uma ordem, uma lógica, neste momento. E, não simplesmente porque temos testes, sairmos gastando”, justificou o secretário de estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, no último dia 28 de maio.

Já o governador Romeu Zema, em entrevista ao canal My News no dia 22 de maio, havia adotado uma postura diferente e declarado que preferia “investir em UTIs, que salvam vidas, do que em testes, que tiram a curiosidade de acadêmicos”.

Confira as respostas da SES:

1) A Secretaria de Saúde reconhece o Portal do Registro Civil como uma fonte confiável de informação sobre Covid-19 e outras causas respiratórias?

Cabe primeiro ressaltar que a SES acompanha periodicamente o painel divulgado pelo Registro Civil e se encontra em contato direto com seus elaboradores, atuando em parceria, tendo sido acordado o envio periódico do banco de dados que alimenta essa ferramenta para que a SES/MG possa realizar um cruzamento dos óbitos registrados nos dois locais.

Mas, o mais importante de destacar é que, no Registro Civil, entram como óbitos COVID19, tanto os óbitos confirmados quanto os óbitos suspeitos por COVID. Isso é informado no próprio site citado, que apresenta as seguintes informações: “As estatísticas aqui apresentadas se baseiam nas Declarações de Óbito (DO) registradas nos Cartórios do País relacionadas à COVID-19, sendo apresentada apenas uma causa para cada óbito (…) Foi então realizado o seguinte procedimento hierárquico para avaliar todas as causas naturais (não externas) declaradas na DO e selecionar somente uma causa por óbito, dentre as causas por COVID-19 e outras relacionadas: Condição 1: Quando na DO houver menção de COVID-19, Coronavírus, Novo Coronavírus, considerou-se como causa COVID-19 (suspeita ou confirmada);”

Isto ocorre porque, muitas vezes, no momento da emissão da Declaração de Óbito pelos Cartórios, o resultado laboratorial ainda não foi liberado. Sendo assim, se o caso é suspeito ainda não confirmado de COVID, ele é registrado como COVID (como explicado no site). Diante disso, ao realizar o cruzamento, a SES/MG percebeu que grande parte dos óbitos registrados no Cartório como COVID foram, na verdade, comprovados negativos após exame laboratorial – algo previsto pelo próprio Registro Civil.

Cabe destacar que nenhuma das duas instituições estão erradas em seus processos e divulgação de dados. Elas apenas registram e apresentam dados com propósitos e foco diferentes. Isso acontece, comumente, em qualquer outro agravo.

2) Segundo o mesmo Registro Civil, houve aumento de 19% no número de mortes em domicílio por causas respiratórias até 12/05 (último dia com dados consolidados). Considerando apenas SRAG, Pneumonia, Insuficiência Respiratória e Septicemia, essa diferença é ainda maior: 36%. Tendo em vista a comparação entre os anos feita pela Agência Minas, o que poderia explicar esse fenômeno?

— Sem resposta —

3) Dados da SES veiculados pela TV Globo no dia 6 de maio mostravam que as mortes por SRAG em Minas eram 833, contra 136 e 92 nos dois anos anteriores. A SES já identificou alguma situação concreta relacionada a outros vírus sazonais ou a outras possíveis causas que poderiam justificar uma diferença tão grande?

A SES/MG tem sim, várias suposições do que levou à explosão de casos de SRAG neste ano. A principal delas é que, atualmente, os trabalhadores e profissionais da saúde estão hipersensibilizados na notificação de casos de síndromes respiratórias. Comumente se observa na vigilância em saúde a relação entre aumento da sensibilização dos profissionais com o aumento de casos notificados e diminuição da especificidade. Tais aspectos ressaltam a importância das ações de investigação para a elucidação do panorama epidemiológico e geram uma limitação na comparação de informações entre os anos. O aumento das notificações de SRAG em 2020 em relação a 2019 é intenso, mas o mais importante é perceber o crescente aumento das notificações de Covid-19 semana a semana. Isso pode ser uma indicação de aumento dos casos notificados e, também, a um melhor registro. Por fim, é importante relembrar que todos os casos de SRAG estão sendo testados. Desta maneira, estamos sim conseguindo definir o que é COVID ou não dentro do universo dos SRAG. Um problema é que, quando não é COVID (ou seja, exame laboratorial negativo para COVID), muitas vezes o painel viral para outros vírus não é realizado, o que impede a descoberta de qual é a real causa do SRAG (não COVID). A falta de testes se trata de falta para realização em casos não graves, sendo assim, a impossibilidade de saber o que é ou não COVID é dentro desses casos leves, e não dentro do universo de SRAG.

4) Sobre o tweet no qual a SES diz não haver reflexo das SRAG no sistema de saúde: essa informação não contradiz o gráfico publicado no boletim da secretaria, segundo o qual há 11.144 internações por SRAG neste ano, contra 1.495 no ano passado? Essa diferença de quase 10 mil internações extras não configuram um reflexo no sistema? Há alguma situação concreta que poderia explicar o aumento tão expressivo?

A SES esclarece que o pico de notificações por SRAG, alcançado entre as semanas 12 e 13 do calendário epidemiológico, que compreende o período entre 15/3 a 28/3, não coincide com a curva de evolução de casos da Covid-19. Não foi um pico condizente com a Covid-19 porque não teve sobrecarga do sistema de saúde. Posteriormente, observou-se uma queda no número dessas notificações por SRAG, enquanto a Covid-19 apresenta aumento contínuo de casos. O que mais dá a visão de realidade, nesta interpretação, é a taxa de ocupação, pois até o momento, não há filas para acesso a esses leitos.

Destacamos, ainda, que a comparação do quadro de notificações por SRAG entre 2019 e 2020 deve ser vista com cautela. No ano passado, por exemplo, alguns quadros normalmente não eram notificados. Já em 2020, percebe-se uma conduta bem diferente, no sentido de promover a notificação desses casos por SRAG, que têm notificação compulsória. Portanto, o elemento comportamental, dentro da avaliação dos profissionais, não pode ser desconsiderado quando se analisa o período da pandemia.

Podemos citar como exemplo, casos como pneumonia, insuficiência respiratória e septicemia, que não são agravos com notificação compulsória, o que justifica a baixa notificação de casos nos outros anos. Este ano, devido à pandemia da Covid-19 esses casos estão sendo notificados com maior frequência, mesmo não havendo compulsoriedade de notificação.

5) Segundo dados do InfoGripe (até 18/05), 44% dos casos notificados como SRAG e 24% dos óbitos notificados como SRAG em Minas ainda esperavam resultados de testes. Considerando que esses casos estão entre as prioridades para testes e que, de acordo com o próprio governador, a capacidade de testagem em Minas estaria “ociosa”, qual é a explicação para esse atraso nos resultados?

— Sem resposta —

*Este conteúdo está liberado para reprodução, desde que creditados os autores e o projeto Coronavirus-MG.com.br. Os dados utilizados para a elaboração dos gráficos estão aqui.

Nos baseamos na metodologia criada pelo Núcleo a partir de dados do Waze/BID e fizemos adaptações. Usamos também informações dos relatórios de mobilidade do Google.

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