Estudo indica aumento na dor de dente em atingidos por barragem

Obra reassentamento Bento Ribeiro
Associação entre a tragédia, saúde bucal e saúde mental dos afetados é inédita (Amanda Dias/BHAZ)

Da Faculdade de Medicina da UFMG

O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana, em 2015, tornou vulnerável a saúde dos atingidos, com relatos de doenças de pele, respiratórias e mentais. Agora um estudo inédito também aponta, como consequência da tragédia, a prevalência elevada de dor de dente entre as vítimas. Segundo a pesquisadora e cirurgiã-dentista Paula Mendes, há “uma defasagem na assistência odontológica nas equipes de recuperação das famílias sobreviventes, mesmo tendo sido constatado que a saúde bucal é uma das principais queixas dessa população”.

Ela conta que é a primeira vez que um trabalho associa saúde mental, desastres e saúde bucal, usando a dor nos dentes como variável de interesse. “As evidências sugerem uma inter-relação entre saúde bucal, mental e geral. Os indivíduos afetados por desastres são mais propensos a desenvolver distúrbios mentais e doenças bucais. Além disso, estudos anteriores sugerem que a saúde bucal está associada à percepção geral da saúde, autoestima e qualidade de vida”.

A análise foi defendida como tese pelo Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG, com orientação dos professores da Faculdade de Medicina, Maila de Castro e Frederico Garcia, coordenadores da Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (Prismma), além da professora Ana Cristina de Oliveira.

Os dados são referentes a novembro de 2017 e a respostas de 225 indivíduos, entre 18 e 90 anos de idade, atingidos ou diretamente expostos ao desastre. Os relatos se tinham ou não queixa de dor nos dentes foram associados com as demais variáveis de saúde bucal e mental apresentadas no questionário aplicado. “A dor nos dentes foi encontrada em 17% da população de estudo, sendo essa porcentagem maior do que os dados nacionais e regionais do nosso país, incluindo a região Sudeste (onde aconteceu o desastre)”, conta a pesquisadora.

Ela acredita que sintomas como esse possam estar ocorrendo ou irá ser comumente relatado daqui algum tempo devido à pandemia do Sars-cov-2. “Nossos achados são muito atuais, pois estamos vivendo um momento com estressor coletivo (Covid-19) assim como ocorrera no desastre de Mariana. Dessa forma, é preciso que tanto os psiquiatras quanto os dentistas avaliem a integralidade do sujeito, uma vez que há associação entre dor nos dentes, transtornos de ansiedade e agentes estressores de grandes magnitudes”.

A relação do desastre com a saúde mental e bucal

O questionário aplicado na pesquisa abordou diversas questões como características demográficas; histórico médico e tratamentos atuais de doenças clinicas (adaptados de um outro questionário utilizado no estudo de Fukushima); questões sobre diagnóstico de distúrbios de saúde mental; percepção de suporte social; impacto do evento e avaliação da saúde bucal. Os instrumentos de pesquisa foram previamente validados para a população brasileira e tinha linguagem acessível aos entrevistados, considerando seus diferentes níveis de escolaridade.

“A dor nos dentes, independente se associada à insatisfação com a aparência bucal, diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada e satisfação com o suporte social na análise multivariada, foi estatisticamente significativa. Atingidos insatisfeitos com a aparência dos dentes foram 3,2 vezes mais propensos a apresentar dor nos dentes”, afirma Paula Mendes.

“Os atingidos que sobreviveram ao rompimento da barragem e foram diagnosticados com transtorno de ansiedade generalizada foram 2,5 vezes mais propensos a apresentar dor nos dentes. E a chance de apresentar dor nos dentes após o desastre aumentou em 4% para cada ponto na escala de satisfação com o suporte social”, completa.

Para ela, os dados poderiam alertar ainda mais se o estudo fosse feito imediatamente após o rompimento da barragem, mostrando maior impacto do que dois anos após o ocorrido. Ainda assim, o resultado é relevante por comprovar que “a assistência tanto em saúde geral quanto odontológica estava insatisfatória”. “Faz-se válido ressaltar que não deve haver segregação entre saúde geral e saúde bucal, uma vez que a boca faz parte do sujeito, dessa forma, ele deve ser assistido em sua integralidade”, declara.

O impacto da saúde da boca

A pesquisadora defende a presença do dentista na equipe de suporte das famílias sobreviventes ao desastre, já que a literatura apresenta, enfaticamente, a associação direta entre saúde bucal e mental. “Existe uma relação complexa entre a qualidade de vida, saúde mental, status socioeconômico e saúde bucal. Para que o indivíduo tenha boa saúde geral, é fundamental que ele tenha saúde bucal. O sofrimento psicológico dos indivíduos atingidos, está diretamente associado à baixa qualidade de vida relacionada à saúde bucal”, aponta.

Ela lembra que uma cavidade bucal saudável permite que as pessoas comam, durmam, falem e socializem sem sofrimento, desconforto ou constrangimento. “A dor nos dentes é a experiência aguda mais prevalente na região orofacial que afeta os dentes e os tecidos circundantes. Na gestão da saúde bucal após um desastre, a prevalência dessa dor associa-se ao sofrimento após a fase aguda. As doenças bucais são relevantes para a saúde física e mental”, ressalta.

Paula ainda propõe que estudos longitudinais sejam realizados para auxiliar na avaliação de políticas públicas em situações emergenciais de desastres e que incluam a avaliação da saúde bucal.

Nome do trabalho: Fatores associados à dor nos dentes dos indivíduos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão-Mariana-MG
Autora: Paula Carolina Mendes Santos
Nível: Doutorado
Programa: Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG
Orientadora: Maila de Castro Lourenço Neves
Coorientadores: Frederico Duarte Garcia e Ana Cristina Borges de Oliveira

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