Governo reconhece falha ao usar dado inconsistente para exaltar combate à Covid-19: ‘Não deveria’

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Dado divulgado pelo Governo de Minas é inconsistente e impreciso (Amanda Dias/BHAZ + Adão de Souza/PBH)

O secretário-geral do Governo de Minas Gerais, Mateus Simões, reconheceu nesta quinta-feira (4) que a administração estadual errou ao usar um dado inconsistente para exaltar o trabalho realizado no combate à Covid-19. Em publicação na Agência Minas – canal oficial do Estado – e do próprio Simões, o governo de Romeu Zema (Novo) enalteceu que o número de mortes por doenças respiratórias caiu neste ano.

“Com o isolamento social, o estabelecimento de protocolos para retomada da economia e a adoção de cuidados de higiene para prevenir a contaminação, o número de mortes em decorrência de doenças respiratórias em Minas Gerais caiu 8,53%”, afirmou o governo, em trecho da publicação.

A administração se baseou em números do Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil (veja aqui), já reconhecidos como inconsistentes pela própria Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), entidade responsável pelo portal. E, além disso, considerou o número total de mortes, que contempla também as “indeterminadas” e “demais mortes” – o que não tem ligação alguma com Covid-19.

Para se ter uma ideia, mesmo os números totais apresentados pelo governo na publicação já mudaram drasticamente. Em consulta feita às 19h20 de hoje, a variação do mesmo período analisado pela gestão estadual despencou para uma queda de 1,7%. Isso ocorre porque o portal é atualizado constantemente, inclusive com dados antigos, de até mesmo 2015 (leia mais abaixo).

“O Estado deveria ser mais cuidadoso na divulgação desses dados? Acho que sim. Acho que a gente deveria então não usar esse dado como referência, pois, aparentemente tem dado mais dor de cabeça”, admitiu Mateus Simões ao BHAZ.

O secretário-geral ainda classificou como “grave” se esses dados tivessem sido usados pelo governo do qual faz parte para embasar alguma ação, o que, segundo o próprio, não ocorreu. O mesmo portal indica que já foram registrados 485 certidões de óbito por Covid-19 em Minas. Já o governo afirma, em boletim divulgado hoje, que morreram 323 pela doença.

Inconsistência reconhecida

A própria Arpen, responsável pelo portal, já reconheceu que os dados são inconsistentes. “Alguns Estados possuem cronogramas específicos para fazer envios retroativos ao portal, atualizando dados de meses e anos anteriores”, afirmou a associação em nota enviada à Folha de S. Paulo.

O principal jornal do país, inclusive, publicou duas reportagens sobre o tema – sendo a primeira no dia 14 de maio. A publicação revelou que meio milhão de mortes sumiu do sistema (leia aqui). Em outra matéria, o veículo também mostrou que a base de dados tem falhas que impedem o monitoramento real do coronavírus no Brasil (leia aqui).

Para se ter ideia na flutuação de dados do sistema (acesse aqui), uma consulta feita às 19h20 desta quinta-feira (4), utilizando o mesmo período citado pelo Governo de Minas – do dia 1º de janeiro até 22 de maio -, mostra que mais de 3 mil mortes foram incluídas no sistema:

Dado divulgado pelo Governo de Minas

  • 40.537 óbitos em 2020
  • 44.318 óbitos em 2019

Dado atualizado nesta quinta, às 19h20

  • 43.644 óbitos em 2020
  • 44.412 óbitos em 2019
Portal da Transparência – Registro Civil/Reprodução

E o principal: se forem consideradas apenas as mortes por causa respiratória e septicemia (doença infecciosa) – que também pode ter ligação com Covid-19 -, o número despenca. Usando o mesmo parâmetro do governo, do dia 1º de janeiro até o dia 22 de maio, são os seguintes números:

Mortes por causas respiratórias

  • 11.565 em 2020
  • 11.612 em 2019

Mortes por causas respiratórias (incluindo septicemia)

  • 18.108 em 2020
  • 18.557 em 2019

Aumento de 884%

O Coronavírus-MG.com.br, portal especializado em cobrir a pandemia no Estado mineiro através de jornalismo de dados, publicou uma reportagem nesta semana mostrando a inconsistência do dado exaltado pelo Governo de Minas e revelando uma outra estatística alarmante – estatística esta do Ministério da Saúde e monitorada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

A base de dados mostra que Minas Gerais já registrou 1.364 mortes em Minas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) durante a pandemia. Em comparação, haviam sido registrados 135 e 142 óbitos no mesmo período, respectivamente, em 2018 e 2019 – o que representa um salto de 884%, considerando a média desses dois anos anteriores.

Questionado sobre esse aumento, o secretário-geral do Estado, Mateus Simões, afirma que todas as mortes estão sendo testadas. Diz também que os dados divulgados por ele e pelo Estado foram uma maneira de mostrar um contraponto ao crescimento no número de casos de SRAG em Minas.

“Se comparar a minha coluna e a nota do Estado, vão perceber que foi no mesmo período após a divulgação da notícia da subida drástica de morte por SRAG em Minas, em comparação com passado. Não é o melhor dado, mas era o que eu tinha. E é o que eu tenho que expor ao público quando a acusação é feita contra o Estado também de uma fonte que nós também não conseguimos verificar”, diz Mateus Simões.

O ex-vereador de Belo Horizonte reforça que, apesar do uso do dado para contrapor uma informação, o levantamento não serviu como base para a tomada de decisões do Governo.

“Nós não usamos esse dado. As medidas são tomadas apenas com o nosso modelo de verificação, que é continuamente tratado como ‘dados ruins’, que são os de testagem de óbitos. E isso não tem como melhorar, pois não temos condições de testar mais mortes do que aquilo que os médicos nos indicam para serem testados. Aí, quando a gente tenta apresentar um contraponto de dados públicos, essas informações não têm qualidade e não são geradas por nós. Então, fica difícil manter um debate”, argumenta.

Mortes sem análise

Esse mesmo banco de dados do Ministério da Saúde – batizado como Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) – mostra que, desses 1.364 casos fatais por SRAG em Minas, apenas 342 foram encaminhados para análise laboratorial. E um quinto dessas amostras ainda aguardam resultados (20%), enquanto 62% deram positivo para o novo coronavírus.

“Agora, se tiver disponível no Brasil uma fonte de dados melhor, com certeza, nós vamos atrás. Mas, nesse momento, continua nos parecendo que o melhor dado que nós temos para usar é o dado de mortes testadas”, acrescenta.

Por fim, o secretário diz que seria grave caso o governo tivesse utilizado a informação como base para alguma decisão. “Esse dado era o que tínhamos no momento da divulgação. Mas, se alguém mostrar que nós usamos isso para tomar alguma medida que possa ter prejudicado a população em termos de assistência, aí a situação seria grave. E é algo que pode acontecer em algum momento, considerando a falta de qualidade desses dados. Mas nós seguimos outros parâmetros”, diz.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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