Minha pequena ocupação – Uma tarde no Estadual Central

Guilherme Bergamini

Chego à redação. Pouco antes meu editor havia me ligado. Ele tinha me proposto uma pauta. Uma pauta que eu queria gostar. Refiro-me a gostar da ideologia do movimento. Mas, calma, vamos ser um pouco menos cronológicos, e mais jornalísticos.

O Colégio Estadual Central tinha sido ocupado por estudantes secundaristas. Às nove da manhã da véspera. Nesse colégio (me foi informado depois) estudaram tanto o governador de Minas, Fernando Pimentel, quanto a nossa querida presidenta Dilma. E é querida mesmo, não tenho vergonha de admitir. Mas bem, voltando ao tema do texto, os estudantes, alunos da escola, haviam ocupado o Central. Em protesto à MP 746, medida que propõe uma reforma do sistema educacional brasileiro.

Guilherme Bergamini

Cheguei ao colégio às 16h30. Espero na porta, trancada. Lógico que, cada momento de espera, é um momento de cigarro. Acendo um, mas, antes que eu dê duas baforadas, chega o porteiro ao portão e me inquire o que eu estava fazendo lá. Me identifico como repórter. Ele me leva para dentro do colégio, bonito, bem cuidado. Nunca havia entrado nele e me vem à lembrança os tempos de adolescência, lá no fim dos anos 90. Eu tô ficando louco, tô ficando velho.

Me informam que eu não poderia falar com os alunos, somente com as lideranças do movimento. Penso que isso empobreceria meu relato. Mas, malandramente, penso que isso seria contornável. O porteiro me reafirma: “São diretrizes da Secretária de Educação”. Ah, sou expert em ignorar leis e diretrizes, não vai ser essa que vai me cercear.

Mas me levam a uma das líderes do movimento. Bruna Helena, de 18 anos. Paciente, ela me explica que estão lá realmente contra essa tal medida provisória, que, dentre outras características, prevê um aumento de 800 horas anuais de aula para 1400. E isso em tese não seria uma boa notícia, pois muitos jovens que estudam e trabalham teriam que abandonar a escola. Em meio à nossa conversa, os estudante lá reunidos começam a entoar: “Ocupar e resistir”. Bruna também fala comigo que a reforma eliminaria algumas disciplinas do curso básico, como filosofia, sociologia e artes. É o Brasil Pandeiro andando pra trás. Em resumo, quantidade de horas não representa qualidade de educação.

Bruna me conta que eles, os estudantes, planejam ficar até segunda-feira ao menos no colégio. Mas que esse período pode se prolongar até o dia 20, quando um ato em protesto à MP 746 está marcado. Eles estão recebendo doações de sindicatos. Pra alimentação e outros bichos. E estão usando as redes sociais, do celular mesmo, para postar pedidos e atualizações da caminhada da ocupação.

Guilherme Bergamini

Em seguida, começo a conversar com um senhor. Ele se chama Marco Antônio e foi presidente do grêmio estudantil em 1966, até 1968. Tem uns olhos claros que exclamam sanidade. “Estou aqui pra dar minha solidariedade a esses meninos.” Lembra dos momentos de luta, em que, com seus 23 anos, era bancário de tarde e aluno à noite. Ficou cinco anos sem estudar. Me mostra uma sala onde era o diretório estudantil e hoje é um banheiro. “Fizeram aqui como fizeram com Tiradentes. Salgaram a casa dele pra não crescer nada. Aqui eles reformaram o lugar para que não ecoassem as lembranças do passado.” E prossegue. “Para nós, na nossa época, os inimigos eram mais claros. Eram os militares. Hoje está tudo muito pulverizado. Quem é o inimigo hoje?”.

Esqueci de um personagem interessante que me acompanhou nessa tarde. Felipe Canêdo, meu calouro preferido e amigo desde os tempos dos anos 00. Espécie de Caetano contemporâneo, ele passava uma tarde prazerosa lá nessa ocupação tão combativa. Pergunto. “Lipe, que você está fazendo aqui hoje?”. E ele me aponta Pedro Castro, que bate clicks fotográficos e fala: “Estou de assistente de fotografia. Estou carregando a luz do Pedrinho. Desisti do jornalismo. Era bandeira demais”. Ri alto. E me fala de uma marca de cigarros cubanos, Crioulos.

Com a noção que me faltam personagens pra matéria, entabulo uma conversa com um garoto e uma garota que (também!) fumam um cigarro encostados numa pilastra. Ele, Fabrício Costa, de 16 anos. Diz que começou com o ativismo por causa da influência dos professores. Que considera importante demais a ocupação pra marcar terreno na ideologia. Diz que é comunista e planeja fazer Ciências Sociais na UFMG, mas que entende que vindo de colégio público teria mais dificuldades pra passar no ENEM. Ela, Damarys (escrevi certo?) Vitória, 17 aninhos. Se diz anarquista. Tem uma mecha de cor de rosa nos cabelos cacheados. Os dois ao lado de um skate. Damarys: “Eu também quero educação de qualidade.”

Guilherme Bergamini

Com os minutos passando, eu sento numa cadeira, daquelas de praça, que fica no gramado do colégio. Entre duas árvores, uma corda de slack line está estendida. Aqueles jovens, tão cheios de verve jogam conversa fora, sem (ou, talvez, com) perceber o caminhar das horas. Muitos irão dormir lá (são cerca de 50), outros tantos vão para suas casas, e retornarão no dia seguinte. Penso, como é bom ser novo. Como é bom acreditar em uma causa. E como é difícil ser feliz nessa vida!

Vou embora, em direção à saída. Sempre em frente. Mas perdendo a ternura.

Guilherme Bergamini

Crédito das fotos: Guilherme Bergamini. Tirada na escola Escola Estadual Pandia Calogeras, fechada desde o final de 2012. Elas foram batidas em 2014.

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