Supervisora constrange grávida em empresa de telemarketing e trabalhadora será indenizada

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Mulher estava grávida na época do constrangimento (Imagens/TV Brasil)

Uma trabalhadora da área de telemarketing ganhou na Justiça um processo de abuso moral contra uma empresa do ramo em Belo Horizonte. Mãe de uma menina, ela acionou o local em que trabalhava por ser cobrada e constrangida pela supervisora enquanto estava grávida de outra criança. A superiora exigia que a mulher tomasse providências quanto aos cuidados com a primeira filha, que tinha 2 anos à época, para que a produtividade dela não fosse afetada no emprego. A ex-funcionária deve receber R$ 5 mil de indenização.

A decisão é da juíza Flávia Fonseca Parreira Storti, em sua atuação na 39ª Vara do Trabalho de BH, que também declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho, determinando o pagamento das verbas rescisórias devidas, bem como indenização substitutiva ao período de estabilidade da gestante.

Na ação, a empregada alegou que passou a sofrer assédio moral após comunicar a segunda gravidez à empregadora, o que foi negado pela defesa.  Ao analisar as provas, a magistrada concluiu que a empregadora ultrapassou limites ao entrar na intimidade da empregada para cobrar comportamentos na vida familiar e pessoal.

A conclusão se baseou em conteúdo de conversas extraídas de áudio apresentado nos autos. Em um dos trechos, a gestora disse à empregada: “se fosse hoje, você não seria contratada, porque toda semana você tá dando problema, toda semana você não tem com quem deixar a sua filha”. Mais adiante, afirmou: “hoje avaliando o seu cenário, avaliando o seu resultado, eu não acho que você vai ter condições de cuidar de duas crianças”.

Na decisão, a julgadora citou a íntegra do diálogo e observou que a gestora orientava a trabalhadora sobre os horários de trabalho, atrasos ocorridos e sua influência na verificação dos resultados. No entanto, reputou invasivas as considerações acerca de cuidados com os filhos, ainda mais porque a trabalhadora estava grávida.

“Ficou suficientemente demonstrado que a reclamante foi exposta a situação constrangedora e humilhante, eis que a autora, estando em estado gravídico, encontrando-se sensível e fragilizada, foi acusada pela preposta da ré de não ter capacidade de cuidar de seus dois filhos”, registrou na sentença.

Para a magistrada, não há dúvidas de que a conduta adotada pela ré “extrapola os limites da razoabilidade e do poder diretivo do empregador, ferindo a dignidade da reclamante e violando os preceitos de proteção à maternidade, assegurados constitucionalmente”. A indenização foi fixada em R$ 5 mil, levando em consideração diversos aspectos envolvendo o caso.

Rescisão indireta

A julgadora ainda declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base no artigo 483 da CLT, o que ensejou a condenação ao pagamento de verbas rescisórias como se a dispensa fosse sem justa causa. A juíza explicou que o artigo 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, da Constituição Federal de 1988 garante o emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Diante do contexto apurado nos autos, determinou o pagamento em forma de indenização substitutiva.

“Diante do constrangimento pelo qual passou a autora, que se mostrou, em audiência, abalada emocionalmente com os fatos ocorridos, entendo ser desaconselhável a manutenção do emprego, pelo que é devida a indenização substitutiva do período estabilitário”, destacou na decisão.

Recurso

O TRT de Minas Gerais confirmou os entendimentos. Em seu voto, o relator do recurso na Décima Turma, desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal, considerou que, a despeito de a intenção de fundo da gestora na conversa transcrita ser a cobrança de pontualidade e de organização do trabalho por parte da empregada, houve abuso no exercício do poder diretivo.

Para o relator, nitidamente, a gestora pressionou, de forma desarrazoada, a trabalhadora a tomar providências quanto aos cuidados de sua filha de dois anos. Assim como a juíza Flávia Storti, o magistrado entendeu que a empregadora adentrou, indevidamente, na esfera pessoal e familiar da trabalhadora, fatos que se agravaram ao se considerar que ela estava grávida e fragilizada emocionalmente.

 “Não se olvida que a compatibilização entre a vida profissional e a maternidade é questão por demais tormentosa para as mulheres e, lamentavelmente, na prática, embora há muito vigore o artigo 5º, I, da Constituição da República, dispondo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, certo é que a gravidez e a maternidade, embora primordiais para a constituição de qualquer sociedade humana, ainda são tidos como fatores que tornam a mão-de-obra feminina menos valorizada, em relação à masculina.”, destacou no voto.

Ainda segundo observou o relator, esse estigma, sob cuja ótica os filhos – “futuro da nação” – e a gravidez, são vistos como “entraves”, é nítido no discurso da preposta da empregadora, curiosamente também uma mulher…

O desembargador chamou a atenção para o fato de a CLT, diploma muitas vezes considerado ultrapassado, há muito preconiza a proteção ao mercado de trabalho da mulher, e também à pessoa da mulher, trabalhadora e gestante, ao dispor:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

[…]

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

[…]

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (grifos acrescidos; Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999).

Diante disso, pontuou estar a conduta da empregadora em total descompasso com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e o abuso de direito perpetrado ser evidente e lamentável. Para o relator, a supervisora extrapolou seu poder diretivo, ao se imiscuir, de forma temerária, na vida pessoal e familiar da subordinada, fato que poderia desencadear abalo psicológico e fisiológico apto a comprometer a gestação.

No caso, o relator deu provimento parcial ao recurso da reclamada somente para excluir da condenação o pagamento de saldo de salários (17 dias) e salário-família proporcional aos dias trabalhados, uma vez que já haviam sido pagos. A decisão foi unânime.

Com TRT

Edição: Roberth Costa
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

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