Adolescente de 17 anos sofre transfobia na escola e desabafa: ‘Me senti constrangida e invalidada’

aluna trans escola
Pietra foi chamada de ‘rapaz’ por uma servidora da escola (Reprodução/@pieardivino/Instagram)

Uma aluna de uma escola estadual de São Bernardo do Campo, em São Paulo, denunciou um episódio de transfobia por parte de uma das funcionárias da instituição nessa segunda-feira (16). A jovem, que estuda na Escola Estadual Francisco Emygdio Pereira Neto teve sua identidade de gênero desrespeitada pela mulher. Ao BHAZ, a Secretaria de Educação do Estado informou que abriu um procedimento para apurar o caso e se desculpou com a aluna (leia abaixo).

A jovem transgênero Pietra Ardivino, de 17 anos, afirmou à reportagem do BHAZ que, durante uma discussão para resolver problemas de gestão das aulas, foi chamada intencionalmente de “rapaz” por uma das funcionárias, mesmo já sendo registrada com nome social na escola. Em vídeo publicado nas redes sociais, Pietra conta como se iniciou a discussão.

Ela relata que chegou na sala de aula pela manhã, mas não havia ninguém na classe. Em seguida, a aluna, que está cursando o 3º ano do Ensino Médio, ligou para a mãe para informar a ausência de alunos e professores. A mãe, Andréa Ardivino, foi até o colégio para tentar resolver a situação já que, segundo ela, a funcionária havia desligado o telefone quando fez o primeiro contato.

‘Debochou e saiu andando’

“Ela estava sem paciência, então fui lá [pessoalmente] para conversar com a diretora. Ela debochou de mim e saiu andando”, conta Andréa.

Enquanto a mãe da aluna conversava com a diretora, a funcionária permaneceu atrás do balcão escutando a discussão. Foi então que a mulher disse que Andréa tinha o hábito de “desacatar funcionários na porta da escola” e desrespeitou a própria estudante – após Pietra tentar defender a mãe, a mulher disparou: “cala a boca, rapaz”.

“Foi muito complicado, não esperava passar por isso. Mudamos meu nome na escola, não tem argumentos que ela possa usar contra isso. Na hora, minha reação foi aumentar a voz com ela. Me senti muito constrangida e invalidada. Ela não estava vendo um homem na frente dela, a escola inteira sabe [que sou mulher]”, conta a aluna.

Pelos vídeos, é possível ver também que a mãe da estudante fica alterada após ver a filha ser tratada no masculino. “Eu tô nervosa porque você nos mandou calar a boca. E você chamou ela de rapaz”, disse Andréa. Neste momento, a funcionária diz “foi sem querer”, enquanto tenta minimizar o ocorrido. “Não é sem querer. Você tá vendo um homem na sua frente? Você não tá vendo um homem na sua frente”, rebateu Andréa.

‘Ainda escutamos esse tipo de coisa’

Pietra iniciou a transição de gênero há mais de um ano. Prestes a completar 18 anos e com sonhos de seguir carreira em educação física ou zootecnia, a jovem conta que foi graças ao apoio da mãe que ela conseguiu passar pelo processo transicional. “A gente passa por psicólogo, psiquiatras. Às vezes é difícil para nós mesmos entender que estamos em um corpo que não é nosso, para depois disso tudo ainda escutarmos esse tipo de coisa”.

A mãe relata que em um outro episódio, a filha estava em um consultório clínico e, ao pedir que o médico chamasse Pietra pelo nome social, e não pelo nome de batismo, o profissional se recusou a atender o pedido da família. “Pedimos a moça da recepção, ela colocou no papel e tudo”, relembra Andréa.

“Quando o médico pegou a ficha, ele simplesmente balançou a cabeça com sinal negativo, como se falasse ‘era só o que me faltava’, e ele não a chamou pelo nome social, chamou pelo de batismo. Quando levantamos, todo mundo ficou olhando porque levantaram duas mulheres”, explica.

Andrea conta que em situações em que a filha é exposta ao preconceito, na grande maioria dos casos, as pessoas tentam minimizar a transfobia, além de exigirem “calma” a todo tempo. “Nós sempre tivemos calma, isso é muito ruim porque são sensações que sentimos em lugares diferentes, mas que te destrói, não por ser uma pessoa trans, mas por você se sentir diminuída e não respeitada”, diz a mãe.

Mãe e filha compartilham a rotina juntas nas redes sociais (Reprodução/@andreaardivino/Instagram)

Secretaria se desculpa

Procurada pelo BHAZ, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo afirmou que abriu um processo para apurar o caso. À reportagem, o chefe de gabinete da pasta, Henrique Pimentel, afirmou que o episódio é “grave” e precisa ser corrigido.

“Nossa primeira reação foi abrir um processo de apuração preliminar, e esse processo foi aberto hoje, já que envolve duas servidoras. A gente fez questão de entrar em contato com a mãe e a aluna para nos desculparmos. O que aconteceu, pra gente, é muito grave”, afirma Henrique.

“Queremos pedir mais uma vez desculpas para Andréa e Pietra. Não queríamos que isso acontecesse com nenhum dos nossos alunos e alunas”, complementa o chefe de gabinete, que explica ainda que a administração estadual propôs que a escola entrasse com o programa “Conviva”, “que existe para melhorar a convivência dentro do ambiente escolar”.

“Faremos contato com a diretora para conseguir fazer essas conversas, entender o que aconteceu e falar sobre tolerância e respeito dentro da unidade escolar”, garante Henrique.

É crime e mata

Desde dia 29 de janeiro de 2004, pessoas transexuais e travestis do Brasil reforçam, por meio do Dia da Visibilidade Trans, que a luta contra a transfobia e o fortalecimento do discurso em prol da comunidade trans nunca se fizeram tão necessários. Apesar de todas essas vidas existirem muito antes do ano em questão, a data é um marco na conquista por direitos negados às transexuais e travestis do país ao longo do tempo.

O direito ao uso do nome social, à cirurgia de redesignação sexual de forma segura e gratuita pelo SUS (Sistema Único de Sáude) e cota de 30% para mulheres trans e travesetis em candidaturas femininas, por partido, nas eleições, foram algumas das conquistas de 2004 para cá.

Enquanto militantes, ativistas e outras pessoas preocupadas com as causas LGBTQIA+ se esforçam para criar um ambiente seguro para pessoas transexuais e travestis, o Brasil anda na contramão de tal luta. O país é o que mais mata pessoas travestis e transexuais em todo o mundo. E sobreviver não é “mimimi”.

Segundo levantamento divulgado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), só em 2020 morreram 175 transexuais. Todas as mortes foram de pessoas que expressavam gênero feminino (leia mais aqui). Vale ressaltar que desde junho de 2019, homofobia e transfobia são considerados crimes no Brasil.

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative

Edição: Giovanna Fávero
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!