BH tem 80% dos leitos de UTI para Covid lotados e negacionistas acham que é fake

Há quem duvide da doença e até da ocupação dos leitos (Amanda Dias/BHAZ)

Os casos de Covid-19 seguem crescendo a cada dia em Belo Horizonte. Como reflexo disto, os leitos destinados aos pacientes para tratar a doença também ficam mais ocupados. Mesmo diante de tal informação há quem negue as informações e até desacredite no “poder” do vírus que já matou mais de 46 mil pessoas em todo o país.

O BHAZ conversou com especialistas para entender o que leva as pessoas a negarem a realidade. Medo de enfrentar o perigo, excesso de informações e até respaldo do presidente são alguns dos fatores que contribuem (veja abaixo).

Antes, vamos conferir a situação dos leitos para Covid-19 nos principais hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde) em Belo Horizonte, até essa quarta-feira (17).

De acordo com o Boletim Epidemiológico da PBH (Prefeitura de Belo Horizonte), a capital tem 246 leitos de UTI para Covid-19. A ocupação deles estava em 82%. O número preocupa, pois mostra o avanço da pandemia na capital. Já os leitos de enfermaria estão com 63% de ocupação, num total de 688.

O Hospital Eduardo de Menezes recebe apenas pacientes com o novo coronavírus. A unidade de saúde, administrada pela Fhemig (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais), tem 81 leitos e 78,7% de ocupação.

O Júlia Kubitschek também recebe casos de Covid-19, porém continua com outros serviços. Por isso, a reportagem foi informada do total de leitos ocupados, sem a especificação dos destinados para o tratamento do coronavírus. A ocupação atual é de 65,5%, dentre os 235 leitos disponíveis.

Sem leitos

A Santa Casa já atingiu 100% de ocupação dos leitos de CTI e UTI para Covid-19. A unidade de saúde informou, ao BHAZ, que possui 40 leitos de terapia intensiva para pacientes no isolamento respiratório e que todos estavam ocupados até essa quarta-feira.

A situação não é diferente quando se fala de leitos de enfermaria. A taxa de ocupação atingiu os 98%, dos 112 disponibilizados para tratar a doença.

O Hospital Risoleta Tolentino Neves tem um número menor de leitos para Covid-19, no entanto a taxa de ocupação no CTI está em 91%. A unidade tem 11 leitos e 10 estavam com pacientes internados.

A enfermaria tem um pouco mais de leitos, 24, e 16 eram ocupados. O número representa 67% do total.

‘Sensacionalismo’

O BHAZ trouxe nesta semana matérias abordando a ocupação dos leitos nos hospitais da rede SUS em Belo Horizonte. Nos comentários das publicações alguns leitores questionaram os dados apresentados. Para eles era uma tentativa de “implantar o terror”.

“Eu não acredito”, “O vírus existe sim, a contaminação também, mas vejo muito terrorismo e sensacionalismo quando se trata de números”, “Estão fazendo terror”, escreveram alguns.

Negar a realidade, principalmente em tempos de pandemia, não é algo novo na humanidade. No surto da gripe espanhola havia pessoas que questionavam a letalidade do vírus e se opunham ao isolamento social, necessário para conter o avanço da doença.

Por que negar?

A pandemia do novo coronavírus mudou a vida de todos. Velhos hábitos precisaram ser deixados de lado e uma “nova realidade” começou a existir. Apesar das recomendações médicas para evitar aglomerações e utilizar máscaras, ainda é possível encontrar pessoas desrespeitando as normas sanitárias.

Há ainda aqueles que negam a doença, ou até mesmo a ocupação de leitos, como mostrado. A psicóloga Lilian Amaral explica, ao BHAZ, o motivo disto acontecer. “É mais fácil negar o perigo do que enfrentá-lo”, pontua.

E para negar o perigo, muitos recorrem ao “pensamento mágico do adolescente”, conforme elucida.

“É como se a pessoas estivessem fora de um grupo vulnerável à doença. O típico pensamento mágico de adolescente: ‘Comigo não vai acontecer’. Estamos enfrentando uma doença que pouco se sabe sobre ela. Mesmo assim, há quem pense que por ser mais jovem ou ter um plano de saúde está imune”.

‘Fenômeno cíclico’

Negar algo que existe pode custar caro, até mesmo a vida. Para o infectologista Leandro Curi, que trata diretamente sobre a Covid-19, o tempo vai dizer quem está certo.

“O que percebemos nos dias de hoje aconteceu na época da gripe espanhola. Muitos não concordavam com o fechamento dos comércios e o isolamento. É uma repetição de comportamento com critérios próprios – religioso, político, menos científico. Quem está certo ou errado, é a história que vai julgar”, diz.

Mesmo estando em pleno século XXI existem pessoas duvidando do conhecimento científico, conforme sinaliza o especialista. “É interessante observar que o negacionismo é um fenômeno cíclico. A pandemia está trazendo a tona o número de preconceitos e achismos não científicos. No futuro vamos discutir a ignorância social que a Covid-19 nos mostrou”, crava o médico.

sem mascara
Ainda é possível encontrar uma parcela considerável da população sem máscara nas ruas (Amanda Dias/BHAZ)

Fator Bolsonaro

“Gripezinha”, “Não estou acreditando nesses números”, “Histeria”. Estas foram algumas das declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ao comentar sobre o novo coronavírus.

O negacionismo da doença vindo do presidente do país reflete no modo de pensar das pessoas, segundo o sociólogo e membro do Observatório Social da Covid-19 da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Jorge Alexandre Neves.

O professor da UFMG explica que as pessoas têm uma “enorme dificuldade de acreditar naquilo que vai contra o que elas desejam que acontecessem”, como os impactos do novo coronavírus. Para suprir a falsa sensação da realidade, elas recorrem às notícias falsas.

“A Covid-19 trouxe muitas dificuldades econômicas e uma série de fake news, dentre elas que é uma ‘gripezinha’, um falso problema, dentre outros. As pessoas acabam acreditando e negando a realidade, pois estão desesperadas com a situação em que se encontram”.

Neves explica que o negacionismo é um “fenômeno natural” e que no Brasil a situação tem um agravamento ainda maior.

“O presidente da República é um gerador e disseminador de fake news. Além de termos a tendência das pessoas em acreditarem no que é falso, você tem a maior autoridade do país reproduzindo tudo isso. Juntou a fome com a vontade de comer. A pessoa fica mais convicta de que o negacionismo não é um erro”, explica.

Pós-verdade

A psicanalista Maria Medeiros analisa a negação da realidade como o reflexo de uma sociedade tomada de informações, onde a pessoa escolhe a “versão” que mais lhe agrada. Isto é chamado de “pós-verdade”.

“Com a internet você pode acessar um número sem fim de conhecimento, dados e informações. Este excesso, às vezes, deixa as pessoas confusas. Diante de tanta informação, o sujeito para de acreditar nos fatos. A Covid em BH provoca lotação de leitos, mas tem gente que não acredita”, diz.

O comportamento citado pela psicanalista enquadra no conceito de pós-verdade. “Podemos considerar isto como o fruto da pós-verdade, ou seja, o sujeito escolhe, a seu gosto, o que quer acreditar. Tem gente que acha a Covid uma ‘gripezinha’ e temos o presidente que avaliza esta escolha”, conclui.

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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