20 meses de martírio: Lama da Vale ainda esconde 11 joias em Brumadinho e assombra mineiros

autores reportagem especial brumadinho

Meio-dia e vinte e oito minutos do dia 25 de janeiro de 2019.

A central do Corpo de Bombeiros começa a receber ligações de Brumadinho, cidade da Grande BH conhecida, até então, por abrigar Inhotim. Pessoas gritando, chorando, pedindo por socorro… Havia se rompido a barragem B1, da mina Córrego do Feijão, e 270 pessoas foram fatalmente soterradas. Mais de 14,6 mil horas – ou 20 meses, completados hoje (25) – depois, 11 desses soterrados continuam desaparecidos. E as famílias não têm nem mesmo uma luz de quando pode acabar o martírio de não poder enterrar o parente.

Angelita Cristiane Freitas de Assis, Cristiane Antunes Campos, Juliana Creizimar de Resende Silva, Lecilda de Olveira, Luis Felipe Alves, Maria de Lurdes da Costa Bueno, Nathália de Oliveira Porto, Olímpio Gomes Pinto, Renato Eustáquio de Sousa, Tiago Tadeu Mendes da Silva e Uberlândio Antônio da Silva. Muito mais do que números, essas são as 11 joias – como os próprios familiares e os bombeiros as chamam, em ironia a uma desastrosa declaração da presidência da Vale – ainda perdidas no mar de lama da mineradora, cujas histórias serão esmiuçadas nesta reportagem especial.

A gigante da mineração, inclusive, já sabia sobre o risco da tragédia – e, justamente por essa negligência atestada pelos investigadores, não pode ser chamada de tragédia, mas de crime. Além de centenas de mortes e um rastro de destruição, o mar de lama protagonizou perdas a nada menos do que oito a cada dez moradores de Brumadinho. A Defesa Civil mineira estima que 34 mil dos 40,6 mil habitantes da cidade sofreram, de alguma forma, as consequências do rompimento da estrutura da Vale.

O mar de lama assombra as famílias e também todo um estado. “Do jeito que estamos, uma nova tragédia vai acontecer, só não sabemos quando. Temos uma bomba relógio nas mãos que pode trazer dor de cabeça no futuro”, resume o especialista em barragens e fundador do centro de pesquisas hidráulicas da UFMG, Carlos Barreira Martinez. Estudiosos sobre o tema são unânimes: Mariana e Brumadinho não são coincidência e escancararam a situação caótica das barragens em Minas – e a perspectiva não é nada animadora.

Com o rompimento apenas de Brumadinho, 28 municípios mineiros foram atingidos direta e indiretamente, segundo levantamento do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, criado pelo Governo de Minas. E, enquanto você lê esta reportagem, quatro barragens podem se romper – estão com risco de rompimento iminente. Outras 41 estruturas possuem “alguma anomalia ou qualquer outra situação com potencial comprometimento de segurança”.

11 joias brumadinho - natalia

A jovem Nathália de Oliveira Porto, de 25 anos, era estagiária técnica em mineração. Segundo o pai, Luciano Oliveira Porto, o sonho da filha era trabalhar na Vale. “E ela estava conseguindo, estava tão feliz. A última vez que encontrei com ela foi durante as festas de fim de ano, em 2018. Depois ela já teve que ir para Brumadinho trabalhar”, lembra.

O pai é só elogios à filha. “Só guardo boas recordações. Uma menina muito obediente, nunca me deu trabalho. Ela sempre ia para tudo com determinação, com foco no que fazia. Tenho muito orgulho dela, foi uma boa filha. Tudo que ela colocava a mão, era com afinco mesmo”, recorda.

Nathália de Oliveira vítima brumadinho
Nathália de Oliveira Porto era estagiária na Vale (Reprodução/Facebook)

Luciano conta que o suporte após a tragédia, a Vale deu. A família recebeu uma indenização logo nos primeiros momentos. Contudo, a tristeza de não poder enterrar a filha ainda segue. “A minha vida é um pesadelo ainda. Tanto tempo e ela não foi encontrada, parece que não acordei ainda. Hoje, a minha maior vontade é que ela seja encontrada. Isso tem que acabar, preciso que acabe. Ainda tenho esperança, mantenho minha fé”, completa.

Nathália deixou dois filhos, de 4 e 5 anos, além do marido.

choque intertítulo especial Brumadinho

O Corpo de Bombeiros, desde o primeiro momento, assumiu um papel fundamental em Brumadinho. Os militares foram os primeiros a chegar no local. E, o que se viu por lá, foram cenas assustadores. A soldado Ana Flávia Batista estava de folga no dia, mas não titubeou ao decidir que participaria da operação. “Tinha acabado de sair da academia. O tenente enviou uma mensagem no nosso grupo de serviço falando do rompimento da barragem, e perguntando dos voluntários que poderiam se apresentar no batalhão. Eu fui até lá, me apresentei e, quando cheguei ao batalhão, eles já estavam organizando alguns grupos para sair”.

A soldado conta que os militares ainda não tinham a dimensão da tragédia, e que se impressionaram com o cenário devastador. “Sabíamos que tinha sido um desastre muito grande, mas não sabíamos o número de vítimas. Já fomos direto para a área onde tinha acontecido tudo. Só vi lama. Não tinha mais nada, não existiam árvores, nem como identificar onde eu estava. Era realmente só lama. Tinha pessoas bem agitadas, gritando, pedindo para que socorresse os conhecidos, familiares. Só que já tinha outra guarnição de serviço trabalhando lá. Então não poderia lançar todos os militares em campo, até mesmo porque as condições eram perigosas”, lembra.

A soldado Ana Flávia Batista estava de folga e foi como voluntária para Brumadinho (Amanda Dias/BHAZ)

Enquanto bombeiros e equipes de resgate se deslocavam por terra, o tenente-coronel Flávio Godinho, porta-voz da Defesa Civil de Minas Gerais, órgão que ficou responsável por organizar toda a operação, se deslocava de Montes Claros, no Norte mineiro, para Brumadinho.

Sem informações concretas, ele aponta que um dos principais desafios no início das buscas foi entender de fato o que havia ocorrido e o número de vítimas. “Quando ainda estava na aeronave deslocando para Brumadinho, eu recebi a informação de que poderíamos ter mil pessoas soterradas. Eram moradores, funcionários, terceirizados e muita gente trabalhando na mina. Então, esse foi o nosso ponto inicial”, explica.

lecilda 11 joias brumadinho

Moradora de Brumadinho, a professora Natália de Oliveira estava em casa, de férias, assistindo a uma série, no momento da tragédia. “Estava comemorando, era a última sexta-feira antes de retomar as aulas. Começaram a chegar mensagens [sobre o rompimento] no meu grupo de WhatsApp. A primeira coisa que eu fiz foi encaminhar as mensagens para a minha irmã, já que, quando rompeu em Mariana, quem deu a notícia fui eu. Só que ela não estava recebendo nada”, conta.

Natália ainda não sabia, mas sua irmã, Lecilda de Olveira, com 49 anos à época, era uma das vítimas. “Fiquei sabendo por partes. Primeiro sabia que tinha rompido uma barragem, depois fiquei sabendo que era a da Vale. Quando descobri que era a do Córrego do Feijão, já comecei a ligar para a minha irmã desesperada. Mandei mais mensagens no WhatsApp, mas vi que ela nem tinha recebido as outras ainda. Decidi descer para o Centro da cidade, que já parecia um cenário de guerra. As pessoas falando que a barragem tinha rompido, que acabaria com o Centro de Brumadinho. Foi ali que o pesadelo começou, com a falta de notícias”, recorda a professora.

As primeiras listas, de desaparecidos e mortos, trouxeram mais agonia para as famílias. “A gente ficou achando que seriam encontrados com vida. Nós demoramos a acreditar que todas as pessoas tinham morrido, mesmo com as imagens na televisão, os familiares sempre acreditaram. Estávamos com muito esperança, aguardávamos um milagre”.

Lecilda trabalhava na Vale há quase 30 anos (Arquivo pessoal/Natália de Oliveira)

No momento da entrevista concedida ao BHAZ, por telefone, Natália estava na área onde a destruição aconteceu. “Enquanto eu estou falando com você, estou olhando para todo esse rejeito. É enorme a área, minha irmã pode estar em qualquer lugar. A gente ainda tem esperança que todos vão ser encontrados”.

Segundo a irmã, Lecilda amava a Vale, já tinha quase 30 anos de empresa. “Se sentia em casa. Ela dizia que lá estavam a maioria dos seus amigos, que eram sua segunda família. Ela fez carreira na Vale, entrou muito nova. O sentimento que temos é que ela foi traída. Ela confiava na empresa, que não merecia essa confiança toda”.

Lecilda deixou dois filhos, de 22 e 27 anos. “Veio de família humilde, e o emprego na Vale deu condições dela estudar e ajudar a família. Estava sempre sorrindo, uma pessoa de muita luz. Era uma pessoa tão sem tempo, mas que sempre arranjava um momento para ajudar todo mundo que precisasse. Uma mulher muito altruísta, vivia sempre em função do próximo. Ela é do dia 27 de fevereiro, tinha 49 anos. Ela fez 50 anos debaixo da lama, e 51 também”.

Bombeiros procuram desaparecidos em meio à lama (Amanda Dias/BHAZ)

“A gente quer que todos sejam encontrados logo, que possam ser sepultados. O lema dos bombeiros, que sempre falam que ‘desistir não é opção’, virou também das famílias. Nunca vamos desistir de encontrá-los, eles estão aqui. A Vale tem que aprender, e que isso nunca mais se repita. Que essa dor, que eu sinto todos os dias, nenhuma outra família precise sentir”, completa.

Desastre no refeitório intertítulo especial Brumadinho

Sargento do Corpo de Bombeiros, Leandro Melgaço foi um dos primeiros militares a reforçar as buscas após o rompimento – e ficou impressionado com a força da lama. “Eu trabalho no pelotão Barreiro, que é o mais próximo de Brumadinho. De imediato, nos deslocamos para o local. Chegando lá, vimos aquela situação de calamidade. Eu me lembro que um funcionário me disse para olhar para um ponto onde a lama estava passando”.

Foi nesse momento que Leandro entendeu o que estava ocorrendo. “Quando eu olhei, ele falou assim: ‘Está vendo aquele mar de lama ali? Ali era um refeitório, e deve ter umas 200 pessoas soterradas’. Foi aí que eu comecei a ter um pouco de noção do que estava acontecendo, da dimensão da situação. Perguntei se ele tinha ideia de qual era a altura daquele local onde estava passando a lama, e ele disse que seria de 10 a 15 metros. Aí vem aquela primeira sensação de impotência. Acionamos apoio, foram deslocados militares de toda a região metropolitana”, lembra.

Lama quase levou lares em Brumadinho (Amanda Dias/BHAZ)

Assim que soube do rompimento da barragem, a Polícia Militar começou com o monitoramento e ajuda no socorro das vítimas. “Utilizamos nossos helicópteros, além das informações de policiais, já que estamos presentes em todos os municípios mineiros, e lá em Brumadinho não é diferente. Muitos dos nossos policiais, imediatamente, começaram a prestar socorro, principalmente os que trabalham por lá”, explica o major Flávio Santiago, porta-voz da Polícia Militar de Minas Gerais.

“A Polícia Militar teve um trabalho importantíssimo, no sentido de fazer com que toda a área fosse cercada, além do apoio ao Corpo de Bombeiros com as nossas aeronaves, para procurar possíveis sobreviventes. O apoio também foi para que ninguém adentrasse na área que chamamos de zona quente, e assim permanecemos por mais de 30 dias com um efetivo maximizado, de mais de mil policiais militares. Foi uma ação sem precedentes, mas acredito que conseguimos minimizar muito os danos e o sofrimento das famílias”, completa.

olimpio 11 joias brumadinho

Olímpio Gomes Pinto tinha 56 anos e era auxiliar de sondagem. A esposa, Geralda Gomes, ainda tem fresca a memória da despedida. “É algo que não passa, essa ansiedade. Ele estava trabalhando para outra empresa, estava colocando uma estrutura. Ele esteve lá em casa no domingo para levar um cartão de plano de saúde para o filho mais novo. Ainda perguntei para ele o que ele estava fazendo, porque ficava no Jardim Canadá, em Nova Lima, no alojamento. Ele disse que só tinha ido levar um cartão mesmo, foi embora no domingo mesmo”.

Olímpio Gomes Pinto morreu aos 56 anos (Reprodução/Redes sociais)

“Ele era uma pessoa muito divertida, gostava de viver a vida. Muito alegre. Fomos casados por 32 anos. A nossa vida mudou toda, completamente. Uma coisa que ninguém nunca pensava que pudesse passar. A gente está nessa espera, essa tragédia não deixa a gente tocar a vida. Não vemos a hora de fechar esse ciclo. Peço a Deus todos os dias. Ele merece um enterro digno. Fico só pensando que morreu na hora refeição, muitos morreram de barriga vazia. É tudo muito triste”, lamenta.

Buscas incessantes intertítulo especial Brumadinho

O capitão Paulo Enock, do Corpo de Bombeiros, trabalha como militar há 26 anos, e também participou da operação após o rompimento em Mariana, em 2015. Ele explica que, de forma prática, a operação Brumadinho, é dividida em três etapas. “A primeira foi a de pronta-resposta, em que os corpos estavam à vista, não se demandava uma busca mais aprofundada. Já na segunda etapa, os corpos já estavam soterrados com alguma profundidade. Nesse caso, foram utilizados os cães e começamos a estudar a dinâmica da lama. Fomos entender como ela desceu, quais seriam os melhores que, em tese, a gente poderia encontrar esses segmentos ou corpos”, inicia.

Enock diz que a terceira etapa começou quando os bombeiros chegaram em um ponto no qual passaram a encontrar poucos segmentos. “Com o estudo de todos os corpos, de todos os segmentos e objetos encontrados, foi identificado que tudo estava sendo localizado com profundidade de até três metros. Com isso, reiniciamos os trabalhos em alguns pontos que a gente havia passado, que não havíamos olhado. A estratégia foi de tentar fazer toda a área, do caminho da lama, para retirar uma quantidade de três metros. Atualmente, estamos quase concluindo a varredura da área com essa profundidade”.

“A operação dos bombeiros hoje é um sucesso para ser estudado em nível mundial. Nós temos 92% dos corpos resgatados em um local com 10 quilômetros de extensão de lama, atingindo em alguns pontos 14 ou 15 metros de profundidade. Isso é muito gigante. E qual o motivo desse sucesso? Foram utilizados métodos matemáticos e inteligência na operação. Qualquer coisa encontrada no local era mapeado, fotografado e feita uma referência geográfica”

Tenente-coronel da Defesa Civil de Minas Gerais, Flávio Godinho.

O capitão frisa que, atualmente, a lama está muito dura. “Principalmente quando o sol bate. Ela é rica em minério, o que fortalece ainda mais a sua consistência. Máquinas têm sido utilizadas para auxiliar nas buscas. Os bombeiros ficam sempre próximos e, quando se verifica alguma coisa, os equipamentos param de imediato, e os militares fazem uma escavação um pouco mais fina. Os operadores das retroescavadeiras foram orientados a peneirar essa lama. Isso é importante para que a lama caia o mais granulada possível, para que seja feita a busca visual e sempre com o auxílio de cães”, explica.

Primeiros militares a chegarem em Brumadinho após o rompimento (Amanda Dias/BHAZ)
luis felipe 11 joias brumadinho

Luis Felipe Alves era engenheiro de segurança do trabalho e tinha 30 anos na época do rompimento. Trabalhava há três meses na Vale, e estava há 15 dias na mina Córrego do Feijão. Ele era natural de Jundiaí (SP).

Luis Felipe Alves ganhou diversas homenagens da família a amigos (Reprodução/Facebook)

Conhecido pelos amigos como Pivet, era amante do futebol, torcedor do Paulista Futebol Clube, da Série A-3. Ganhou uma bandeira com seu rosto, homenagens e a mãe criou um projeto social com o nome do filho.

Pandemia suspensão forçada intertítulo especial Brumadinho

Desde aquele início de tarde lamentável, no dia 25 de janeiro de 2019, os bombeiros não pararam de trabalhar nas buscas um segundo sequer por 421 dias consecutivos… Até que chegou a pandemia e a operação foi suspensa no dia 21 de março. Cinco meses depois, os militares voltaram para tentar proporcionar um adeus digno às 11 joias de Brumadinho – com equipes reduzidas e seguindo protocolos de segurança para evitar o contágio dos militares.

A pandemia pegou todos de surpresa – e isso também inclui os bombeiros. “A primeira dificuldade é a proximidade que a gente precisa de ter. O bombeiro não trabalha sozinho. Por menor que seja uma guarnição, a gente precisa estar sempre juntos. No início, a gente não sabia lidar com essa situação. E, por segurança, houve a paralisação, por conta mesmo do alto número de pessoas infectadas”, lembra o segundo sargento Leandro Melgaço.

“Agora já sabemos mais ou menos como lidar. Respeitamos todos os protocolos de segurança, como o uso de máscara, álcool em gel e também aquele distanciamento mínimo. Isso nos proporciona continuar os trabalhos com as medidas de segurança adotadas para que a gente alcance o nosso objetivo: encontrar essas últimas 11 joias”, completa.

Trator auxilia nas buscas das vítimas que seguem desaparecidas (Amanda Dias/BHAZ)

E, mesmo com os mais de 450 dias trabalhados, está descartada qualquer possibilidade de prazo para que a operação seja finalizada sem a meta alcançada. “Seguimos trabalhando e o nosso objetivo é encontrar todos os corpos. Se vai ser isso que vai ser feito ou não, aí já é algo que carece de mais tempo para ser analisado. Das equipes que estão em campo, o pensamento é um só: ir atrás de todos, não deixar ninguém para trás”, garante Enock.

cristaine 11 joias brumadinho

Cristiane Antunes Campos tinha 34 anos, sendo 10 dedicados à Vale. Ela entrou como motorista de caminhão. Dentro da empresa fez um curso técnico em mineração. Em 2018, passou a ser supervisora de mina – conquista que desejava muito, conforme a família externou.

Cristiane Antunes Campos trabalhava na Vale há 10 anos (Arquivo pessoal/John Leno)

Cristiane era uma pessoa batalhadora, guerreira. Uma mãe impecável, que zelava pela segurança, integridade e qualidade de vida dos filhos, ela deixa duas crianças.

Há reparação intertítulo especial Brumadinho

A promotora Ana Tereza Giacomini, uma das responsáveis pelo rompimento em Brumadinho, iniciou os trabalhos logo após a ruptura. Segundo a profissional, o MPMG (Ministério Público do Estado de Minas Gerais) trabalha com a certeza de que crimes – no plural mesmo – foram cometidos pela Vale. “Logo em seguida ao rompimento da barragem, o MPMG entrou, no mesmo dia, com uma ação cautelar pedindo bloqueio de valores da Vale. No primeiro dia tivemos uma ação socioambiental e, no dia seguinte, uma em relação aos danos das pessoas. De início, já tivemos autorizado pela Justiça o bloqueio de R$ 5 bilhões para cada ação. Além disso, todas as atividade da Vale na cidade foram interrompidas”.

“Foi oferecida uma ação penal, que já está em curso, que havia ali de fato indícios de crime. Foi algo de grande magnitude, com danos incalculáveis, envolvendo pessoas, animais, casas e plantações engolidas pela lama, além do rio ter sido contaminado. Diante disso, temos uma série de danos que afetaram a população e o meio ambiente. O MP, então, buscou uma reparação integral e atuando nas mais diferentes esferas, em decorrência desse desastre”, explica a promotora.

Um mar de lama foi formado após o rompimento da barragem (Amanda Dias/BHAZ)

Existem várias ações em curso, tanto no âmbito cível quanto penal. “Temos ações civis públicas, na comarca de Belo Horizonte, que buscam reparações por danos socioambientais e socioeconômicos. Também temos ações da lei de corrupção, que foram impostas contra a alemã TÜV SÜD e a Vale. Além disso, há uma ação que é muito demandada, extrajudicialmente, em razão desses danos que vêm ocorrendo, e muitas vezes danos em ondas. Temos danos de todas as ordens, podendo ser morais ou materiais. O MPMG está com uma ação coletiva, em uma tentativa de minimizar todo o caos que foi gerado”.

Além disso, a promotora explica que existe uma fiscalização de medidas públicas a serem implantadas no município. “É necessário para avaliar e cuidar, por exemplo, da saúde mental dessas pessoas, para que se tenha um atendimento correto da população. Temos uma escola em que crianças tiveram perdas de inúmeros familiares e amigos. Existe toda uma necessidade de atuar nessa rede, em razão do psicológico que ficou extremamente abalado. Mesmo após 20 meses do desastre, tudo isso ainda é muito evidenciado na comarca de Brumadinho. A população gira em torno dessa tragédia, ainda hoje”.

familias devastadas especial brumadinho

Filhos que se tornaram órfãos por causa do desastre anunciado. Ou mesmo uma família inteira devastada pela lama. Este foi o caso de Maria de Lurdes da Costa Bueno, que tinha 59 anos, e é uma das 11 joias. Administradora, ela passeava com a família pela região e estava hospedada na Pousada Nova Estância, que foi levada pelos destroços da Vale. Morreram o marido dela, Adriano, além dois filhos dele – Camila e Luiz -, e a noiva de Luiz, Fernanda, que estava grávida de cinco meses de Lorenzo.

Juliana Renato Maria de Lurdes Brumadinho
Juliana Creizimar de Resende Silva, Renato Eustáquio de Sousa e Maria de Lurdes da Costa Bueno (Reprodução/Redes sociais)

Já outras duas joias – Juliana Creizimar de Resende Silva, 33, e Renato Eustáquio de Sousa, 31 – deixaram dois filhos, cada. Juliana trabalhava há 10 anos na Vale, em um armazém, em Brumadinho. O marido, Dennis Augusto da Silva, também morreu no rompimento – e já pôde ser sepultado. O casal deixou dois filhos pequenos, gêmeos de 10 meses. Já Renato era mecânico da mineradora e deixou duas filhas, a companheira, os pais e dois irmãos mais novos.

Pilhas de processos especial brumadinho

Também responsável pelo caso, o promotor William Garcia Pinto Coelho explica que foi proposta uma ação penal contra 18 réus. “Sendo duas pessoas jurídicas, a Vale e a TÜV SÜD, que respondem por diversos crimes ambientais. Os outros 16 denunciados são pessoas físicas, que respondem pelos mesmos crimes ambientais e por homicídio doloso duplamente qualificado. Durante o curso da investigação, 13 pessoas foram presas por prisões temporárias, que foram mantidas pelo TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), e revogadas no STJ (Supremo Tribunal de Justiça)”.

O promotor conta que o processo é muito volumoso. “O TJMG foi muito sensível e atuante, através da Corregedoria Geral de Justiça, criando um ambiente virtual específico para esse processo criminal. Se ele permanecesse no meio físico, teria até mesmo uma demora muito grande para consulta dos réus e advogados do processo. São mais de 100 volumes e 15 terabytes de informação”, continua o promotor.

Atualmente, o processo está em fase de citação de pessoas. “Diversos réus já foram citados para apresentar suas defesas. Alguns ainda são procurados, ainda não recebemos o retorno de todas as cartas precatórias. Já foi realizada a tradução de documentos para o alemão, para fazer a citação por carta rogatória na Alemanha, para um dos réus que é do país. O que temos feito de diferente é um acompanhamento muito próximo de tudo do processo, com colaboração de outros estados. Outro ponto é uma maior aproximação dos familiares das vítimas e dos sobreviventes”.

O cenário após o rompimento foi de catástrofe (Amanda Dias/BHAZ)

Ainda segundo o promotor, o objetivo do MPMG é na ressignificação da vítima no processo penal. “Nós temos mantido reuniões frequentes com essas pessoas para prestar contas do nosso trabalho. Dar informações sobre o andamento da ação penal, de que forma ocorre a responsabilização da Vale e dos demais denunciados. E, com isso, engajá-los em uma cultura mais colaborativa, para a produção de provas no processo penal”.

O profissional explica que, por enquanto, é impossível estabelecer um prazo para o fim do processo. “O que posso falar é que, o que aconteceu até agora, está em um prazo adequado. Tem cerca de seis meses que foi proposta essa ação penal e, nesse período, o andamento está dentro do esperado, até acima das nossas expectativas. Estamos trabalhando para que seja o mais breve possível, com a maior eficiência que conseguirmos”.

O pedido de multa do Ministério Público para a Vale, segundo o promotor, é de R$ 30 bilhões, que foi deferido liminarmente. “Existe um recurso no tribunal para tentar suspender a execução. Até o momento, está mantido em primeira instância, mas existe um debate no tribunal para entender o que será feito. Isso é muito importante para reequilibrar essa análise econômica do agente, por motivo racional, de custo-benefício para continuar ou não praticando ilícitos”. William Garcia ainda completa ao dizer que, em uma perspectiva macro, essa ação deve servir como “estímulo para que a Vale passe a agir com mais integridade”.

terceirizados velho de casa 11 joias

O rompimento atingiu de terceirizados a quem trabalhava há uma década na Vale. Tiago Tadeu Mendes da Silva, que tinha 34 anos, entrou na mineradora como lubrificador. Já somava dez anos de casa e tinha acabado de concluir em 2018 o curso de engenharia mecânica. Estava ansioso para a colação de grau, prevista para março de 2019, quando a vida foi interrompida pela lama.

Tiago Angelita Uberlândio Brumadinho
Tiago Tadeu Mendes da Silva, Angelita Cristiane Freitas de Assis e Uberlândio Antônio da Silva (Reprodução/Redes sociais)

Uberlândio Antônio da Silva, 54, e Angelita Cristiane Freitas de Assis, 38, não tinham um vínculo direto com a Vale – trabalhavam em empresas terceirizadas. Angelita era enfermeira que prestava serviço para a mineradora e estava no refeitório quando a barragem em Brumadinho se rompeu.

Defesa contra violações especial brumadinho

Para contrapor um batalhão de profissionais escalados pela Vale para negociar reparações, o MPMG decidiu criar assessorias técnicas à disposição dos atingidos. A AEDAS (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social) foi a selecionada em Brumadinho. Ísis Menezes Táboa é da coordenação geral do projeto e conta que a trabalho começou, de fato, há seis meses. Em abril deste ano, houve a liberação de um recurso inicial, referente aos seis primeiros meses.

“São 99 profissionais contratados na área da saúde, psicólogos, advogados, engenheiros agrônomos. São formações variadas para que tenhamos capacidade para dialogar. A proposta é prestar assessoria técnica a partir de três princípios. A centralidade do sofrimento da vítima, que trabalha com o papel dos atingidos no processo reparatório. Centrar a lógica da reparação a partir do protagonismo das pessoas que tiveram seus direitos humanos violados. E, por fim, temos a dignidade da pessoa humana e o princípio da efetivação da participação informada”, começa a coordenadora.

População recebeu doações de alimentos e roupas de todo o país (Amanda Dias/BHAZ)

Ísis explica que a assessoria é necessária para assuntos que exigem uma capacitação técnica, como profissionais que avaliem a qualidade do ar, água e problemas de saúde mental da população. A AEDAS já cadastrou mais de 700 famílias em 74 comunidades de Brumadinho, o que serve como base para uma das funções mais importantes: a distribuição do pagamento do auxílio emergencial, que se encerra no próximo mês.

“Toda a cidade de Brumadinho e quem está a até 1 quilômetro do rio Paraopeba recebem. Mas aí algumas pessoas que viviam da pesca, mas que não moram nesse perímetro, não recebem. Existe a necessidade de revisão. O valor é de um salário mínimo para adultos e meio para crianças e adolescentes. Já estamos trabalhando no pedido para que os critérios sejam mudados e auxílio continue, sem terminar em outubro, como era a previsão inicial”, explica.

Aeronaves auxiliaram nas buscas (Amanda Dias/BHAZ)

As consequências do rompimento estão nas diferentes esferas da vida da população atingida. “As crianças que não têm mais o lazer, os que viviam dos derivados do rio, além de um trauma coletivo muito grande. A saúde física da população também foi comprometida, com problemas com água, ar, além das milhares de pessoas que precisaram deixar suas casas”.

Além do trabalho da assessoria, a SES-MG (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais) realizou – como ação emergencial logo após o rompimento – ações de acolhimento e atendimento psicossocial às vítimas atingidas direta ou indiretamente. Também atuou, em conjunto com a Coordenação Municipal de Saúde Mental de Brumadinho, na sensibilização e capacitação de psicólogos voluntários e de profissionais de Saúde da região, que receberam orientações com enfoque também em toxicologia e violência interpessoal e autoprovocada.

Nunca mais especial brumadinho

Um mês após o rompimento em Brumadinho, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), sancionou a Lei Mar de Lama Nunca Mais. Entre as principais mudanças, o texto proibiu reservatórios construídos a montante – método considerado mais inseguro (leia mais sobre os métodos abaixo) – no estado e trouxe a obrigatoriedade de que essas estruturas já existentes sejam desmontadas. À época, o governador celebrou a medida célere e afirmou que tratava-se de um “ponto final a essas tragédias, como Mariana e Brumadinho”.

Entretanto, segundo a ambientalista, Maria Teresa Corujo, a lei não trouxe efetividade. “Essa lei aconteceu na raça, porque brigamos e lutamos por ela. Mas, agora, parece que nada aconteceu. Estão sendo licenciadas novas situações de tragédia. As empresas continuam tentando que a lei não seja eficaz e têm mais promiscuidade e facilitação agora e muito menos cuidado”, afirma.

Bombeiro em meio à lama de Brumadinho após rompimento (Amanda Dias/BHAZ)

Apesar de sancionada e válida em todo o estado, a lei segue sem regulamentação em artigos que estipulam, por exemplo, a obrigatoriedade de cauções para projetos com barragens, diretrizes do Plano de Ação de Emergência e penalidades e multas para o caso de descumprimentos da lei.

O Governo de Minas alega que criou um grupo para regulamentar os artigos, no entanto os trabalhos foram paralisados pela pandemia. “O governo editou decreto constituindo grupos temáticos para analisar artigos não regulamentados. Os trabalhos ainda não foram concluídos devido à pandemia do coronavírus, que mobilizou esforços de todas as áreas do governo estadual no combate à disseminação da Covid-19”, diz o Estado.

Para Maria Teresa, a administração estadual se mostra omissa diante da situação. “Se fosse só a omissão, não estaríamos tão pior como estamos. O problema é que os governos, a nível estadual e federal, são favoráveis, aliados da mineração”, acusa.

Ela avisou especial brumadinho

“Quando eu recebi a notícia do rompimento, eu não parava de chorar. A sensação que eu tinha era de que, se tivesse nos escutado, aquelas pessoas não estariam ali soterradas. Conforme foi passando o tempo, com as investigações, descobriram que a Vale sabia do risco. E, mesmo assim, se preocuparam em garantir licenças de operação. Não tiveram a menor decência com as pessoas. Sempre vou me emocionar. Tenho certeza absoluta que se tivessem nos escutado…”

Maria Teresa Corujo, ambientalista.

Maria faz parte do movimento pelas serras e águas de Minas e é ex-integrante do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental). Em dezembro de 2018, ela foi a única representante a votar contra a expansão das atividades da Vale nas minas do Córrego do Feijão. Na oportunidade, a estudiosa alertou para o risco que isso traria para a região, mas o placar foi de 8 a 1 para a Vale. No mês seguinte, a barragem rompeu.

'Falta efetividade' especial brumadinho

Em relação à Lei Mar de Lama Nunca Mais, o especialista em barragens e fundador do centro de pesquisas hidráulicas da UFMG, Carlos Barreira Martinez, concorda com Maria Teresa. Ele alega que a lei traz avanços, mas nenhuma efetividade. “Houve mudança de lei? Sim. Estamos mais seguros com isso? Não. Ainda não vi efetividade nenhuma. A Justiça é falha. Houve o rompimento, morreram 270 pessoas e, lamentavelmente, nada aconteceu. Prenderam meia dúzia de engenheiros em um circo danado, só isso. Cadê o aumento da fiscalização? Cadê o resultado dessas fiscalizações?”, questiona.

Procurada, a Semad-MG (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Minas Gerais) informou que, após o rompimento da barragem, foram realizadas 586 fiscalizações em barragens, sendo 212 ações em 2019 e 374, até o momento, em 2020.

Avalanche de lama destruiu árvores e tudo o que havia pela frente (Amanda Dias/BHAZ)

De acordo com a secretaria, as fiscalizações ocorrem no âmbito do Programa de Gestão de Barragens da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente), que visa acompanhar a execução, por parte do empreendedor, das medidas elencadas nas DCE’s (Declarações de Condição de Estabilidade) das estruturas. Na última década – entre os anos de 2011 e 2020 -, o número de fiscalizações subiu em Minas. Em 2011, a média era de 4,6 fiscalizações por mês. Em 2020, até o momento, a média já alcança a marca de 41,5 ações mensais – um aumento de 802%.

A Semad-MG explica que os números refletem somente a atuação da Feam e que a secretaria, no âmbito do licenciamento ambiental, realiza fiscalizações em barragens “que não foram computadas nos números elencados acima”.

No escuro especial brumadinho

Desde o rompimento da barragem em Mariana, em 2015, quando foi iniciada a discussão sobre uma lei em Minas Gerais para estabelecer critérios de segurança dessas estruturas, 2019 foi o ano com menor atividades de fiscalizações, justamente no período que marca o segundo rompimento de barragem no estado.

O presidente da Feam, Renato Brandão, afirma que há uma explicação para a queda. “Em 2019, todas as nossas operações foram voltadas para Brumadinho e as barragens da região. Tanto que, se formos olhar os dados, a maioria das nossa visitas técnicas foram naquela área, o que nos impossibilitou de percorrer todo o estado. Mas isso já é refletido em 2020 com um aumento significativo, se analisarmos até o momento”, alega.

Questionada, a Semad-MG não soube informar quantas multas foram aplicadas nesse período. “Considerando as diversas tipificações de autuação, não é possível realizar esse levantamento para os períodos citados. O sistema de processamento de autos de infração não identifica a atividade envolvida na fiscalização/autuação propriamente dita. O sistema identifica especificamente o código da infração praticada”, argumenta.

Brandão diz que, desde 2011, após a aprovação da política nacional de segurança de barragens, a Feam passou a sistematizar as fiscalizações e dar publicidade aos números. Por isso, os números de visitas técnicas (gráfico acima) não contemplam anos anteriores.

“Estamos com a mentalidade do início do século 20. A responsabilidade disso é das empresa, mas o poder público tem responsabilidade sim. E a população precisa estar ciente se existe risco e se ela está ameaçada.”

Carlos Barreira, fundador do centro de pesquisas hidráulicas da UFMG

O presidente rebate o especialista e afirma que relatórios sobre barragens podem ser encontrados no site da Feam (acesse aqui). Só não consta no site o relatório de 2019, que não foi produzido. “Por conta do rompimento, todos nossos trabalhos foram dedicados a Brumadinho, o que impediu a produção deste material”, justifica.

Além disso, quem quiser consultar informações sobre as estruturas ou a localização delas, pode acessar ao IDE-Sisema (Infraestrutura de Dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), um mapa que mostra diversas informações sobre o meio ambiente em Minas.

Entretanto, Renato Brandão também reconhece que a transparência precisa de melhorias no estado. “Estamos trabalhando para dar essa informação de forma mais sistemática para a sociedade de forma geral. Achamos que, tanto o relatório quanto o sistema, já traria esse nível de transparência. Mas continuamos abertos a receber essas considerações a encontrar uma solução”, finaliza o presidente da Feam.

É possível ver claramente o contraste por onde a lama passou (Amanda Dias/BHAZ)

Atualmente, o corpo de fiscalização da Semad-MG conta com 15 técnicos servidores, que analisam as informações apresentadas nos relatórios de Auditoria Técnica de Segurança de Barragens e vistoriam periodicamente as estruturas.

Em 2019, o número de técnicos era de apenas quatro para fiscalizar mais de 350 barragens em todo o estado, e o número ainda poderia ser reduzido. Após denúncia do BHAZ (relembre aqui), a Semad-MG e a Feam, com o apoio da ALMG (Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais), viabilizaram a contratação de 11 novos técnicos. “Além da equipe que compõe o Núcleo de Gestão de Barragens da Feam, o Sisema conta com o apoio de outros fiscais lotados na Semad”, diz a secretaria.

Risco iminente especial brumadinho

A Lei Mar de Lama Nunca Mais também tornou mais rígido o controle de segurança das barragens, o que provocou um boom no número de estruturas em de risco no estado. Hoje, Minas tem 45 reservatórios em níveis de risco do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Segundo os critérios do órgão de fiscalização, os níveis são definidos assim: 

  • Nível 1 (amarelo) – Quando detectada anomalia ou qualquer outra situação com potencial comprometimento de segurança da estrutura;
  • Nível 2 (laranja) – Quando o resultado das ações adotadas na anomalia referida no inciso I for classificado como “não controlado”.
  • Nível 3 (vermelho) – A ruptura é iminente ou está ocorrendo.

O mapa abaixo mostra quais são essas estruturas e onde elas estão.

Fonte: Centro de Pesquisas Hidráulicas da UFMG (Arte/BHAZ)

Porta-voz da Defesa Civil, o tenente-coronel Flávio Godinho reconhece que houve uma explosão de ocorrências em barragens. “Antigamente, existia um documento chamado PAEBM (Plano de Ação de Emergência para Barragens). Nesse parecer, as empresas tinham apenas que entregar para as prefeituras e para a Defesa Civil quais eram os critérios de segurança e pronto. Podia estar escrito o que quisesse ali que era só entregue”, explica. 

Ele atribui o boom de barragens em risco à aprovação da nova lei sobre o tema em Minas. “Hoje é diferente. Com essa mudança de legislação, esse documento [PAEBM] foi estipulado em três pilares: segurança das pessoas; segurança do meio ambiente; e segurança do patrimônio histórico e cultural. Agora, é obrigatória a aprovação desse documento. Sem isso, as mineradoras não podem ter licença para operar”, explica.

A Semad-MG diz que está ciente de todas as estruturas em risco e as acompanha. “O Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente) elaborou ofícios específicos para cada nível de emergência e começou a abrir processos de acompanhamento específicos para cada barragem, a partir do comunicado da situação de emergência a qualquer um dos órgãos que compõe o sistema, além da realização de reuniões junto aos empreendedores para acompanhamento das medidas que estão sendo tomadas para a reversão da situação de emergência acionada”.

Rio Paraopeba ficou tomado pela lama após o rompimento (Amanda Dias/BHAZ)

O tenente-coronel da Defesa Civil alega ainda que houve uma mudança de percepção de risco da população, que agora entende o perigo de uma barragem. “Isso não existia antes do rompimento. Hoje, todas as pessoas que moram próximas a essas estruturas relembram as imagens de Brumadinho, da força e da velocidade da lama e tudo o que ela causou. Isso causa preocupação. Além disso, as empresas começaram a ser demandadas por questões que estavam em lei e não se fazia”, sustenta.

Segundo Flávio Godinho, 1,2 mil pessoas foram retiradas de casa, em Minas, por conta de barragens que sofreram elevações no nível de risco. Essas pessoas estão alojadas à custo das mineradoras e não têm previsão de quando vão voltar para suas residências. Para que retornem, é preciso que as estruturas saiam dos níveis mais elevados de risco ou sejam descomissionadas, processo que demora de dois a quatro anos para ser concluído.

Bomba relógio intertítulo especial brumadinho

Para Carlos Barreira, esses números mostram que o Estado deixou a situação chegar ao ponto de total insegurança. “Eu entendo que vão haver novos acidentes, claro que vão. Pois o Estado é omisso, o corpo político como um todo é omisso”, afirma. “É possível reverter, desde que Estado aumente a fiscalização. Mas o que vemos é que são extremamente lenientes. Veja o tamanho do passivo ambiental deixado, as pessoas vão sofrer no futuro. Quando o minério se esgotar, as empresas vão abandonar isso e vão embora. O Estado precisa forçar as mineradoras a arcar com isso, se não termos um futuro de muito luto”, acrescenta.

O especialista destaca que é impossível acabar com a mineração, uma das maiores geradoras de riquezas e empregos no estado, mas a atividade precisa ser feita com responsabilidade. “Do jeito que estamos, uma nova tragédia vai acontecer, só não sabemos quando. Temos uma bomba relógio nas mãos que podem trazer dor de cabeça no futuro. Temos que explorar minério, fazê-lo virar riqueza, mas em benefício da população. Ora, se você não consegue minerar sem barragem e alega que é caro, então não minere. Se a atividade segura é inviável, não se faz”, afirma.

Segundo a Semad-MG, desde que passou a valer a lei que obriga a desestruturação das barragens a montante em Minas, a Feam notificou 51 empreendimentos. “Até o momento, nenhuma dessas estruturas foi formalmente declarada descaracterizada pelo Sisema. No entanto, podemos citar como exemplo a barragem da Mundo Mineração, que está com o processo de descaracterização bastante avançado”, afirma.

“Pondera-se, contudo, que foram consideradas descaracterizadas, nos anos de 2019 e 2020,outras 40 estruturas construídas em etapa única, linha de centro ou jusante”, acrescenta a secretaria.

Fim à lama intertítulo especial brumadinho

O rejeito da barragem que se rompeu em Brumadinho será recolhido pela Vale e despejado dentro da mina do Córrego do Feijão, na mesma região onde a estrutura entrou em colapso. A operação foi autorizada pela Semad (relembre aqui). Ao todo, serão 7 milhões de metros cúbicos de rejeitos depositados dentro da mina. A licença para exercer atividade de Disposição de Rejeito em Cava, que foi autorizada pela secretaria, tem validade de dez anos.

Lama será despejada dentro da cava do Córrego do Feijão (Bárbara Ferreira/BHAZ)

O Governo de Minas informou que vai acompanhar o processo e solicitou estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico, que será produzido pela Vale e avaliado pelas secretarias de Saúde e Maio Ambiente. “O objetivo é diagnosticar os impactos decorrentes do rompimento da barragem, avaliar os riscos devido à presença do rejeito no solo e no rio Paraopeba e definir estratégias sinérgicas para proteção à saúde humana e ao meio ambiente”, afirma o governo.

Memória intertítulo especial brumadinho

O governador Romeu Zema participou do lançamento, neste ano, do Memorial às Vítimas do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão. O Memorial é resultado de solicitação dos familiares das vítimas, representados pela Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho). Os projetos estão em elaboração e serão custeados pela Vale. O memorial tem como proposta ser um espaço de reflexão, contemplação, respeito às vítimas e marco de uma lembrança para que essa tragédia nunca mais se repita.

Romeu Zema (Novo) participou de evento em Brumadinho (Divulgação/Gil Leonardi/Imprensa MG)

“Eu deixei claro aqui, hoje, para a população, que a prioridade nossa em relação ao ressarcimento que a Vale fará é que tenhamos um memorial, onde vamos deixar claro que este tipo de fato é inadmissível e que sirva de lição para sempre. É só olharmos para os familiares que percebemos o tamanho da tragédia. Que sirva de lição e que Minas tenha um futuro muito diferente do que aconteceu. Que o dia 25 de janeiro de 2019 seja um divisor de águas na história do nosso estado”, disse o governador em cerimônia realizada no dia 25 de janeiro deste ano. 

Vale esquiva intertítulo especial brumadinho

O BHAZ procurou a Vale pela primeira vez ainda na semana passada. O intuito era entrevistar algum representante da mineradora para esclarecer diversos pontos relativos ao que é considerado um dos principais crimes ambientais do país. A empresa preferiu responder os questionamentos por email, canal pelo qual foram enviados nove tópicos essenciais para a compreensão do tema (confira todas as perguntas abaixo).

Contudo, mesmo com o prazo de uma semana e a possibilidade expressa da data da publicação ser adiada para que as respostas fossem enviadas, a Vale se limitou a mandar três links como retorno às demandas. O primeiro fala sobre um “balanço de reparação“, o segundo é sobre “reparação e desenvolvimento” e o terceiro trata sobre “informações para um diálogo transparente“.

A empresa não respondeu, por exemplo, sobre as informações da promotoria de que a Vale já sabia do possível rompimento meses antes do desastre. Também não falou sobre os valores já pagos em indenizações e nem sobre o que está sendo feito para evitar que outras barragens se rompam.

Perguntas enviadas à Vale sem respostas

  • A promotoria afirma que a Vale já sabia do possível rompimento meses antes da tragédia. Por que a empresa não agiu antes para evitar o ocorrido?
  • Como está a relação da empresa com a família das vítimas e com os sobreviventes? Qual suporte é prestado atualmente? A Vale tem algum programa de acompanhamento aos familiares das vítimas?
  • Como está a restauração da fauna/flora que foram devastadas pelo rompimento da barragem?
  • Centenas de pessoas ainda estão desalojadas em algumas cidades mineiras. Como a Vale está procedendo para que essas pessoas possam voltar para casa? Qual assistência tem sido dada para elas?
  • A lama que cobre parte da cidade será retirada pela Vale após o término das buscas pelos bombeiros? Se sim, como será feito e o que será feito com o rejeito?
  • Quantas barragens a Vale já descomissionou em Minas?
  • Quantas estão em processo? Qual o prazo para conclusão?
  • Quanto a Vale já pagou em multas e indenizações referentes ao desastre provocado em Brumadinho?
  • Em relação as barragens da mineradora que estão em nível 1, 2 e 3 em Minas, o que está sendo feito?
Edição: Thiago Ricci
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.