STF interrompe julgamento sobre liberação de cultos religiosos presenciais

Igrejas abertas durante pandemia
STF deliberou sobre realização de missas e cultos hoje (Amanda Dias/BHAZ)

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender, nesta quarta-feira (7), o julgamento que pode vetar, ou não, os cultos religiosos presenciais em todo o Brasil. Essa é uma das medidas tomadas pelos governadores e prefeitos para frear a propagação e contaminação pela Covid-19 no momento mais crítico da pandemia no país.

Durante a sessão, o ministro Gilmar Mendes fez duras críticas às posições do advogado-geral da União, André Mendonça, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, e afirmou que apenas uma visão negacionista do coronavírus permitiria impedir que governadores e prefeitos vetassem celebrações religiosas presenciais. A análise do caso será retomada amanhã (8).

Embate prévio

Antes de hoje, os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes já tinham travado um embate. No sábado (3), Marques autorizou a realização dos cultos em todo o país (leia na íntegra a decisão). Dois dias depois, o ministro Gilmar Mendes negou o pedido do PSD (Partido Social Democrático) pelo fim do decreto do governo do estado de São Paulo, que proibia as reuniões religiosas.

Por conta da importância do tema, Gilmar Mendes pediu que o processo fosse incluído pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux, para ser votado em Plenário. Assim, representantes do PSD, que se opuseram ao decreto estadual para frear a Covid, apresentaram argumentos durante a sessão. A maioria deles falaram que as igrejas servem como ponto de apoio para pessoas com depressão e ideações suicidas causadas pelo isolamento.

Clima quente

Antes mesmo de Gilmar votar, o presidente da corte, Luiz Fux, deu o tom do julgamento ao responder o advogado do PTB, Luiz Cunha, que criticou a posição em favor do fechamento de templos e igrejas. “Para aqueles que hoje votarão pelo fechamento da casa do senhor, cito Lucas 23, versículo 34: ‘Então ele ergueu seus olhos para o céu e disse: pai perdoa-lhe, porque eles não sabem o que fazem'”, disse Cunha.

Fux disse que essa “misericórdia divina” não pode se direcionar ao STF porque ela só serve para quem é omisso. “Essa é matéria que nos impõe escolha trágica e que temos responsabilidade suficiente para enfrentá-la. Nossa missão de juízes constitucionais, além de guardar a Constituição, é de lutar pela vida e pela esperança”.

Gilmar, por sua vez, criticou os chefes da AGU e da PGR e afirmou que é necessário impor medidas de restrição de locomoção da população para conter o avanço da pandemia. O ministro atacou a comparação feita por Mendonça em sua sustentação oral sobre o fato de igrejas e templos estarem fechados enquanto o transporte público segue lotado.

“Quando fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente do coletivo, e fala do problema do transporte aéreo, eu poderia ter entendido que sua excelência teria vindo agora para a tribuna de uma viagem a Marte e que estava descolado de qualquer responsabilidade institucional”, disse.

O magistrado afirmou que Mendonça tem responsabilidade sobre o tema. “Fui verificar aqui e verifiquei que era ministro da Justiça até recentemente e que tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas: à União cabe legislar sobre diretrizes da política nacional de transporte”, afirmou.

Em referência ao chefe da AGU, o ministro disse que “está havendo um certo delírio nesse contexto geral”. Em relação a Aras, o ministro criticou o fato de o chefe da PGR ter afirmado que ele não deveria ser o relator e que o caso deveria ficar com Nunes Marques. Gilmar classificou a medida de Aras como uma “estratégia processual que beira a litigância de má-fé”.

O ministro classificou como “surreal” afirmar que decretos contra abertura de templos e igrejas tenham “algum motivo anti-cristão”. Também criticou a atuação do governo de Jair Bolsonaro na pandemia. “É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais”, disse.

‘Dispostos a morrer’

Já Mendonça afirmou que os cristãos estão dispostos a morrer pela fé e fez diversas citações à Bíblia e a Deus. Essa foi a primeira sustentação oral de Mendonça no STF nesta segunda passagem na AGU. Ele iniciou o governo Bolsonaro à frente do órgão, mas havia sido deslocado para o Ministério da Justiça.

Mendonça é cotado para ser indicado pelo presidente à vaga do Supremo que será aberta em julho com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio.

Com diversas citações à Bíblia e a Deus, Mendonça afirmou que este julgamento não é um debate entre vida e morte e que vivemos atualmente em uma “sociedade tensa” em que parece ser proibido divergir da posição de outras pessoas.

“Ser cristão, em sua essência, é viver em comunhão em Deus e com o próximo. A Constituição não compactua com a discriminação das manifestações públicas de fé”, disse. Ele afirmou que a celebração religiosa deve ser presencial.

“Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos, jamais, a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e culto. Que Deus nos abençoe e tenha piedade de nós”, disse.

Aras, por sua vez, afirmou que nesse julgamento é preciso levar em consideração que o Estado é laico, mas as pessoas, não. “A ciência salva vidas, a fé também. Fé e razão que estão em lados opostos no combate à pandemia nestes autos, caminham lado a lado, em defesa da vida e da dignidade humana”, disse.

“Não há oposição entre fé e razão. Onde a ciência não explica, a fé traz a justificativa que lhe é inerente”, completou.

Recorde de mortes

Minas Gerais chegou mais uma vez ao número mais alto de vítimas da Covid-19, desde o começo da pandemia. Apenas nas últimas 24 horas, o estado registrou 508 óbitos, conforme o boletim epidemiológico mais recente, divulgado pela SES-MG (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais) hoje (7).

O estado, que está passando por uma sequência de recordes, tinha registrado o número mais alto apenas cinco dias atrás, quando 486 mineiros perderam a vida para a doença. Ao todo, 26.303 pessoas já se foram devido ao novo coronavírus no estado.

Além disso, Minas já tem 1.182.847 casos confirmados de infecção – mais de 13 mil desses registrados apenas no último dia. Outras 95 mil suspeitas de Covid-19 estão em acompanhamento pelo estado e podem contribuir para o agravamento ainda maior dos números.

O Brasil também apresentou mais um recorde ontem (6). O país registrou o maior número de mortes pela doença desde o início da pandemia, com 4.211 óbitos, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa integrado por Folha de S.Paulo, UOL, O Estado de S. Paulo, G1, O Globo e Extra.

Kalil rebate fala de ministro

O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), segue indignado com a decisão do ministro Kassio Nunes Marques que autorizou celebrações religiosas mesmo em meio a medidas restritivas contra a Covid-19. Nesta quarta-feira (7), o mandatário da capital mineira afirmou que o ministro deveria visitar uma UTI (Unidade de Tratamento Intensiva) antes de permitir os cultos religiosos. No último sábado (3), Kassio Nunes havia derrubado os decretos municipais e estaduais que proibiam missas e cultos presenciais.

Na entrevista, que foi concedida ao O Globo, Alexandre Kalil disse estar “estarrecido” com a medida do ministro Kassio Nunes Marques, e apontou que as decisões devem ter como base a ciência e os dados. “Fiquei estarrecido com a decisão. Ela fere a lógica do que está acontecendo no país. Nós estamos ensacando corpo, são 4 mil mortes por dia”. O prefeito disparou: “Uma decisão judicial deveria estar embasada em dados, em ciência. Ou então vem cá num hospital, põe uma máscara e visita uma UTI antes de decidir”.

Embora não concorde com a decisão, Kalil anunciou, no domingo (4), que a capital seguiria a ordem judicial dada pelo ministro. “Por mais que doa no coração de quem defende a vida, ordem judicial se cumpre. Já entramos com recurso e aguardamos a manifestação do Presidente do Supremo Tribunal Federal”, disse o prefeito de Belo Horizonte, em seu Twitter. Anteriormente, Alexandre Kalil havia dito que seguiria com o decreto municipal de proibir os cultos e missas presenciais, mas recuou após conversa com o procurador-geral da capital.

Com Folhapress

Edição: Thiago Ricci
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

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