Câmara de BH rejeita empréstimo milionário para obras contra enchentes

Vereadores votam projeto de empréstimo
Vereador favorável que se absteve tinha compromisso no momento da votação e foi decisivo para a rejeição do projeto (Karoline Barreto/CMBH)

Os vereadores de Belo Horizonte decidiram barrar, nesta terça-feira (16), um empréstimo milionário que viabilizaria a solução para o histórico problema de enchentes – e consequentes tragédias – na região da avenida Vilarinho. É o que argumenta a PBH (Prefeitura de Belo Horizonte), que esperava o sinal verde da Câmara para a contratação de operações de crédito no valor de 160 milhões de dólares – o equivalente a R$ 907 milhões. E o mais inusitado: o compromisso particular de um vereador, com berço eleitoral na região de Venda Nova e do partido do prefeito Alexandre Kalil (PSD), foi fundamental para frustrar as obras.

A rejeição ao projeto se deu depois que a liderança do governo na CMBH (Câmara Municipal de Belo Horizonte) não conseguiu os 28 votos necessários para a aprovação. O texto teve 27 votos a favor e 12 contra, e o vereador Cláudio do Mundo Novo (PSD), do mesmo partido do prefeito Alexandre Kalil, se absteve. Ao BHAZ, o parlamentar afirmou que já tinha um compromisso marcado para a tarde de hoje, já que a votação estava marcada para esta manhã. Com o adiamento, o vereador não conseguiu participar da segunda reunião extraordinária até o momento de votar.

“Na parte da manhã estava acertado de fazer esta reunião, já estávamos posicionados para votar e o líder de governo esvaziou o plenário para votarmos à tarde. Eu já tinha um compromisso à tarde, então marquei minha presença e votaria remotamente. Até o pedido de verificação, eu estava presente, e na votação não consegui fazer. Infelizmente, ele tinha que ter conseguido mais vereadores para votar a favor do projeto, que é muito importante para a regional Norte, para a comunidade do Isidoro”, explicou Cláudio do Mundo Novo.

Projeto de Lei 1026/2020 teve sua votação adiada na semana passada, para que a prefeitura pudesse esclarecer as dúvidas dos parlamentares acerca do empréstimo, que poderia ser feita junto ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) ou outra instituição financeira. Vereadores que se opuseram ao PL, como integrantes da bancada do Novo na CMBH, afirmam que o texto não detalhava o direcionamento do dinheiro a ser recebido e alegaram falta de diálogo por parte da PBH. Já os parlamentares que votaram a favor destacam a importância que o empréstimo traria para o combate às enchentes na região e para as famílias afetadas.

Votos CMBH
Texto precisava de 28 votos favoráveis para ser aprovado (CMBH/Divulgação)

Sem perspectiva

O líder de governo Léo Burguês (PSL) lamentou que o projeto tenha sido rejeitado e não enxerga novas oportunidades para a PBH conseguir um empréstimo no mesmo porte em um futuro próximo. “Não temos mais tempo hábil para retornar o projeto para aprovação do Banco Mundial. Eles já se posicionaram, por e-mail, fechando a janela do empréstimo do Bird. Não temos luz de um projeto, agora, para captar um recurso tão grande como este, com um financiamento específico”, afirmou o vereador ao BHAZ.

“É lamentável. No dia em que o prefeito e o governador se unem para enfrentar o problema da Covid-19 em BH, a Câmara Municipal decide, por questões menores, políticas, privar talvez a população com a menor infraestrutura – da ocupação Izidora – e com maior problema de enchentes – na Vilarinho – de terem a solução para o problema deles”, completou. Já o vereador Cláudio do Mundo Novo, cuja abstenção foi decisiva, é mais otimista: “É claro que este projeto é longo, demorado, não vai se realizar agora, mas pelo menos já começava a fazer o pedido no banco e daqui a uns anos começar a obra lá. Acho que mês que vem a gente consegue voltar a esta pauta, com algumas melhoras no projeto”.

Quatro córregos formam a chamada Bacia do Isidoro: Vilarinho e Nado, em Venda Nova; Terra Vermelha e Floresta, na Região Norte de BH. Com o dinheiro do empréstimo, a PBH esperava autorizar a construção de bacias de contenção (reservatórios) e resolver questões urbanísticas em áreas de risco que estão localizadas no entorno da Bacia. Só na ocupação Izidora, vivem hoje cerca de 30 mil pessoas.

População vulnerável

Até mesmo parlamentares que fazem oposição declarada à gestão do prefeito Alexandre Kalil, votaram a favor do projeto nesta tarde. É o caso da vereadora Iza Lourença (PSOL), que cresceu na região de Venda Nova e já sentiu na pele os efeitos das enchentes constantes no local. “A minha oposição se dá principalmente pelas ações, nos últimos anos, em relação às populações mais vulneráveis, em especial sobre enchentes. Agora que a prefeitura apresenta um projeto que poderia resolver, ou ajudar em parte importante, o problema na cidade, onde pessoas já perderam suas vidas, eu não poderia votar contra”, explicou ela ao BHAZ.

“Onde cresci, enfrentei muitos problemas, já não consegui ir à aula porque a avenida Vilarinho estava alagada. Já teve um caso de uma mãe e filha que morreram abraçadas no carro tomado por uma enxurrada. Era um projeto a favor da vida, de uma urbanização melhor, principalmente para a periferia, [votar a favor] era meu dever enquanto representante do povo. É um crime contra a vida das pessoas não votar a favor do projeto, que traria recursos substanciais para uma região periférica. Votar contra é dizer que situações como essas, mortes, podem voltar a acontecer”, completou.

Papel fiscalizador

Já a vereadora Marcela Trópia (Novo), que votou contra a aprovação do projeto, ressalta o papel fiscalizador da CMBH frente às competências da PBH. “Foi um debate muito focado nos argumentos técnicos. A bancada do Novo não era contra o projeto, e sim contra a forma com que ele foi apresentado. Tentaram empurrar um projeto que não tem previsão sobre como vão ser as obras, não tem planilha financeira, planejamento, não explica como vão pagar”, justifica.

A parlamentar se opôs, ainda, ao investimento em uma terra sem regularização fundiária concluída, onde vive a ocupação Izidora. “A região ainda é de propriedade privada, não tem garantia, nenhum acordo formal da PBH, de que daqui a dois anos, quando chegasse o dinheiro, essas irregularidades estariam resolvidas. Não podemos dar um cheque em branco para a prefeitura. Ela precisa apresentar argumentos, responder dúvidas, se aproximar”, finalizou Marcela Trópia.

Do outro lado, Iza Lourença condena que a população da ocupação Izidora seja privada de melhorias trazidas por investimentos públicos. “Essas pessoas sofrem sem saneamento básico, sem energia, e merecem ser vistas com mais respeito pelas autoridades. Quem mora em ocupação não mora porque quer, é porque foi marginalizado pelo Estado, que tirou deles o direito de trabalhar e ter uma vida digna. É dever do Estado investir para que essas pessoas possam sobreviver dignamente. A CMBH não pode ser contra quem mais precisa do Estado”, defende a vereadora.

Favoráveis lamentam

Vários vereadores lamentaram a derrota, destacando os prejuízos à população da região com a não execução das obras. “A gente estava discutindo os direitos das famílias de Venda Nova, da região Norte e da Izidora. Famílias em que as condições de vida são inimagináveis para muitos dos vereadores. É muito doloroso perder companheiros por falta de estrutura urbana. É muito doloroso ver que as negociatas políticas estiveram acima das pessoas. Não era sobre o Kalil, era sobre famílias que moram na região”, disse Bella Gonçalves (PSOL) na reunião.

Segundo Gilson Guimarães (Rede), que votou favorável ao financiamento, a derrota foi dos moradores das regiões Norte e Venda Nova. “Os vereadores que foram contra não sabem o que é perder suas casas. Quando chover, ofereçam suas casas para essas pessoas [atingidas pelas chuvas] ou pelo menos um prato de comida. Vocês também serão fiscalizados por esta população”, afirmou o vereador.

Álvaro Damião (DEM) também votou a favor do projeto e criticou os que foram contra. “É difícil conseguir um empréstimo desses e sabemos sobre quem sofre com as chuvas. Não aprovar por vaidade de alguns é um absurdo. Dia triste na Câmara”, destacou o parlamentar, que recebeu o apoio de Bruno Miranda (PDT). “Lamento profundamente o que houve aqui agora. Quando existe um fio de esperança, por vaidade, por joguete político, perdemos um projeto dessa envergadura”, disse Miranda. Os vereadores Claudiney Dulim (Avante), Duda Salabert (PDT), Wanderley Porto (Patri), Jorge Santos (Republicanos), e Macaé Evaristo (PT) também se manifestaram a favor da aprovação.

Com CMBH

Edição: Thiago Ricci
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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