Backer relança cerveja e revolta famílias e vítimas intoxicadas

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Relançamento aconteceu neste final de semana em BH (Reprodução/Instagram)

O Templo Cervejeiro da Backer voltou a funcionar com o relançamento da cerveja Capitão Senra Pilsen e Amber, no bairro Olhos d’Água, na região do Barreiro, nesse sábado (17). Familiares e vítimas da intoxicação por dietilenoglicol, substância encontrada na cerveja Belorizontina, expressaram “revolta” com o evento de lançamento, já que o espaço fica ao lado da fábrica da bebida. A cervejaria confirmou reabertura do espaço e afirmou que é “a principal interessada em saber sobre irregularidades relacionadas à sua atividade” (leia a nota completa abaixo).

No total, 26 pessoas foram afetadas pela Belohorizontina, sendo que 10 delas morreram. A Polícia Civil indiciou 11 pessoas por crimes diversos no início de junho (relembre aqui). A denúncia contra 10 pessoas foi feita à Justiça pelo MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) no dia 4 de setembro.

‘Ele urrava de dor’

“O meu sentimento é de tristeza por ter chorado a noite inteira relembrando os últimos momentos do meu marido se desmanchando na cama com feridas pelo corpo do tamanho de uma pizza. Ele urrava de dor. Fico revoltada vendo tudo isso acontecer”, diz Eliana Reis, esposa de José Osvaldo Faria — uma das dez vítimas da intoxicação.

Imagens postadas nas redes sociais mostram detalhes do evento. Em uma delas, aparece o tanque de uma cerveja com os escritos: “A busca pela liberdade. A estrada percorrida. Em cada curva a vida nos reserva uma surpresa. A queda se transforma em aprendizado. Não existe apenas um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho”.

Em outra publicação, uma caneca da cerveja aparece com o seguinte comentário: “Tá nevando”. Para as famílias, a festa realizada pela empresa é um desrespeito à dor das vítimas que perderam entes queridos e ainda ficaram desassistidas pela Backer.

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Frase destacada em um dos tanques de cerveja (Reprodução/Instagram)

‘Brindavam a desgraça alheia’

O dentista Ney Eduardo Vieira Martins é uma das 16 pessoas intoxicadas que conseguiram sobreviver às complicações. Antes de opinar sobre o episódio de ontem, ele comenta a triste situação que viveu. “Foi um negócio pavoroso que enfrentei. Nem consigo me lembrar direito. Digo que nós, sobreviventes deste envenenamento, estamos literalmente sobrevivendo. Eu fiquei com sequela neurológica, não tenho equilíbrio e perdi 70% dos meus rins”. Ney tem, inclusive, problemas para retomar a carreira de dentista por causa das consequências da doença.

“Ver um negócio desses, a cervejaria fazendo festa de relançamento da Capitão Senra, é revoltante. O que aquelas pessoas estavam brindando? A sensação que fica é que brindavam a desgraça alheia. Nós que passamos por todas as dificuldades e continuamos passando e esta empresa na ganância. Esta cervejaria debocha da gente e a Justiça segue muito morosa”, complementa.

Parte do cardápio do espaço (Reprodução/Instagram)

‘Dói demais’

Ver as pessoas reunidas no espaço da Backer causou uma dor profunda em Eliana, tanto que ela sequer conseguiu dormir. Ela contou, no entanto, que o que mais dói é o julgamento das pessoas que acreditam que ela e as filhas querem “se aproveitar da empresa”. “A última coisa que queremos é isso. Quero que eles sejam punidos. Na hora que vi as fotos, as selfies. Doeu demais. Ninguém sabe o que passei, o luto que vivo. Fiquei ao lado do meu marido os 522 dias de internação”, diz, emocionada.

Ney também compartilha a indignação de Eliana após ter visto as imagens do relançamento da Capitão Senra. “Isso aqui não é um país sério. Fazem festa, abrem restaurante, mas a situação das vítimas, não resolvem. Só ficam nos enrolando. Enquanto isso, eu perdi 37 anos de profissão. Quem vai em dentista com problema neurológico? Por isso reafirmo que o sentimento é de revolta”.

A viúva de José também reclama da falta de assistência da empresa. “Mandaram fazer esta cerveja lá na Germânia [cervejaria localizada em Vinhedo, no interior de São Paulo]. Se este evento fosse em prol das vítimas, tudo bem, mas não vi um cartaz fazendo alusão a isso, dizendo, por exemplo, que os valores seriam para pagar o tratamento psiquiátrico das pessoas que ficaram e das vítimas que restam”, desabafa.

Embora questionada pela reportagem, a Backer não confirmou onde a cerveja Capitão Senra está sendo produzida. Em resposta de um comentário do post abaixo, a empresa respondeu a um internauta que a bebida está sendo produzida por uma “cervejaria parceira”.

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Ela voltou….Capitão Senra, de volta às pistas.

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Relembre a investigação

A Polícia Civil chegou à conclusão de que a contaminação das cervejas da Backer ocorreu por conta de dois pontos de vazamento no processo de refrigeração da bebida. Esses “furos” permitiram que o dietilenoglicol tivesse contato com a bebida. O dietilenoglicol é um anticongelante bastante usado na indústria, mas sua ingestão pode causar intoxicação com sintomas como insuficiência renal e problemas neurológicos. 

“As cervejas demandam tempo nesse tanque para serem maturadas. A Belorizontina [marca da Backer] demora 14 dias de maturação, existem outros tempos para outros produtos. Nós encontramos o vazamento dentro do tanque, literalmente dentro do tanque, jogando o tóxico para dentro da cerveja”, informou, à época, o delegado do caso, Flávio Grossi (relembre aqui).

O que diz a Backer?

Procurada pelo BHAZ, a Backer informou que “a reabertura do Templo Cervejeiro advém do respeito” da empresa “a todos os requisitos e condições legais de funcionamento”.

“A empresa é a principal interessada no esclarecimento de toda e qualquer irregularidade relacionada com suas atividades e, nesse sentido, tem colaborado com o trabalho de autoridades e dos órgãos de fiscalização e controle, ao mesmo tempo que reafirmou a certificação da excelência de seus processos produtivos”, afirmou a Backer.

Nota da Backer na íntegra

“A reabertura do Templo Cervejeiro advém do respeito da Backer a todos os requisitos e condições legais de funcionamento. A empresa é a principal interessada no esclarecimento de toda e qualquer irregularidade relacionada com suas atividades e, nesse sentido, tem colaborado com o trabalho de autoridades e dos órgãos de fiscalização e controle, ao mesmo tempo que reafirmou a certificação da excelência de seus processos produtivos.

A presente nota representa a manifestação oficial da empresa e somente poderá ser divulgada na sua integralidade, sem qualquer corte, edição ou destaque”.

Edição: Aline Diniz
Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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