Decisão em racismo envolvendo Ludmilla é ‘retrocesso’, diz especialista

Ludmilla
Ludmilla não recebeu indicação na categoria ‘Cantora do Ano’ e decidiu boicotar o prêmo (Reprodução/@ludmilla/Instagram)

A Justiça do Rio de Janeiro aceitou o recurso da empresária Val Machiori contra a condenação por danos morais contra a cantora Ludmilla, que ocorreu em 2016. Val tinha sido condenada a pagar R$ 30 mil por comparar o cabelo de Ludmilla a uma esponja de palha de aço. O comentário ofensivo foi considerado como “liberdade de expressão” pelo Tribunal de Justiça do Rio em decisão que ainda cabe novo recurso. Ao BHAZ, o especialista em crimes raciais e presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-MG, Gilberto Silva, explica que a decisão é um “retrocesso de direitos”.

“Essa decisão demonstra que a maioria das pessoas do Judiciário não estão preparadas para lidar com crimes raciais, e tampouco conhecer o contexto histórico do racismo estrutural e institucional. Essas formas de ofensas em relação ao estereótipo, aos fenótipos como cabelo, boca nariz, estão atreladas à uma raça que durante muitos anos foi escravizada. E mesmo depois da escravidão ainda vem sendo massacrada por uma outra etnia que faz com que essas pessoas se sintam inferiores”, explica Silva.

O caso teve início em 2016, durante um desfile de escola de samba Salgueiro, no Rio de Janeiro. Enquanto fazia comentários no programa de celebridades da Rede TV!, Val Marchiore disparou contra a cantora: “A fantasia está bonita, a maquiagem… Agora, o cabelo… Hello! Esse cabelo dela está parecendo um bombril”. Ao ser acusada de racismo, Val rebateu e disse que fez apenas um comentário jornalístico, que não houve xingamento e que era “zero racista”. A empresária publicou em seus stories do Instagram que “Justiça foi feita”.

Publicação foi feita em sua rede pessoal (Reprodução/valmarchiori/Instagram)

Liberdade de expressão?

O especialista da OAB de Minas esclareceu que existem diferenças entre a liberdade de expressão. É preciso observar todo o contexto histórico que o Brasil está inserido para observar que ações como essas são ocasionadas pela opressão às chamadas “minorias”, grupos de pessoas que de algum modo estão em desvantagem social em relação aos outros.

“Existem falhas em especificar quais atos vão concretizar como crime racial. Porém, é preciso contextualizar a história e a forma de tentar diminuir uma pessoa, sobretudo, pela sua etnia. Essas pessoas fazem isso com conotação à raça, não por liberdade de expressão. Se levarmos par ao lado de liberdade de expressão uma clara atitude de racismo, abrem-se precedentes para outras questões, como homofobia, transfobia, machismo, sexismo… Por decisões como essas as pessoas vão usar a analogia para ofender outras. A liberdade de expressão, quando passa para o lado do crime, não é liberdade de expressão.”

“Quando temos uma decisão dessa acaba reafirmando que o Brasil é um país extremamente racista, onde prevalece as vontades das pessoas não-negras. Vemos decisão como essas como retrocessos de direitos. Essa liberdade de expressão pode incitar as pessoas a praticarem o crime de ódio. A partir do momento que o racismo é levado como liberdade, todo e qualquer outro tipo de crime vai ser usado [com essa mesma justificativa]”, finaliza o presidente da comissão.

‘Não é fácil como parece’

Em suas redes sociais, a cantora Ludimilla mostrou sua indignação com a decisão do Judiciário. Ela afirmou que não foi a primeira vez que fez uma denúncia de racismo. “Essa não é a primeira, segunda ou terceira denuncia que eu faço. Eu também não sou a primeira a passar”, contou a artista.

Ludmilla também afirmou que, apesar de ter sofrido com a derrota nos tribunais, “não vai parar” de se posicionar contra qualquer tipo de crime racial. “E não é só por mim não! Uma hora as coisas vão ter que mudar. E no que eu puder usar a minha visibilidade pra ajudar nessa mudança, eu juro pra vocês que eu vou!”, escreveu.

Racismo é crime

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal, e gera prisão de dois a cinco anos.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos. Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative

Edição: Thiago Ricci
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

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