Vale fecha acordo de reparação por Brumadinho e atingidos protestam

Vale fecha acordo de reparação
Acordo foi fechado com valor abaixo do pedido inicialmente, e atingidos pela tragédia alegam que não participaram da negociação (Gil Leonardi/Imprensa MG + Reprodução/@atingidosporbarragens/Instagram)

Depois de quatro meses de negociação, o Governo de Minas Gerais e a Vale assinaram, nesta quinta-feira (4), um acordo de R$ 37,68 bilhões que prevê a reparação de danos causados pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Os atingidos pela tragédia, no entanto, alegam que não foram consultados durante a negociação e recorrerão na Justiça para que o acordo – assinado dois anos depois do crime ambiental – seja anulado.

De acordo com o termo, 30% dos recursos a serem pagos pela Vale (cujo total exato é de R$ 37.689.767.329) vão beneficiar o município e a população de Brumadinho. Participaram da audiência representantes do Governo de Minas, do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais), do MPF (Ministério Público Federal), da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e da Vale.

Enquanto os envolvidos assinavam o acordo, no TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na avenida Afonso Pena, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, cerca de 130 representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) protestaram em frente ao prédio. A tragédia matou 270 pessoas no dia 25 de janeiro de 2019, e a lama que encobriu o local ainda esconde 11 vítimas do rompimento da barragem.

O acordo

Inicialmente, o Governo de Minas havia pedido quase R$ 55 bilhões em reparações, mas o acordo foi fechado com uma diferença de aproximadamente R$ 20 bilhões em relação à proposta inicial. De acordo com o governo estadual, “trata-se do maior acordo de Medidas de Reparação em termos financeiros e com participação do Poder Público já firmado na América Latina, e um dos maiores do mundo”.

Além dos 30% destinados ao município e à população de Brumadinho, outras partes do valor a ser pago pela Vale serão para iniciativas como o Programa de Transferência de Renda; obras na região da bacia do rio Paraopeba; reparação socioambiental integral; obras para a segurança hídrica e projetos de mobilidade na região metropolitana de Belo Horizonte (veja mais detalhes abaixo).

Os recursos financeiros previstos no termo não poderão ser usados para fluxo de caixa ou pagamento de salários. Eles terão fonte específica no orçamento e os valores vinculados aos projetos. A CGE (Controladoria-Geral do Estado), o TCE (Tribunal de Contas do Estado) e a ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) atuarão na fiscalização dos projetos executados pelo Estado. O governo estadual e a sociedade fiscalizarão a atuação da Vale.

Protesto

Para representantes do MAB, os valores que impactarão diretamente a vida dos atingidos pelo rompimento da barragem são mínimos e não condizem com os danos causados pela tragédia. Eles afirmam, ainda, que não foram ouvidos em nenhuma parte da negociação, e garantem que vão recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela anulação do acordo firmado nesta tarde.

“Desde o começo, somos contra o acordo nos moldes em que ele foi realizado, e reivindicamos que os atingidos participassem das mesas de negociação, que soubessem o que está acontecendo, quais as premissas e os valores citados. Não fomos consultados: não teve participação de nenhum atingido pelo rompimento, de comissões, representantes ou lideranças das comunidades, nem das assessorias técnicas. Ou seja, o acordo foi fechado sem a participação das principais vítimas”, argumenta Izabella Bontempo, integrante do MAB.

A alegação entra em conflito com o que afirmou o governador Romeu Zema (Novo) nesta tarde: “Todas as partes envolvidas participaram, a cidade de Brumadinho, da região do Rio Paraopeba, as instituições públicas, todos foram escutados. Foi uma participação como poucas vezes se viu. Tivemos 11,8 mil atendimentos a pessoas que foram atingidas – segundo a Defensoria Pública -, mais de 8 mil acordos individuais. Muita coisa já foi feita e continua sendo feita além desse acordo”.

Na visão dos atingidos, o valor acordado representa uma “primeira parcela” do que deve ser reparado às vítimas da tragédia de Brumadinho, já que ele “não cobre o estrago que o crime ambiental deixou”. “Também consideramos todos ao redor da bacia do Paraopeba como população atingida, não só os moradores de Brumadinho, já que muitos dependiam da renda do rio para pesca, agricultura, comércio, lazer. Até hoje, as comunidades sofrem com o racionamento da água”, completa a representante do MAB.

Assim como o movimento, a AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão em Brumadinho) afirma, em nota (leia na íntegra abaixo), que foi “excluída do processo” de negociação do acordo. “Esperamos que o dinheiro desse acordo seja aplicado na reparação, que traga melhorias e bem-estar aos municípios verdadeiramente impactados e que honre a memória dos nossos”, diz o comunicado.

‘Lucro e interesse’

A integrante do MAB reforça, ainda, que o movimento enxerga interesse por parte do Governo Zema no fechamento do acordo. “O único objetivo deles é a reeleição. Vão fazer grandes obras na capital, que não beneficiam nem indiretamente a população atingida, para o fechamento de um governo que só mira em 2022”, pontua Izabella Bontempo.

Já a Vale, para o movimento, sai impune após o fechamento do acordo. “Isso só vai aliviar a situação para eles. Desde o começo da negociação, o valor pedido só foi diminuindo, e é muito menor do que deveria ser. Na verdade, vão sair lucrando, as ações da empresa já começaram a valorizar na bolsa”, completa a integrante do MAB.

Direcionamento dos recursos

Entenda a quais iniciativas o dinheiro a ser pago pela Vale será direcionado:

Transferência de renda – demanda direta dos atingidos

Para o Programa de Transferência de Renda e para o atendimento da Demanda Direta dos Atingidos, serão destinados R$ 9,17 bilhões. Como parte das Medidas de Reparação, foi assegurada a criação de um Programa de Transferência de Renda para os moradores das regiões atingidas, sucedendo o auxílio emergencial, que seria encerrado no fim de fevereiro.

As regras do novo programa serão definidas com participação dos atingidos e auxílio do MPMG, do MPF e da DPMG. Até lá, os pagamentos mensais aos atingidos seguem com as regras atuais. Estão incluídos R$ 4,4 bilhões em recursos destinados ao programa e também R$ 1,77 bilhão, já aplicado no pagamento do auxílio emergencial. Além disso, R$ 3 bilhões serão destinados a projetos de reparação a serem escolhidos pela população atingida.

Bacia do Paraopeba

O conjunto dos projetos de reparação socioeconômica e ambiental prevê a criação de cerca de 365 mil empregos diretos e indiretos e recursos no valor de R$ 4,7 bilhões. Parte dos projetos será apresentada diretamente pelas prefeituras. 

Entre as ações estão a reforma e melhoria de todas escolas estaduais e municipais, a conclusão de obras das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) desses municípios, melhoria da Rede de Atenção Psicossocial e ações de promoção de emprego e renda.

Reparação Socioambiental Integral

Para a Reparação Socioambiental Integral serão destinados R$ 6,55 bilhões. O valor de R$ 1,55 bilhão será utilizado na compensação de danos ambientais já conhecidos. Um dos projetos desenvolvidos como compensação é a universalização do saneamento básico nos municípios atingidos.

O acordo não prevê, no entanto, teto financeiro a ser gasto com a reparação do meio ambiente. Todas as ações que no futuro se mostrarem necessárias para a reparação socioambiental serão feitas e integralmente custeadas pela Vale, seguindo o princípio do poluidor pagador, previsto pela Constituição Federal. A estimativa inicial de investimentos é de R$ 5 bilhões. 

Segurança Hídrica

Para as obras nas Bacias do Paraopeba e do Rio das Velhas, que garantirão a segurança hídrica da região metropolitana de Belo Horizonte, inclusive de municípios atingidos, serão destinados R$ 2,05 bilhões. As intervenções têm o objetivo de melhorar a capacidade de integração entre os sistemas Paraopeba e das Velhas, evitando o desabastecimento.

Mobilidade na Grande BH

Serão destinados R$ 4,95 bilhões a projetos de mobilidade na região metropolitana de Belo Horizonte para proporcionar melhorias na mobilidade também nos municípios da Bacia do Rio Paraopeba. Um deles é a construção do Rodoanel, com três alças passando pela região atingida, que terá recursos para parte dos investimentos iniciais.

Também foram reservados recursos para complementar aporte federal em melhorias no Metrô de Belo Horizonte e para a melhoria da infraestrutura rodoviária, beneficiando estradas e pontes em condições péssimas e ruins.

Serviços públicos

Uma série de projetos, que somam R$ 4,37 bilhões, tem como objetivo a melhoria na prestação dos serviços públicos para os mineiros, em especial os residentes na Bacia do Paraopeba. Entre eles, há a renovação de frota, aquisição de equipamentos e melhorias logísticas para o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil e as polícias Militar e Civil, além de melhorias nas unidades de conservação do estado.

Também está prevista a conclusão de obras de hospitais regionais e melhorias nas unidades da Rede Fhemig (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais), com modernização dos hospitais João 23, Julia Kubitschek e João Paulo II.

O acordo de reparação prevê ainda a construção de uma biofábrica da Funed (Fundação Ezequiel Dias) com capacidade de produzir mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, que reduz a transmissão de doenças pelo vetor. O desenvolvimento do método Wolbachia terá atuação inicial nos nos municípios atingidos.

Reparação e medidas emergenciais

No acordo também estão inseridos recursos que já tiveram sua aplicação iniciada pela Vale em projetos de reparação, no valor de R$ 5,89 bilhões. R$ 4,39 bilhões foram investidos em ações de reparação, pagamento de moradias provisórias de atingidos, atendimentos psicossociais, fornecimento de água para consumo humano e irrigação, as obras de nova captação de água no Rio Paraopeba, obras emergenciais para contenção de rejeitos, além de repasses para o fortalecimento do combate à pandemia de Covid-19.

O que diz o Governo de Minas?

Frente às críticas por parte dos atingidos pela tragédia, o Governo de Minas Gerais afirma que o termo “não prejudica nem mesmo altera o andamento das ações individuais e criminais apresentadas devido ao rompimento da barragem. Dessa forma, as famílias que fizeram acordos, propuseram ou ainda pretendem propor ações individuais permanecerão acompanhadas e apoiadas pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público de Minas”.

“Muita coisa já foi feita e continuará sendo feita para além desse acordo. As ações individuais podem ser movidas a qualquer momento por qualquer pessoa de Brumadinho ou região que se sentir atingida. Esse acordo não tira o direito de ninguém, isso tem que ficar muito claro”, afirmou o governador Romeu Zema.

Audiência de acordo com a Vale
Zema afirma que acordo não interrompe ações de reparação individual (Pedro Gontijo/Imprensa MG)

O defensor público-geral, Gério Patrocínio, também afirmou que a instituição continuará atuando em defesa dos atingidos. “Esse recomeço firmado por esse acordo aumenta a nossa responsabilidade. Estamos preparados para o trabalho que virá pela frente. A Defensoria continuará de portas abertas para acolher todos os atingidos e que a gente possa construir soluções”, disse.

O governo estadual pontua, ainda, que “os Ministérios Públicos e a Defensoria Pública realizaram, desde novembro de 2020, dezenas de eventos na internet (“lives” e reuniões por videoconferência), com apoio das assessorias técnicas independentes, para manter as pessoas atingidas e a população em geral devidamente informada sobre o que estava ocorrendo”.

O que diz a Vale?

Já a Vale afirma que, como ré do processo, não teve envolvimento na definição de quais entidades participariam da negociação. A empresa afirma que a reparação pela tragédia de Brumadinho é uma prioridade. “Desde as primeiras horas após a ruptura, há pouco mais de dois anos, a empresa tem cuidado das famílias impactadas, prestando assistência para restaurar sua dignidade, bem-estar e meios de subsistência”, diz comunicado da mineradora.

“A Vale está determinada a reparar integralmente e compensar os danos causados pela tragédia de Brumadinho e a contribuir, cada vez mais, para melhoria e desenvolvimento das comunidades em que atuamos. Confiamos que este acordo global é um passo importante nessa direção. Sabemos que temos um caminho a percorrer e seguimos firmes em nosso propósito, alinhado com nosso Novo Pacto com a Sociedade”, afirmou o diretor-presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo.

Nota da AVABRUM

“O acordo de ressarcimento pelos danos morais causados em função do Crime do Rompimento da Barragem da Mina de Córrego Feijão em Brumadinho, o qual vitimou 272 pessoas, está sendo negociado entre a Vale e o Governo de Minas Gerais com a participação de outros órgãos públicos.

Este acordo está sendo conduzido de forma sigilosa, sem o conhecimento público e sem envolvimento dos atingidos.

A AVABRUM, associação que representa os familiares de vítimas fatais deste crime, não foi ouvida e tão pouco consultada, não sendo possível expressar uma opinião quanto a este acordo.

Fomos mais uma vez excluídos do processo, cujo dinheiro advém do sangue das nossas Joias. Esperamos que o dinheiro desse acordo seja aplicado na reparação, que traga melhorias e bem-estar aos municípios verdadeiramente impactados e que honre a memória dos nossos“.

Com Agência Minas

Edição: Thiago Ricci
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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