Diretor de escola de BH pede que pais ensinem ‘masculinidade’ aos filhos

Escola em BH
Vídeo publicado pelo colégio pede que pais ensinem que “homem é homem e mulher é mulher” (FOTO ILUSTRATIVA: Amanda Dias/BHAZ)

Um vídeo publicado por uma escola cristã de Belo Horizonte foi alvo de críticas – e acabou sendo deletado – ao pedir que pais “passem masculinidade” para seus filhos e ensinem que “homem é homem e mulher é mulher”. A página do Colégio Batista Getsêmani no Instagram apagou a publicação nesta sexta-feira (5), depois da repercussão negativa.

“Queria fazer um pedido aos pais: passem masculinidade para seus filhos, em nome de Jesus. Você que tem um filho que é homem, pelo amor de Deus, é uma palavra amiga. Faça do seu filho um discipulado de masculinidade, papai. Veja o jeito dele andar, o jeito dele falar, abrace seu filho homem. Diga a ele que ele é um homem. Diga a ele que homem é homem e mulher é mulher”, afirma o pastor Jorge Linhares, diretor-geral do colégio e presidente da Igreja Batista Getsêmani.

O religioso ainda pede que as mães dos alunos passem às filhas a “parte feminina, de amor”. “Os dias são maus. Muitas meninas estão sendo inspiradas por tantas coisas, Big Brother etc, e estão banalizando a sexualidade, tanto masculina quanto feminina”, diz Linhares. “Eu não poderia deixar de dar esta palavra amiga: segure sua filha, abrace sua filha, mostre para sua filha que ela é uma joia preciosa e ela deve ter orgulho de ser uma menina de Deus. Mamãe, cole na sua filha, em nome de Jesus”, completa. Veja o vídeo abaixo:

Repercussão

Não demorou muito e a publicação recebeu vários comentários negativos até ser deletada da conta do colégio. Uma internauta deixou um depoimento afirmando que já acreditou no discurso reproduzido pelo pastor. “Por causa dele quase matei a mim mesma! Fase 2: Eu tive raiva de quem discursa assim. Por causa dela, eu odiei a igreja”, escreveu a usuária.

“Fase 3: Hoje eu tenho pena dessa involução. Acredito que o processo está do outro lado da moeda! O que me salvou não foi esse discurso prático e simples de afirmação! Foi o amor da minha família, que se manteve inteiro! Esse amor só pode ter vindo de Deus! Por causa dessas mensagens e suas derivadas interpretações que filhos são machucados emocionalmente e fisicamente e até se matam”, completou.

Comentário
Publicação recebeu críticas antes de ser apagada (Reprodução/Instagram)

O BHAZ procurou o Colégio Batista Gestêmani, por meio de ligações, desde o início da tarde desta sexta-feira. As ligações foram transferidas do atendimento central para a secretaria, que informou que somente a diretoria da escola poderia comentar sobre o assunto. Os responsáveis não estavam disponíveis no momento e nenhuma outra forma de contato foi repassada. 

Por volta das 16h30, o BHAZ entrou em contato novamente com o mesmo número, e a ligação foi transferida para uma mulher que preferiu não se identificar, mas que garantiu falar em nome da instituição. “O colégio não tem nenhum posicionamento, temos uma conduta cristã e [o vídeo] foi publicado de acordo com nossa conduta cristã, para os pais. Não temos nada a dizer sobre isso”, afirmou.

Comportamentos reprimidos

O professor, pesquisador de questões de gênero e sexualidade e doutorando pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Helder Souza explica que as declarações do pastor divulgadas no vídeo podem ter consequências sérias para crianças e jovens em desenvolvimento. Para ele, “ensinar masculinidade” a uma criança implica a perpetuação de estereótipos nocivos e pode reprimir comportamentos naturais durante a formação do indivíduo.

“O vídeo ultrapassa a escola, vai muito além, e isso é muito sério. Ele entra no âmbito familiar, onde pessoas podem se apegar a determinadas verdades como a única verdade. Como fica quem não se encaixa nesse perfil de masculinidade que está sendo ensinado? As crianças são forçadas a se reprimir, e podem ser massacradas em casa, em nome do amor”, explica.

O professor pesquisou, durante o mestrado, a vivência de alunos homossexuais em uma escola pública de ensino médio, além de lecionar há mais de 20 anos. Ele conta que vários jovens já o procuraram para contar “como é doloroso ser diverso do que é estabelecido como norma”. Por isso, Helder não acredita que comportamentos devem ser podados e moldados da forma que o vídeo propõe.

Diversidade amparada pela lei

O pesquisador ressalta, ainda, que as leis brasileiras preveem o respeito à diversidade nas escolas do país, conforme a competência 9 listada na BNCC (Base Nacional Comum Curricular): “Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza”.

Helder também se ampara na Constituição Federal, que prevê a direitos de liberdade e igualdade, além de afirmar que “a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

‘Adestramento comportamental’

“Não podemos nos esquecer de que existem várias formas de ser homem e de ser mulher. Não podemos nos prender a esses padrões. Normas sociais existem, mas as pessoas vão se descobrindo enquanto sujeitos ao longo da vida. Um vídeo como esse discrimina quem é diferente, ao dizer ‘ensine seu filho a ser assim’, implicando que não pode ser de outro jeito”, finaliza o pesquisador.

O argumento vai ao encontro do que comentou a usuária que repudiou a publicação por meio dos comentários. “Curso prático de masculinidade ou feminilidade só gera um adestramento comportamental! Quer compreender/ajudar’ seu filho? Ore por ele, ore COM ele, converse, esteja junto, o faça se sentir amado e não rejeitado”, escreveu ela.

Edição: Giovanna Fávero
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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