PBH já executa obras na Vilarinho, mas veto da Câmara inviabiliza projeto

Enchente Vilarinho
As inundações são um problema frequente na região da Vilarinho (Reprodução/@metrodebh/Twitter)

A praticamente seis meses do início do período chuvoso mais intenso e com o empréstimo milionário barrado pelos vereadores – que viabilizaria a solução quase definitiva para os alagamentos na região de Venda Nova -, fica a grande dúvida para o belo-horizontino: além das mazelas trazidas pela Covid-19, o morador terá que conviver mais uma vez com as enchentes? A PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) não tinha dinheiro para fazer obras na região?

O BHAZ conversou com a secretária de Política Urbana, Maria Caldas, uma das responsáveis pelo projeto do Complexo da Vilarinho; questionou a gestão municipal sobre pontos levantados pelos legisladores que barraram o empréstimo e esmiuçou o plano de obras que, segundo a gestão municipal, praticamente solucionaria as enchentes nas regiões Norte e de Venda Nova.

A resposta para a última pergunta do parágrafo inicial desta reportagem é: sim, a PBH não só está com dinheiro em caixa para fazer intervenções em Venda Nova, como obras já estão sendo executadas. E, conforme Maria Caldas, intervenções já ficarão prontas antes do próximo período chuvoso. “A primeira etapa já vai mitigar muito, amenizar os efeitos das chuvas mais frequentes, essas chuvas de verão. Hoje, qualquer volume de chuva já causa alagamento”, diz, em entrevista exclusiva ao BHAZ.

O grande problema que se formou após vereadores barrarem o empréstimo não é em relação a etapa atual, mas sim à fase final, que conseguiria praticamente dar fim aos alagamentos na região. “Protegeria a população dos efeitos das chuvas de maior intensidade, como aquelas que ocorrem entre 25 e 50 anos”, esclarece a secretária e arquiteta Maria Caldas.

O “praticamente” fica por conta de chuvas excepcionais, como a ocorrida no início do ano passado, a maior já registrada em BH. O temporal chegou a ser chamado como chuva de mil anos, uma referência para dizer que essa intensidade ocorre com um intervalo de mil anos.

O BHAZ vai esmiuçar o projeto pra você.

Etapas

O projeto de obras na região da avenida Vilarinho tem três fases. A primeira já está em andamento e diz respeito a uma estrutura hidráulica que vai realizar a captação do escoamento de água do Ribeirão Isidoro. Essa obra está sendo realizada com recurso do Fundo Municipal de Saneamento Básico, no valor de R$10 milhões. A prefeitura garantiu que a obra vai ser entregue ainda em outubro deste ano, antes do início do período chuvoso na capital. A previsão anterior era de março do ano que vem.

Já a fase dois, mais robusta, abrange seis obras (veja abaixo a lista completa das intervenções): a construção de quatro reservatórios; o aumento do volume do Reservatório Vilarinho; e a readequação dos reservatórios Várzea da Palma. Todas as seis obras têm previsão de entrega de três anos, a partir da data de início. No momento, apenas um reservatório, no córrego Lareira, está em execução.

Essa segunda fase utiliza de recursos da Caixa Econômica Federal. No ano passado, a prefeitura assinou um contrato de convênio com a instituição pública, de R$ 200 milhões, para as obras no Complexo da Vilarinho.

Esse conjunto – as duas fases – soluciona os efeitos de chuvas cotidianas e daquelas que aparecem com a frequência de dez anos, na sub bacia do Vilarinho e do Nado. “Com as mudanças climáticas, e a consequente mudança no regime de chuvas, os cálculos matemáticos da engenharia hidráulica já não são mais os mesmos. Os eventos extremos são cada vez mais frequentes. A primeira e segunda fase darão conta de resolver apenas as chuvas com recorrência de 10 anos”, explica a secretária de Política Urbana.

Para resolver – quase – por completo o problema histórico dos moradores da região, a última e terceira fase do projeto precisaria ser realizada. Nessa última etapa, a construção de cinco reservatórios e a ampliação de um existente protegeria a população de chuvas com maior intensidade, que aparecem com a frequência de 20 e 50 anos.

Sem o investimento da instituição internacional, contudo, barrado pelos parlamentares municipais, a fase três não consegue ser executada e projeto não pode ser concluído (leia mais abaixo).

Apoio da ONU

O empréstimo junto ao Banco Mundial de 164 milhões de dólares – R$ 895 milhões na cotação atual – destinava-se a complementar o conjunto de obras necessárias. Para as inundações em Venda Nova, seriam destinados cerca de 83 milhões de dólares – R$ 453 milhões na cotação atual – para a execução dos seis últimos reservatórios. Mais 81 milhões de dólares – R$ 442 milhões na cotação atual – seriam utilizadas para a urbanização e preservação ambiental de assentamentos precários como Esperança, Vitória, Rosa Leão e Helena Greco, na Isidoro.

Este último ponto, inclusive, foi alvo de críticas de alguns legisladores. A região detém as únicas florestas remanescentes na capital e a única representação do Cerrado. A gestão das florestas estava envolvida no financiamento. “Isidoro é uma região super importante pra BH, por suas características ambientais e porque, sozinha, representa 20% da área permeável do município”, explica a arquiteta.

A importância ambiental da região e para a resiliência da capital é tão grande que a ONU se interessou pelo projeto e estava trabalhando com a prefeitura. “Se a gente não recuperar as nascentes, os córregos, não preservar as áreas que ainda não foram ocupadas, nós vamos piorar muito a questão ambiental aqui. Dada a importância que isso tem, agências internacionais se interessaram pelo caso e fizemos um termo de cooperação com a ONU para trabalhar no projeto”, diz.

O planejamento era de usar essa oportunidade para fazer uma urbanização 100% sustentável e um modelo que poderia ser replicado no mundo inteiro. “A intenção era buscar tipo de pavimento alternativo, adotar a produção de energia lá mesmo, reuso de água, agricultura urbana, pesquisar novas alternativas pra moradia, produção habitacional, reciclar todo o lixo, virar um projeto de geração de renda e um case de sustentabilidade”, pontua.

“Sem contar que o financiamento viabilizaria infraestrutura para as quase 5 mil famílias que estão lá, que moram de forma absolutamente precária. Perdemos uma chance de assegurar a recuperação ambiental da última grande área vazia em BH”, lamenta.

O que acontece agora?

O contrato com o Banco Mundial envolvia o financiamento da drenagem no Vilarinho e o projeto inovador no Isidoro. Com o crédito rejeitado pela CMBH, a prefeitura não tem dinheiro para fazer o investimento. “Nenhum município tem recurso pra fazer um conjunto de obras dessa natureza. É muito recurso e arrecadamento próprio não tem, só existe a solução de captação de recurso externo. Quando a gente vai buscar recurso externo, só tem duas alternativas: empréstimo no banco ou repasses de recursos do governo federal”, explica a secretária.

Com o empréstimo rejeitado pelos vereadores, as alternativas se esgotaram para a capital mineira. No momento, a União não tem nenhuma linha de financiamento para o município. “O governo federal não tem nenhum programa para a cidade nem nenhum projeto em aberto. Não tem onde bater. O governo federal não está investindo em obra na cidade, urbanização, nada”, esclarece.

Isso não invalida as construções em andamento. “As obras funcionam de forma independente. Cada obra dessas tem o que chamamos de funcionalidade garantida, então o reservatório, qualquer um desses vai funcionar isoladamente, vai drenar e contribuir para evitar enchentes naquela bacia. Cada um dos reservatórios permitirá a retenção de água de chuva, melhorando a condição geral do sistema de drenagem”.

A secretária de Política Urbana explica que o projeto ainda vai continuar, mas, como de costume, a passos muito lentos. “Com recurso próprio a gente vai fazendo devagar, faz uma obrinha, faz um reservatório, faz outro reservatório… isso leva séculos, tanto é que até hoje ninguém resolveu esse problema, que precisa de um investimento muito grande”, lamenta.

Com a decisão dos parlamentares, as enchentes podem continuar atormentando – e tirando vidas – de moradores de Venda Nova ainda por um bom tempo. “A Câmara decidiu, está decidido. De nossa parte, vamos continuar a fazer os projetos e executar o que for possível com recursos próprios, no ritmo que for possível fazer. Nós temos responsabilidade com a cidade, então tudo que estiver ao nosso alcance, continuaremos fazendo. Agora, quando chover… nós vamos ter que lembrar desse momento, não é?”, finaliza Maria Caldas.

‘Herança maldita’

Vereadores que se opuseram ao PL afirmam que foram contra o empréstimo – e não as obras. O valor da concessão, os juros em dólares e a “herança” de uma dívida pública são alguns dos argumentos apresentados para a população. A secretária municipal, contudo, não vê fundamento na justificativa. “Eu não sei por que eles estão falando isso. Primeiro que Belo Horizonte é considerado um dos municípios com a melhor gestão financeira do Brasil, tanto é que o empréstimo conseguiu passar pelo Ministério da Economia, ou seja, foi analisado e aprovado pelo avalista que é governo federal”, esclarece.

Ela explica que os órgãos federais já tinham dado o sinal verde para a obtenção do crédito. “Isso significa que a capacidade de contrair o empréstimo, de se endividar e de pagar a dívida foi analisada pelo governo federal por meio da Cofiex (Comissão de Financiamentos Externos), e pelo Banco Mundial, e se o empréstimo foi autorizado é porque obviamente apresentamos as condições para tanto”, relata.

“Esse argumento carece de fundamento. Seria mais fácil comparar o que deixamos de pagar de empréstimo com o que nós vamos gastar socorrendo as vítimas, do que a cidade vai perder em negócios parados, em pessoas atingidas por acidentes, em doenças transmitidas por causa de saneamento básico, em crise ambiental. Isso é um argumento que não se sustenta”, pontua.

Para a secretária, o valor do empréstimo não é o mais importante. “O valor não é muito, a necessidade é que é muito grande. Resolver o problema de enchente, resolver um problema ambiental e urbano dessa gravidade demanda recursos. Nós tivemos a oportunidade de captá-lo, dentro de uma estratégia planejada e de forma compatível com a nossa capacidade de endividamento e pagamento. Sendo assim, não interessa se é muito ou se é pouco, o que interessa que é necessário e o município é capaz de fazer”, argumenta.

E os comerciantes?

Outra crítica de alguns parlamentares diz respeito aos comerciantes. Vereadores que são contrários ao fechamento do comércio para brecar o avanço da Covid-19 e votaram contra a proposta da prefeitura questionaram a destinação do dinheiro do empréstimo. Um grupo de vereadores argumentou que o crédito internacional deveria direcionado para os empresários e desempregados pela pandemia.

A secretária de urbanização explicou que os bancos precisariam apresentar interesse por esse tipo de investimento. “Se eles encontrarem esse banco que fomenta isso, até interessante para trazer para o município ver. Qual banco que fomenta empréstimo para comerciantes, que não seja um banco estatal?”.

“A linha de financiamento para comerciante é outra coisa, é outro banco que fomenta. O BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais), por exemplo, que precisava ter essa linha de financiamento, o governo federal tem que fazer isso. O município tem que fazer obras. As coisas não se confundem”, explica.

Detalhe das obras

  • Etapas iniciais:

Fase 1 (R$10 milhões): (1) Estrutura Hidráulica de Captação de Escoamentos Superficiais – 10 mil m³ (emboque do Ribeirão Isidoro) – Em execução

Fase 2 (R$200 milhões): (2) Reservatórios Lareira – operacional: 24.000m³. – Em execução
(3)Res. Vilarinho 2 (subterrâneo) – 115.000m³ (operac.: 105.700m³); -Licitado
(4) Res. Nado 1 (subterrâneo) – 115.000m³ (operac.: 105.700m³); – Licitado
(5) Aumento do volume do Reservatório Vilarinho existente de 88.000m³ para aproximadamente 148.000m³; – em elaboração de projeto básico
(6) Readequação dos vertedouros dos reservatórios Várzea da Palma (otimização para baixos tempos de retorno e manutenção dos 73 mil m³ existentes); – Em elaboração projeto básico
(7) Reservatório D. Pedro I (Lagoa do Nado 57 mil m³ existentes) + otimização do sistema 40.000m³, somando 97.000 m³; – Em elaboração projeto básico

  • Etapa final:

Fase 3 (U$ 164 milhões):
1) Reservatório do Capão Padre Pedro Pinto – 89.000m³;
(2) Reservatório Vilarinho 3 (subterrâneo) – 80.000m³;
(3) Ampliação do volume do Reservatório Liège existente de 51.000 m³ para cerca de 66.000m³;
(4) Reservatório do Córrego Candelária, (subterrâneo) – 30.000m³;
(5) Reservatório Nado 2 (subterrâneo) – 65.000m³
(6) Reservatório Anuar Menhen – 40.000m³
(7) Intervenções urbanísticas, com o objetivo era beneficiar assentamentos precários como Esperança, Vitória, Rosa Leão e Helena Greco, e recuperação de nascentes e cursos d’água e a implantação de parque público e áreas de preservação ambiental.

Edição: Thiago Ricci

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