Por @claraateixeira*
Nesta semana, acompanhamos o caso em que o jogador Neymar foi acusado de estupro por uma brasileira. No sábado (1º), a imprensa divulgou o boletim de ocorrência registrado pela mulher, o que gerou muita repercussão na mídia e nas redes sociais. Vamos entender a relação entre o caso Neymar e a chamada cultura do estupro.
A reação de Neymar: pornografia de vingança
Com o intuito de rebater a acusação, Neymar publicou um vídeo de sete minutos no Instagram expondo o nome da vítima, seu corpo e um diálogo íntimo entre os dois. Depois de completar quase 20 milhões de visualizações o vídeo foi deletado, mas já era tarde demais. Na verdade, acredito que foi tempo suficiente.
Neymar construiu um argumento de que a mulher estaria mentindo e que ele estava sendo “vítima de extorsão”. Imediatamente, várias pessoas começaram a questionar a idoneidade dessa mulher e passaram a argumentar, inclusive, que ela não tinha o direito de se dizer vítima de estupro porque teria “se oferecido” para o jogador durante a conversa. O vídeo ficou no ar o tempo suficiente para inverter o jogo e transformar a vítima em culpada.
Independentemente do estupro ser provado ou não, Neymar cometeu pelo menos um crime nesse caso: pornografia de vingança. De acordo com o artigo 218-C do Código Penal, o jogador violou a intimidade de uma mulher que, além de ter sido uma possível vítima de estupro, não autorizou a publicação daquelas imagens.
A vítima agora é culpada?
De acordo com o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, vivemos em um país onde uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, mas este número pode ser muito mais alarmante. Segundo o Ipea, apenas 10% dos casos de estupro são registrados no Brasil. Nesse contexto, é infinitamente mais comum uma mulher ser estuprada e não ter coragem de denunciar o seu agressor (seja por medo ou por desamparo) do que ela mentir um estupro para tirar vantagem.
Além disso, é muito importante lembrar que a principal característica do estupro é o sexo sem consentimento. Mesmo que a mulher tenha deixado claro que ela tinha intenção de fazer sexo com alguém, ela pode, a qualquer momento, mudar de ideia e a sua vontade precisa ser respeitada.
Mas isso não é suficiente para manter o status de vítima da mulher envolvida no caso Neymar. Ela passou a ser vista como culpada: “seduziu o ‘menino’ Neymar para depois tentar extorquir dinheiro dele, coitadinho”. Deliberadamente, Neymar usou uma estratégia: optou por ser incriminado pela Justiça e “inocentado” pelo público. Com certeza, esse novo cenário teria um efeito mais positivo para a sua carreira.
E o que isso tem a ver com a cultura do estupro?
Absolutamente tudo. A cultura do estupro é um contexto onde o estupro é tratado como algo aceitável, podendo até mesmo ser “provocado pela própria vítima” (Azmina). Em uma pesquisa realizada em 2014 também pelo Ipea, 26% da população concordava com a ideia de que mulheres que mostram o corpo merecem ser estupradas.
Dois anos depois, o DataFolha publicou outra pesquisa mostrando um cenário muito parecido: 30% dos brasileiros concordaram com a frase “A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”. Esse pensamento permeia a mente de homens e mulheres. 42% dos homens e 32% das mulheres acreditam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”.
Em 2019 nós não temos os resultados de uma pesquisa para comparar os dados. Entretanto, ao observar o caso Neymar, temos fortes indícios de que vivemos em uma sociedade com bases no machismo e na cultura do estupro. A objetificação sexual da mulher, a negação de casos de estupro e a culpabilização da vítima reforçam uma estrutura que legitima a violência contra as mulheres e que deseja a nossa morte.
É urgente rever essa estrutura. Todos nós, homens e mulheres, jogadores de futebol e pessoas comuns, precisamos nos responsabilizar e combater a cultura do estupro. Se ainda houver dúvidas, eu vou deixar bem claro: não, nós não queremos ser estupradas.
* Clara Teixeira é professora universitária, mestre em cinema e analista de inovação. Trabalha temas como feminismo, política e direitos humanos no seu perfil do Instagram (@claraateixeira).