‘Estamos à procura dos nossos como no dia em que a barragem rompeu’

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Bombeiros trabalharam por meses na lama da Vale à procura de desaparecidos (Amanda Dias/BHAZ)

Por Fernanda Canofre e Eduardo Anizelli

Desde o dia 25 de janeiro de 2019, Natália de Oliveira viu a lama de rejeitos que irrompeu da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), correr, perder velocidade, secar, trincar, ficar embaixo da vegetação nova, ser mexida nas operações de buscas do Corpo de Bombeiros. Mas o telefonema, com a notícia que espera há dois anos, nunca chegou: a localização da irmã, Lecilda de Oliveira.

“A gente dorme para esquecer e todos os dias a gente amanhece no dia 25. Nós estamos à procura dos nossos, igual estávamos no momento que a barragem rompeu. Eu continuo procurando a Lecilda”, diz ela, que faz parte da comissão dos não encontrados e da associação das famílias.

Lecilda, que trabalhava há anos para a Vale, é uma das 11 vítimas do rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão ainda não encontradas. Enquanto a contagem oficial aponta 270 mortos, 259 deles identificados, as famílias contam 272 vidas perdidas, com os dois bebês que estavam nas barrigas das mães.

As últimas duas identificações na lista de vítimas foram divulgadas há mais de um ano, em dezembro de 2019. Desde então, os casos que foram encaminhados pelas equipes de buscas ao IML (Instituto Médico Legal) da Polícia Civil de Minas têm sido de pessoas já identificadas anteriormente.

“O tempo vai passando, vamos vendo os filhos dela, os gêmeos, crescendo sem poder conviver com a presença e amor dela. Nossa vida ficou um vazio com a ausência da Ju”, diz Josiana Resende, que também espera pela localização da irmã, Juliana Resende.

Josiana e o pai, Geraldo, participam da comissão dos não encontrados e acompanham de perto os processos envolvendo as buscas. “É a notícia mais triste que alguém que ama pode receber, mas é a que temos esperado, para podermos nos despedir e descansar nosso coração”, diz ela.

A operação na chamada zona quente, atingida pela lama, acumula mais de 6.500 horas em busca e salvamento, segundo os bombeiros.

Com a pandemia, os trabalhos chegaram a ser paralisados entre o fim de março e agosto. Hoje a operação conta com cerca de 40 bombeiros na área quente e 60 no total (somando apoio e planejamento). Os militares passam de 7 a 15 dias nas buscas.

Nesta segunda (25), dia em que o desastre completa dois anos, as buscas entrarão na oitava estratégia, explica o porta-voz da corporação, tenente Pedro Aihara. Além das dificuldades pelo tempo transcorrido desde o rompimento, há ainda problemas com o terreno, onde há muita água, e com a região, de muita chuva.

“Por mais que a nossa atuação não consiga tirar das páginas da história essa tragédia, acho que ela é capaz, pelo menos, de mudar o significado que as famílias constroem. Se a gente permanece até hoje é porque a dor das famílias também é a nossa dor”, diz.

Desde janeiro de 2019, o IML recebeu 902 casos resgatados da lama e concluiu 96%. A maioria das vítimas, cerca de 85%, foi identificada nos primeiros três meses após o desastre. A papiloscopia, identificação por impressões digitais, ajudou no reconhecimento da maior parte delas.

O método, porém, está comprometido agora, devido à decomposição dos chamados tecidos moles, como a pele.

A aposta está nas identificações por DNA, extraído especialmente de tecidos duros, como ossos, diz o médico legista Ricardo Moreira Araújo.

“Embora o número de identificações de novas vítimas tenha estacionado em 259, desde 28 dezembro de 2019, cerca de 90 identificações foram feitas nesse período, mas referiam-se à identificação de material biológico de vítimas já identificadas em fases anteriores.”

Eva Aparecida de Sousa também espera a ligação sobre a localização do filho Renato Eustáquio, que deixou os pais, dois irmãos e as duas filhas pequenas –as meninas têm três e cinco anos hoje.

“Quando eu lembro de como ele deve ter ficado, onde ele estava, como ele morreu, se foi espontaneamente, se foi asfixiado…Uma mãe pensa tudo isso. Eu fico triste por saber que ele ainda está lá embaixo e não posso fazer nada. Acabou a minha vida e o sonho dele”, diz. “Se eu pudesse, eu iria nessa lama e tirava ele com as minhas próprias mãos. E ajudava [as outras famílias] a tirarem os delas.”

No acordo que o governo Romeu Zema (Novo) tenta negociar com a Vale para reparações coletivas pelo desastre, há a previsão de uma rubrica que garanta a manutenção do trabalho de busca.

“Há um compromisso do governador com as famílias de seguir com as buscas até que todas as pessoas possam ser encontradas, todos os corpos possam ser resgatados da lama”, afirma o secretário-geral do estado, Mateus Simões.

Uma audiência na quinta (21) terminou mais uma vez sem sucesso devido a um impasse na discussão de valores, mesmo com a participação de Zema e do procurador-geral da República, Augusto Aras.

O governo deu mais uma semana à mineradora para apresentar nova proposta.

Enquanto isso, as famílias seguem à espera. “É desanimador, mas mesmo eu sendo uma formiguinha insignificante perante a Vale, a gente tenta fazer com que as pessoas entendam: em Brumadinho, morreram 272 pessoas, mas elas não podem ter morrido em vão”, afirma Natália.

Folhapress

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