O que aprendemos com eles: Como um projeto da maior favela mineira se agiganta em plena pandemia

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Centro cultural encontrou caminho para crescer apesar do coronavírus (Moisés Teodoro/BHAZ + Reprodução/Instagram/@ladafavelinha)

“No momento que o mundo inteiro está em crise, a Favelinha nunca esteve tão forte, e fortalecendo outras pessoas”. É assim que Kdu dos Anjos, gestor do Centro Cultural Lá da Favelinha, descreve a atual fase da iniciativa. Enquanto muita gente se desdobra para encontrar novas formas de viver após a chegada do novo coronavírus, é da maior favela de Minas – um lugar que tem “aglomerado” no nome -, de onde saem alguns dos maiores exemplos e possíveis caminhos para o mundo pós-pandemia.

Máscaras a preços acessíveis, confecção de jalecos para doação, distribuição de duas mil marmitas por dia e seis mil cestas básicas, aulas de funk à distância e projeto de criação de uma batalha de passinho virtual com prêmio em dinheiro para o vencedor… Estes são apenas alguns dos projetos recentes da equipe liderada por Kdu, que ainda encontrou tempo para retomar o passado artístico e lançar um disco e um curta-metragem.

E o mais interessante: tudo isso seguindo ao máximo as recomendações para o momento atual e abrindo espaço para pessoas constantemente marginalizadas. Nas palavras do idealizador: “A gente emprega principalmente mulheres, pessoas pretas, LGBTQI+ e moradores de periferia. A nossa missão é geração de oportunidade e renda”.

Com todas essas iniciativas e muitos outros projetos no horizonte, o Lá da Favelinha se fortalece como uma referência de posicionamento frente à pandemia. Não à toa, ganhou destaque internacional na live Global Citizen – da OMS em parceria com Lady Gaga – e em veículos como The New York Times e The Guardian. É do Aglomerado da Serra, segunda maior favela da América Latina, que vêm alguns dos principais exemplos de combate a crises.

Disco e filme

Os momentos catárticos proporcionados pelas consequências do novo coronavírus no mundo geraram bons frutos para Kdu. Afastado de sua veia artística há anos para conseguir transformar a Favelinha na referência que é hoje, ele resolveu voltar para a música e o resultado está próximo: no dia 14 deste mês, sai o seu primeiro álbum “Quanto tempo, hein, Kdu?”.

Ele conta que as músicas tratam justamente sobre esse fenômeno que ganhou um sentido novo durante a pandemia: o tempo. “Eu fiz uma seleção das melhores coisas que tinha escrito e todas elas tinham esse sentido de tentar entender o tempo. Todas tem essa relatividade”, destaca. Kdu explica ainda que o CD vai tratar sobre outras questões importantes e já aponta qual faixa pode representar muito: “Tem uma música que chama ‘Thiaguinho’, fala sobre a morte de uma criança que cresceu comigo, acho que vai ser importante”.

“Thiaguinho”, que dialoga diretamente com os movimentos antirracistas que mobilizam o mundo atualmente, terá um clipe, lançado no mesmo dia do álbum – que também terá uma espécie de “clipe”. Trata-se do curta-metragem que será lançado neste sábado (6), meia-noite. Produzido durante a quarentena, por Kdu e mais duas pessoas apenas, o filme vai falar sobre a mesma temática do álbum e é uma espécie de “spoiler” do que está por vir.

Tanto o disco quanto o filme contam com a participação de profissionais que já trabalharam com artistas consagrados, como Djonga e Delano, e o CD também valoriza o cenário local: a capa foi produzida por Yuri Amorim e, nas músicas, há parcerias com Hot Apocalypse, Teffy Angel e Vini Joe. Com 12 músicas, “Quanto tempo, hein, Kdu?” ainda nem nasceu, mas já é muito: “Esse disco salvou a minha vida. Eu estava muito tenso aqui com esses trabalhos todos e ao mesmo tempo querendo fortalecer as pessoas que precisam de uma atenção mais especial, com medo de ser contaminado, de contaminar minha família… Eu consegui ver que a gente tá fazendo muito mais coisa do que antes”, conta Kdu.

Distribuição de alimentos

E é muito mais coisa mesmo! Entre elas, a distribuição de duas mil marmitas por dia, durante quarenta dias. A iniciativa foi viabilizada pelo dinheiro arrecadado na live do rapper Djonga e, além de levar alimento a quem precisa, dá emprego a quem foi afetado pela pandemia: “São 10 cozinheiras aqui do aglomerado e a equipe de logística e RH, ao todo 75 pessoas, então nós geramos 75 empregos extraordinários”.

A distribuição de alimentos foi uma parceria com a Associação de Moradores do Cafezal e com o Instituto Unibanco e está prevista para terminar. Além das marmitas, também foram distribuídas seis mil cestas básicas para famílias que foram afetadas pelo avanço do coronavírus. 

Confecção de máscaras

Já há algum tempo, o Ateliê Remexe Favelinha, ateliê de costura do aglomerado está produzindo máscaras para vender a preços acessíveis. E o diferencial é a confecção de máscaras que permitem a leitura labial, para contemplar um grupo cujas dificuldades foram quase totalmente ignoradas pelas novas recomendações de saúde.

“O ateliê está produzindo as máscaras convencionais, por R$ 5, e as de leitura labial, que custam R$ 10 e a gente também chegou a fortalecer alguns hospitais fazendo jalecos para doação”, conta Kdu, que explica ainda que “toda a renda dos produtos é revertida para as costureiras, que são mulheres não brancas aqui do aglomerado”.

A iniciativa é uma forma de tentar conscientizar a população local, que, segundo Kdu, não é impactada efetivamente pelas informações sobre a importância das medidas de proteção: “Tem muita gente na rua há muito tempo. Desde que o Bolsonaro falou que era só uma gripezinha, a gente sentiu que a comunidade estava na rua o tempo inteiro e o nosso trabalho é de conscientização”.

Aula de funk e batalha de passinho

Como se tudo isso não fosse suficiente, o Favelinha Dance também está fazendo aulas de funk à distância toda semana. Para você que sempre quis aprender a fazer o quadradinho, a hora é agora: as aulas acontecem toda sexta-feira com os dançarinos do aglomerado e custam apenas R$ 10. Quem já contribui financeiramente com algum projeto da Favelinha não paga.

De acordo com Kdu, as aulas foram uma forma de não se deixar abater pelo novo cenário: “Naquele dia 16 de março, quando começou o isolamento, eu perdi mais de R$ 40 mil de contrato cancelado. Aí fiquei uns dois dias de luto, mas logo depois eu falei “gente, vamo pra cima, vamos aproveitar o que der”. Desde então, os dançarinos se dividem para ensinar funk toda semana através de um aplicativo de videoconferência, cada um na sua casa.

E o próximo projeto também já está encaminhado: uma batalha de passinho virtual. A ideia é que a batalha, feita com recursos do Fundo Municipal de Cultura, fosse presencial, mas as circunstâncias exigiram mudanças. “A proposta que a gente mandou é que seja virtual. A gente vai tirar os dois melhores dançarinos de cada regional de BH e fazer uma grande final valendo R$ 5 mil”, explica Kdu.

A batalha de passinho está prevista para se realizar no segundo semestre deste ano e é apenas um dos inúmeros projetos que o fundador do Lá da Favelinha tem para o futuro. É tanta coisa que fica difícil acreditar que uma equipe consegue fazer tudo isso durante uma das maiores crises de saúde que o mundo já viu.

Por esses e outros motivos criados ao longo dos 5 anos do projeto, resta desejar: ao Lá da Favelinha, vida longa e inúmeras outras oportunidades de transformação social e aos demais, que saibamos aprender com o exemplo.

Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

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