O Nazipardo

Filipe Martins gesto supremacista
Filipe Martins faz gesto considerado supremacista atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (Reprodução/TV Senado)

Existe um fenômeno curioso no brasil: o fascínio pela ascendência europeia.

A pessoa herdou o sobrenome europeu de um de seus oito avós e já se sente uma legítima integrante da mais lídima linhagem ariana.

Não importam seus outros sete avós: o sobrenome europeu é o salvo-conduto que a coloca acima da miscigenada sociedade brasileira.

O autoengano chega a ser comovente: a pessoa sabe a precisa localização da vila em que seu tataravô nasceu e costuma dizer, ao voltar de uma viagem à Europa, que sempre era confundida com uma espanhola ou grega, em virtude de sua tez azeitonada…

Entenda que não vai aí nenhum juízo de valor com relação a essa postura. É antes uma constatação que uma crítica.

O brasileiro que se quer branco

É perfeitamente compreensível que em um país tisnado por quatro séculos de escravidão negra e pelo genocidio dos povos originários, as pessoas não queiram ressaltar os traços que poderiam lembrar sua origem indígena ou africana.

Entende-se que as pessas queiram negar ou se afastar de suas origens, quando estas podem ser o pretexto para a dor, o preconceito e a discriminação que lhes são infligidas.

Na verdade, não devemos subestimar o racismo estrutural, profundamente impregnado na sociedade brasileira, e nem os seus efeitos sobre nosso comportamento.

É também compreensível que os brancos no Brasil se considerem realmente brancos. Isolados na América do Sul, ignoramos quão brancos podem ser os gringos e o quão distante estamos de sua cútis.

O Nazipardo

Essa autoindulgência étnica, por assim dizer, revela muito de nossa sociedade. Mas é completamente incompreensível quando “autoriza” a pessoa a mostrar-se abertamente racista.

Poderia apenas ser ridículo o brasileiro apoiar movimentos supremacistas brancos, como bem retratado em uma cena do filme Bacurau, quando os sulistas que auxiliam os caçadores norte-americanos são mortos depois de insistirem que seriam mais brancos e mais civilizados do que os moradores do vilarejo.

A situação, no entanto, não é apenas cômica.

O simples apoio a esses movimentos, mesmo que velado, é, por si só, asqueroso. É inaceitável que alguém possa endossar grupos que defendam a superioridade de uma determinada “raça” sobre todas as demais, autorizando os seus integrantes a matar, torturar, discriminar e perseguir outros indivíduos apenas pelo tom de sua pele.

Mas quando esse apoio é publicamente exposto, o asco é ainda maior. E o sentimento ainda é pior quando expressado por um “branco” brasileiro, um autêntico nazipardo.

Um supremacista no governo?

Na semana passada, um assessor presidencial, assentado logo atrás do Presidente do Senado Federal, fez um gesto associado a movimentos supremacistas brancos. Foi flagrado pelas câmeras de televisão, mas ele tampouco havia feito menção de se esconder. Pelo contrário, parecia satisfeito ao exibir o sinal.

Quando inquirido, saiu-se com a desculpa de que estava apenas ajeitando a lapela de seu paletó. O símbolo supremacista estaria na cabeça dos outros, não nos seus gestos…

Vamos presumir que ele estivesse falando a verdade. Podemos dar-lhe o benefício da dúvida. Afinal, tantas pessoas tem tiques e maneirismos tão estranhos, que pode até ser que ele tenha o hábito de arrumar a lapela de uma forma muito pouco usual – além de nada eficiente.

No entanto, uma vez apontada a “coincidência” entre o ato por ele praticado e o símbolo adotado pela extrema-direita, o mínimo que se esperava era uma postura firme contra a insinuação de que estaria fazendo um sinal supremacista.

Qualquer um, na mesma situação, faria questão de deixar muito claro que não aprova qualquer movimento racista. E faria questão de registrar que não quer ser confundido com um supremacista que defende o white power.

O Retorno das Galinhas Verdes

A postura tíbia do assessor permitiu evocar vários outros episódios que se inspiraram na estética nazista e que foram performados por membros do atual governo. Nenhum dos quais, a propósito, publicamente repudiado.

Do mesmo modo que Trump se recusou a criticar os Proud Boys durante um debate, o governo Bolsonaro se recusa a condenar os atos supremacistas praticados por seus apoiadores.

Poderíamos até dizer que os apoia. Basta lembrar do vídeo massivamente divulgado pelas redes bolsonaristas em que um grupelho, com calças militares e camisas pretas, desfilou em frente ao condomínio do presidente, no dia de seu aniversário (confira aqui).

As novas Galinhas Verdes se organizaram em uma versão tupiniquim do incrível exército de Brancaleone e se colocaram à disposição do presidente para defendê-lo das forças comunistas que o impedem de governar. Como se, além da pandemia, ainda precisássemos de grupos paramilitares…

Perdido na guerra cultural

Ao angariar o apoio de grupos absolutamente minoritários, tais como os supremacistas brancos, os antivax, os terraplanistas, os colecionadores de armas e caçadores, o governo acaba por dar voz e visibilidade a bandeiras que em nada contribuem para o aperfeiçoamento da sociedade.

Tirando os votos que esses grupos poderiam lhe render, que nem são tantos assim, qual contribuição efetiva pode se esperar desse multifacetário quadro ideológico que combate o “globalismo”, as vacinas, a ciência e a democracia?

A ala ideológica do governo federal já sofreu, felizmente, pesadas baixas desde o início do mandato de Bolsonaro, mas ainda não foi totalmente vencida. Já é hora de enviar toda essa gente de volta ao esgoto de onde nunca deveriam ter saído.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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