Prostitutas de BH fazem greve por prioridade na vacinação contra Covid

guaicurus
Manifestação presencial está marcada para esta segunda, na Guaicurus (Reprodução/Streetview)

Mesmo vazias em função das medidas de isolamento impostas pelo governo, as ruas de BH ainda mostram que os impactos da pandemia de Covid-19 são bem mais fortes em grupos marginalizados. É o caso das prostitutas da capital, por exemplo. Com hotéis e boates fechados, elas acabam se arriscando nas ruas e se expondo ao vírus e a vários tipos de violência na tentativa de sustentar as famílias – e muitas não têm conseguido. Por isso, elas paralisaram os trabalhos nesta semana e vão fazer uma manifestação na próxima segunda-feira (5) para reivindicar que sejam incluídas no grupo prioritário da vacinação.

“Nós não conseguimos passar por essa pandemia ainda, muitas mulheres contraíram o vírus e agravou muito mais. São mães de família. A gente entende e defende o isolamento, mas não dá para fazer isolamento social com o filho passando fome”, pontua Cida Vieira, presidente da Aprosmig (Associação de Prostitutas de Minas Gerais), em entrevista ao BHAZ. Segundo ela, as trabalhadoras temem contrair o vírus e se esforçam para cumprir as medidas sanitárias, mas muitas não têm escolha senão se arriscar nas ruas na tentativa de conseguir dinheiro para pagar as contas e bancar a família.

“Muita gente está em casa, com as boates paradas, até porque os clientes também estão em isolamento. Mas muitas estão na rua, o que é uma violência”, conta Cida. A presidente da entidade reforça ainda que a falta da vacinação contribui para aumentar os preconceitos que já dificultam as vidas dessas mulheres. “Queremos ser vacinadas para evitar o que aconteceu no passado com o HIV, por exemplo, que todo mundo achava que a gente era fonte de transmissão. As pessoas tinham medo de se contaminar e agora acontece a mesma coisa”, explica.

Violência contra a mulher

Segundo Cida, a intenção das prostitutas não é “furar a fila” da vacinação. Pelo contrário, o que elas querem é que autoridades municipais, estaduais e federais validem as reivindicações do grupo e tratem com a mesma seriedade com que recebem os pedidos de qualquer outro setor. “Somos mulheres, mães e avós que estão no grupo de risco sim. Além de termos que levar [o vírus] para dentro de casa, há um preconceito de nos incluir e isso é uma violência contra a mulher”, denuncia.

“Nós estamos ali para levar o sustento, nós pagamos contas, pagamos água e luz”, pontua. Cida aponta ainda um outro papel social frequentemente exercido pelas prostitutas, mas ignorado pelo resto da população: “Nós evitamos estupros, evitamos alguns homicídios”. É que, além de procurar as mulheres por sexo – o que não acabou na pandemia -, muitos dos clientes usam o tempo com elas como uma forma de “desabafo”, já que esse tipo de comportamento, quando parte de homens, é reprimido na maioria das esferas sociais.

É a soma de todos esses fatores que faz crescer a importância de se considerar as prostitutas como parte do grupo prioritário da vacinação, conforme aponta a presidente da associação. “Nós somos um grupo prioritário. É uma violência muito grande, há uma tortura psicológica sobre isso. Nós sabemos que tem uma hierarquia para a vacina, mas queremos que essa hierarquia nos inclua, que o próprio presidente olhe para nós. Que olhem para as mulheres que estão sendo violentadas, que estão sendo mortas”, pede.

Arrimo de família

Além disso, Cida Vieira aponta que o preconceito impede que a sociedade veja que os mesmos desafios encarados por outros belo-horizontinos também chegam às prostitutas. Frequentemente ignoradas, elas encaram os mesmo problemas – a única diferença é que boa parte das pessoas parece não se comover. “A gente aqui tem que encarar [a pandemia] como todo ser humano. A variante veio, não temos mais o que comer em casa, estamos passando dificuldades como todos os outros”, afirma.

A presidente da Aprosmig conta ainda que algumas das mulheres chegaram a conseguir acesso ao auxílio emergencial, mas muitas não puderam contar nem mesmo com esse alívio. “Fica ainda pior, os donos não querem saber de aluguéis, muitas meninas foram cobradas e tiveram que deixar seu local, estão sem lugar de ir. Tudo isso a gente está sofrendo e ninguém está vendo. Cadê as vacinas daquelas que são arrimo de família?”, pontua.

Além do preconceito, muitas das mulheres estão desempregadas, enfrentam situações delicadas dentro de casa ou até mesmo não têm mais onde morar. Para evitar que essas últimas fiquem nas ruas, expostas a violências ainda maiores, a associação conseguiu um abrigo temporário para acolhê-las e pede ajuda com doações, mas entende que essas são soluções temporárias e não resolvem o problema.

‘Estamos sendo massacradas’

Diante dessas dificuldades, as trabalhadoras decidiram paralisar as atividades nesta semana e já planejaram manifestações para os próximos dias. Uma delas será nesta segunda-feira (5), às 9h, na rua Guaicurus, no Centro. Com faixas e palavras de ordem, um grupo vai se mobilizar para reforçar o pedido de prioridade na vacinação. “Muitas não vão poder aparecer porque estão com medo de levar o vírus para casa. Mas vamos dizer para a prefeitura que queremos sim, precisamos da vacina”, afirma Cida.

“Estamos aqui, pacíficas, pedindo que nos olhem. Estamos aqui sendo massacradas. Essas mulheres estão sendo estupradas e violentadas, e vocês [governo] não criam políticas públicas por causa do preconceito”, continua a presidente. Ela afirma ainda que a associação já contatou as administrações municipal e estadual, que informaram que o cronograma de vacinação segue as regras do PNI (Plano Nacional de Imunização), regulado pelo Ministério da Saúde.

Por isso, a ideia é que as reivindicações sejam ecoadas até as camadas mais altas do governo. Também nos próximos dias, a associação vai criar e disponibilizar um manifesto online, que as prostitutas e qualquer outra pessoa poderão assinar para contribuir com a luta sem precisar sair de casa e se expor ao risco de contrair o coronavírus. “Vamos ter um pequeno grupo lá [na rua], com todos os protocolos, mas também vamos fazer o manifesto. Tem muitas meninas querendo participar”, conta Cida.

‘Amamos a nós e ao próximo’

Segundo a presidente da Aprosmig, o medo e o preconceito atingiram uma camada ainda mais subjetiva com a pandemia: muitas das mulheres preferem não contar que estão com suspeita ou diagnóstico confirmado de Covid-19 para fugir da estigmatização. “Já teve até óbito, mas, devido ao preconceito, muitas nem estão comentando, porque aí a pessoa vai ter mais medo de conversar com essa mulher. A maioria já está com problema mental, a sociedade está adoecendo mentalmente, então, com isso, a gente está desenvolvendo várias questões”, pontua Cida.

As mulheres acreditam que, com a inclusão do grupo na fila da vacinação, esses problemas diminuam não só para as trabalhadoras, mas para clientes e outros grupos afetados indiretamente. “Estamos vendo várias pessoas tentando suicídio, se apavorando e essa não é a ideia. É uma questão de amar. Nós amamos a nós e amamos o próximo e, por isso, a gente tem que estar no isolamento. Mas, para isso, o governo tem que criar formas para que a gente consiga ficar no isolamento sem se prejudicar e multiplicando esse cuidado com o outro”, conclui.

Peça ajuda

Ligações para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que auxilia na prevenção do suicídio, passaram a ser gratuitas em todo o país em julho de 2017. Um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, assinado naquele ano, permitiu o acesso gratuito ao serviço, prestado pelo telefone 188.

Por meio do número, pessoas que sofrem de ansiedade, depressão ou que correm risco de cometer suicídio conversam com voluntários da instituição e são aconselhados. O serviço funciona ininterruptamente, 24 horas por dia, oferecendo um espaço seguro, gratuito e totalmente sigiloso para pessoas que precisem ou desejem conversar. Além do telefone, o atendimento também é feito por meio de chat, no site do CVV (acesse aqui).

A ligação gratuita para o CVV começou a ser implantada em Santa Maria (RS), há oito anos, após o incêndio na boate Kiss, que matou 242 jovens no dia 27 de janeiro de 2013. O centro existe há 55 anos e tem mais de 2 mil voluntários atuando na prevenção ao suicídio. A assistência também é prestada pessoalmente e por email.

Edição: Vitor Fernandes
Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

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