MPMG aponta ‘propaganda enganosa’ e pede fim da Fundação Renova

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Cinco anos após o crime, assentamentos ainda não foram finalizados e MP aponta diversos problemas (Antonio Cruz/Agência Brasil + Amanda Dias/BHAZ)

O MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) acionou a Justiça nessa quarta-feira (24) para pedir a extinção da Fundação Renova, criada para reparar os danos provocados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana. Na ação civil pública, o ministério argumenta que a fundação ajuda a limitar a responsabilidade das empresas mantenedoras – Vale e BHP Billiton – em vez de agir efetivamente para reparação humana, social e ambiental.

Diante do que considerou um desvio de finalidade e falta de eficiência – a prestação de contas da fundação já foi rejeitada quatro vezes e houve novo atraso na entrega dos reassentamentos dos atingidos -, o MPMG pediu ainda que fosse nomeada uma junta interventora. Caso o pedido seja acatado, esse grupo vai agir como uma espécie de “conselho curador”, facilitando a transição após o fim da fundação.

Um trecho da ação acusa “propaganda enganosa” e “práticas ilícitas e inconstitucionais”, caracterizados como desvios de finalidade, no formato atual da Renova. “É urgente a situação de perigo e de risco ao resultado útil do processo em razão da ineficácia dos programas geridos pela entidade, dos desvios de finalidade”, diz o documento.

Nova indenização

Na ação, o MPMG pede também que as empresas Samarco, Vale e BHP sejam condenadas à reparação dos danos materiais causados por esses desvios e práticas ilícitas. Segundo o documento, ambas as práticas aconteceram dentro e também por intermédio da fundação.

Como exemplo do prejuízo por intermédio da fundação, o Ministério Público cita a frustração dos programas combinados no TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta). O termo, firmado em 2016, foi o que permitiu a criação da fundação e estabeleceu 24 programas voltados à reparação socioambiental e socioeconômica em 40 municípios afetados.

Além disso, a ação defende ainda que as três empresas devem ser condenadas por danos morais, no valor de R$ 10 bilhões.

Atrasos

Na mesma semana em que foi feito o pedido de extinção, o nome da fundação voltou a ser alvo de críticas em Minas Gerais. É que vence, neste sábado (27), o prazo determinado pela Justiça para a entrega de moradias às famílias atingidas pelo rompimento da barragem – que atrasou novamente. Há cinco anos sem poder voltar para casa, moradores da região afirmam que os reassentamentos coletivos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo estão longe de terminados.

O primeiro prazo para entrega das obras, apresentado pela própria Fundação Renova, foi 31 de março de 2019. O segundo, determinado pela Justiça, foi 27 de agosto de 2020. O próximo sábado já é a terceira data limite para entrega dos reassentamentos – a partir de então, a Justiça determinou que as empresas paguem R$ 1 milhão por dia de atraso.

Durante os trâmites legais, as mineradoras recorreram da decisão e argumentaram que os atrasos foram causados pela participação das famílias nas decisões e pela pandemia de Covid-19. A Justiça ainda não se manifestou sobre o pedido das empresas.

Para Gladston Figueiredo, coordenador da Assessoria Técnica aos atingidos (Cáritas MG), as justificativas dadas para os descumprimentos não correspondem à realidade. “A restituição do direito à moradia vem sendo negada aos atingidos desde o rompimento. Desde a compra dos terrenos as empresas responsáveis pelo crime sistematicamente adotam posturas que atrasam o processo”, afirma.

Irregularidades

Para o MPMG, no modelo por intermédio do qual a fundação está estruturada e funciona atualmente, sem independência e com desvios, a manutenção se torna impossível. O órgão argumenta que as ações em curso pela Renova consumiram, até o momento, um valor superior a R$ 10 bilhões, mas seguem sendo executadas “com excessivo atraso e baixíssima eficácia”.

“É inconcebível que uma fundação funcione sem autonomia e independência, que são princípios que devem caracterizar a criação, a existência e o funcionamento de uma fundação”, diz outro trecho da ação. O Ministério Público reforça ainda que, assim como outras fundações, a Renova deveria funcionar como “uma instituição social, autônoma e independente, sem fins lucrativos, e canal de acesso à justiça na reparação e compensação dos gravíssimos danos sociais e ambientais causados”.

Acusados gerindo as vítimas

O que acontece na prática, no entanto, é que as decisões da fundação são comandadas pelas próprias empresas responsáveis pelos danos que levaram à criação dela, conforme aponta o MPMG. “É como se fosse autorizado que os acusados no processo penal e nos processos coletivos em geral pudessem decidir e gerir os direitos e as garantias fundamentais das suas próprias vítimas”, comparam os promotores de Justiça que assinam a ação, Gregório Assagra e Valma Leite.

O Ministério Público destaca ainda os altos salários dos dirigentes – o que “deveria corresponder a um trabalho realizado com excelência” – e as dificuldades de gestão da fundação. Exemplo dessa dificuldade, segundo o órgão, é a falta de sucesso em observar regras simples previstas no estatuto, como o envio, dentro do prazo, de atas de reuniões do conselho para análise do MPMG.

Propaganda enganosa

Outro problema apontado pelo Ministério Público é que, se não bastassem as irregularidades, a entidade ainda veicula diversas propagandas em emissoras de televisão, rádio e sites enaltecendo os “resultados” da reparação dos danos, tendo celebrado contrato com uma agência de publicidade no valor de R$ 17,4 milhões, “propagando informações inverídicas”.

“Faltam resultados, falta reparação, falta boa vontade das empresas: falta empatia e humanidade para com as pessoas atingidas. Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito”, conclui a ação.

O que diz a Fundação Renova?

Procurada pelo BHAZ, a Fundação Renova afirmou que discorda das alegações feitas pelo MPMG sobre as falhas na prestação de contas e que “irá contestar nas instâncias cabíveis o pedido de intervenção”. “As contas da Fundação Renova são ainda verificadas por auditorias externas independentes, que garantem transparência no acompanhamento e fiscalização”, diz, em nota (leia na íntegra abaixo).

Já no que diz respeito aos salários dos executivos, a fundação argumenta que “adota uma política de mercado, com valores compatíveis com as responsabilidades assumidas”. Essa remuneração, segundo esclarece a nota, não afeta e não é contabilizada nos valores destinados à reparação dos danos.

“Cabe ressaltar que a Fundação Renova é responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, cujo escopo engloba 42 programas que se desdobram nos projetos que estão sendo implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes e em ações de longo prazo”, continua. A nota detalha ainda os valores desembolsados até o momento e a aplicação deles nos trabalhos de recuperação.

Nota da Renova na íntegra

A Fundação Renova discorda das alegações feitas pelo Ministério Público de Minas Gerais relacionadas às contas da instituição e informa que irá contestar nas instâncias cabíveis o pedido de intervenção proposto em Ação Civil Pública nesta quarta-feira (24).

Além das prestações de contas realizadas anualmente, a Fundação também encaminha ao MPMG as respectivas aprovações de suas contas feitas pelo Conselho Curador, pelo Conselho Fiscal e pela empresa independente responsável pela auditoria das demonstrações financeiras, conforme prevê a Cláusula 53 do TTAC.

As contas da Fundação Renova são ainda verificadas por auditorias externas independentes, que garantem transparência no acompanhamento e fiscalização dos investimentos realizados e dos resultados alcançados. As contas da Fundação foram aprovadas por essas auditorias.
A respeito do questionamento do MP relacionado ao superávit da Fundação Renova em 2019, é importante esclarecer que é recomendável que instituições do terceiro setor trabalhem com superávit, indicador de que o trabalho está sendo realizado de forma qualificada e técnica. No caso da Fundação Renova, o valor relativo ao superávit é reaplicado nas ações de reparação do ano seguinte.

Sobre a remuneração de seus executivos, a Fundação Renova esclarece que adota uma política de mercado, com valores compatíveis com as responsabilidades assumidas. Importante esclarecer que os valores aportados pelas mantenedoras para o custeio da fundação (salários e custos administrativos) não comprometem e não são contabilizados nos valores destinados à reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento de Fundão.

Cabe ressaltar que a Fundação Renova é responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, cujo escopo engloba 42 programas que se desdobram nos projetos que estão sendo implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes e em ações de longo prazo. Cerca de R$ 11,8 bilhões foram desembolsados pela Fundação Renova até o momento, tendo sido pagos R$ 3,26 bilhões em indenizações e auxílios financeiros para 320 mil pessoas até janeiro deste ano.

As indenizações ganharam novo impulso com o Sistema Indenizatório Simplificado, implementado pela Fundação Renova a partir de decisão da 12ª Vara Federal em ações apresentadas por Comissões de Atingidos dos municípios impactados. Ele tem possibilitado o pagamento de indenização a categorias com dificuldade de comprovação de danos. O primeiro pagamento por meio do sistema foi realizado em setembro. Até o início de fevereiro de 2021, mais de 5 mil pessoas foram pagas pelo Sistema Indenizatório Simplificado. O valor ultrapassou R$ 450 milhões.

Reparação

A Fundação Renova permanece dedicada ao trabalho de reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), propósito para o qual foi criada.

As obras dos reassentamentos têm previsão de desembolso de R$ 1 bilhão para 2021, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. O valor refere-se a todas as modalidades de reassentamento, englobando as construções dos novos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, e, também, a modalidade de reassentamento Familiar e a reconstrução de residências em comunidades rurais. O avanço da infraestrutura, priorizado dentro do plano estratégico de prevenção contra a Covid-19, permitirá a aceleração da construção das residências das famílias atingidas. Assim, os reassentamentos coletivos ganham desenhos de cidades planejadas.

A questão do prazo de entrega dos reassentamentos está sendo discutida em um Ação Civil Pública (ACP) em curso na Comarca de Mariana, tendo sido submetido recurso para análise em segunda instância (TJMG), o qual ainda aguarda apreciação e julgamento. Nesse contexto, foram expostos os protocolos sanitários aplicáveis em razão da Covid-19, que obrigaram a Fundação a desmobilizar parte do efetivo e a trabalhar com equipes reduzidas, o que provocou a necessidade de reprogramação das atividades.

A água do rio Doce pode ser consumida após passar por tratamento convencional em sistemas municipais de abastecimento. Além disso, foram recuperados 113 afluentes, pequenos rios que alimentam o alto rio Doce. Cerca de 888 nascentes estão com o processo de recuperação iniciado. Até o momento, as ações de restauração florestal alcançam mais de 1.000 hectares em Minas Gerais e no Espírito Santo, uma área equivalente a 1.000 campos de futebol.

Na área de saneamento, 9 municípios iniciaram obras para tratamento de esgoto e resíduos sólidos com recursos repassados pela Fundação Renova. Estão previstos R$ 600 milhões para projetos nos 39 municípios impactados.

Em 2020, a Fundação iniciou um repasse de R$ 830 milhões aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e prefeituras da bacia do rio Doce, para investimentos em infraestrutura, saúde e educação. Esses recursos promoverão a reestruturação de mais de 150 quilômetros de estradas, de cerca de 900 escolas em 39 municípios e do Hospital Regional de Governador Valadares (MG), além de possibilitar a implantação do Distrito Industrial de Rio Doce (MG).

Com MPMG

Edição: Roberth Costa
Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

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