Os donos do mundo

Desigualdade social mundial (Reprodução: freeoldmen.blog.bg)

Quem realmente determina os rumos do mundo e do capitalismo dominante?

A sensação que possuímos de que nossas vidas são controladas por nós mesmos e por nossos representantes eleitos pode ser afetada quando descobrimos que as finanças mundiais são extremamente concentradas em alguns grupos de alguns países. Os donos do mundo têm nome e endereço: Classe Capitalista Transnacional (CCT), concentrada na região centro do mundo (Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Japão e Austrália, efetivamente).

O centro financeiro de Wall Street caricaturado (Reprodução: streetdemocracy.wordpress.com)
O centro financeiro de Wall Street caricaturado (Reprodução: streetdemocracy.wordpress.com)

A classe capitalista transnacional (CTT) desenvolveu-se desde a Revolução Gloriosa britânica (1688-1689), por meio da maçonaria, espalhando-se posteriormente por quase todo o mundo, em decorrência do colonialismo inglês (Canadá, EUA, Austrália, Nova Zelândia).

Os EUA, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, foram responsáveis pela expansão da influência dessa classe transnacional para a Europa Ocidental e para o Japão. O interesse da CCT é muito simples: reestruturar e estabilizar o capitalismo na nova hegemonia econômica global do neoliberalismo.

Não se enganem: a CCT não é fruto da minha imaginação nem se configura numa teoria da conspiração, já que ela existe e se faz presente a cada momento socioeconômico e político que vivemos atualmente.

Pensemos, primeiramente, quantas vezes assistimos, principalmente durante a década de 1990, que o Fundo Monetário Internacional possibilitaria um empréstimo a algum país, desde que ele adotasse políticas monetárias e fiscais ortodoxas (aumento de juros, corte de investimentos, privatizações, retirada de moeda da economia)?

Além disso, os EUA sempre apoiaram essas ações, apesar de não as adotar, na medida em que, por exemplo, possuem uma dívida de 17,3 trilhões de dólares, mais de 100% do seu PIB (16,9 trilhões de dólares).

Na crise financeira de 2008, somado a isso, apesar do enorme estrago provocado pelo livre fluxo de capital (dinheiro especulativo), os países adotaram medidas de contenção dele? A resposta é: eles não conseguiram, uma vez que interesses maiores do que aqueles dos próprios Estados impediram isso.

Os EUA chegaram a desembolsar 180 bilhões de dólares para salvar apenas uma instituição bancária (Lehman Brothers) e 787 bilhões de dólares no total para reativar todos aqueles afetados pela crise (apenas 16 dos 193 países do mundo possuem um PIB maior do que esse valor).

Por último, na atual crise brasileira, enquanto a população sofre com o desemprego e a diminuição de benefícios sociais, quem vem lucrando incansavelmente com as políticas ortodoxas dos governos? Principalmente as instituições bancárias (centro do sistema financeiro), que vêm batendo recordes de lucros.

Há efetivamente a construção e a efetivação de uma comunidade de negócios internacional, liderada pelas maiores empresas do mundo, por intermédio da qual se impõem políticas aos Estados (proteção dos fluxos de investimento e dos lucros) e ideologias às populações (consumismo, principalmente).

Essa comunidade é construída a partir de uma verdadeira rede privada de interconexão internacional, que abrange, principalmente, o Fórum Econômico Mundial de Davos (as 1000 maiores empresas do mundo), o qual serve como veículo de integração da CCT e base para o estabelecimento e aprofundamento de medidas benéficas para essa classe. Somado a isso, a incorporação dos países subdesenvolvidos numa rede financeira controlada pela CCT é outro grande objetivo.

A tabela a seguir mostra percentualmente a nacionalidade das mais importantes corporações do mundo. A partir disso, os vínculos dos seus principais diretores corporativos na rede de interconexão transnacional serão analisados com o objetivo de identificar quais países efetivamente participam nesses encontros da elite capitalista transnacional (classe cosmopolita):

Tabela 1 – Grandes conglomerados e Influência dos principais diretores corporativos de empresas transnacionais na tomada de decisões da Classe Capitalista Transnacional (CCT) (% total)

Domicílio% de companhias% de diretores participando no centro capitalistaDiferença
EUA25.721.0-4.7
Reino Unido9.716.2+6.5
Alemanha9.114.3+5.2
França 7.111.4+4.4
Holanda2.67.6+5.0
Japão20.95.7-15.2
Canadá3.45.7+2.3
Bélgica1.15.7+4.6
Suíça2.03.8+1.8
Suécia0.92.9+2.0
Itália3.71.9-1.8
Espanha1.11.9+0.8
Austrália0.91.9+1.0
Noruega0.30.0-0.3
Brasil1.40.0-1.4
México0.60.0-0.6
Venezuela0.30.0-0.3
Argentina0.30.0-0.3
Rússia0.90.0-0.9
Turquia0.30.0-0.3
Coreia do Sul3.70.0-3.7
Hong Kong0.90.0-0.9
Taiwan0.60.0-0.6
Singapura0.90.0-0.9
Malásia0.30.0-0.3
Índia0.30.0-0.3
África do Sul1.10.0-1.1
Total   100.0  100.0   0.0

OBS: Em itálico países do centro financeiro

Fonte: CARROLL e CARSON, 2003

Esse gráfico mostra alguns dados extremamente interessantes para o entendimento a respeito daqueles que realmente mandam no mundo. Com relação às maiores corporações mundiais, 94,6% delas concentram-se nos países desenvolvidos, uma vez que 29,1% estão nos EUA e no Canadá; 36,4% na Europa Ocidental (Holanda, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Suíça, Bélgica e Espanha); 1,2% na Europa Nórdica (Suécia e Noruega); 27,0% na Ásia (Japão Coreia do Sul, Hong Kong, Taiwan e Cingapura); e 0,9% na Austrália.

Portanto, apenas cerca de 5,4% das maiores empresas se concentram nos países emergentes, sendo 2,6% na América Latina (Brasil, México, Venezuela e Argentina); 1,8% na Ásia (Rússia, Turquia, Malásia e Índia) e 1,1% na África (África do Sul).

Quando analisamos os diretores que participam das decisões das classes capitalistas transnacionais, contudo, percebemos que esses dados se modificam ainda mais em favor do centro capitalista.

Primeiramente, nenhum país fora desse centro econômico (Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Japão e Austrália) faz parte do “clube VIP” da classe capitalista transnacional, ainda que alguns tenham grandes conglomerados com base nos seus países, como Brasil e Coreia do Sul; os países emergentes, portanto, são sub-representados nessas interconexões.

Em contrapartida, alguns países tem sobre-representação nessa classe transnacional, uma vez que a porcentagem de grandes empresas com procedência dos seus respectivos países é menor do que a porcentagem de presença de diretores corporativos nas interconexões capitalistas, como, por exemplo, Canadá, Holanda, Reino Unido, Alemanha, França, Suíça, Suécia, Bélgica, Espanha e Austrália. Nesse contexto, o Reino Unido é o país que possui maior sobre-representação de todos (diferença de 6,5).

Além disso, percebe-se que o Japão, embora tenha quase ¼ dos principais conglomerados do mundo, possui somente 5,7% do total de diretores que participam dessas conexões entre classes transnacionais capitalistas. Ou seja, sua sub-representação é a mais intensa de todos os países (diferença de -15,2). Apesar disso, ele pelo menos possui representantes.

Por último, os EUA têm porcentagem de número de companhias transnacionais compatíveis com sua representação na classe transnacional, sendo o mais importante em ambos os dados (25,7% e 21,0%, respectivamente).

Não é muito difícil tirar algumas conclusões a partir disso: os EUA possuem uma aliança muito importante com o Canadá, a Europa Nórdica, a Europa Ocidental e a Austrália; os norte-americanos também têm uma aliança histórica com o Japão, ainda que ela não seja tão profunda se comparada aos outros países; o resto do mundo está totalmente alijado do centro capitalista e das decisões que eles tomam para os rumos da economia global.

Ainda que grandes mudanças tenham ocorrido desde o ano de 2003 (como a profunda ascensão da China), essa tabela não deixa de nos demonstrar dados indispensáveis para que possamos compreender o mundo no qual vivemos.

Em decorrência dessa enorme concentração de poderes, essa classe vem enfrentando dois tipos de resistências globais: as recessões e as crises mundiais sistêmicas; e a emergência de novas formas de resistência das sociedades, em face das políticas impostas por organizações internacionais controladas pelos interesses dessa elite capitalista (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio).

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Querido Capitalismo, a culpa não é sua, é nossa. Eu estava brincando, a culpa é sua sim (tradução nossa) (Reprodução: PopularResistance.Org)

Muitos dizem que o neoliberalismo não vai durar muito tempo, na medida em que ele vem aprofundando as desigualdades históricas entre os países e os povos. De acordo com um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam, 1% da população mundial detém a mesma riqueza dos 99% restantes. O relatório também afirma que as 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo em riqueza do que a metade mais pobre da população global.

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Talvez o capitalismo não tenha uma crise final no curto-prazo e nem mesmo no longo-prazo, mas parece que o atual modelo neoliberal tem prejudicado a própria legitimidade do sistema, tanto com relação aos países emergentes e subdesenvolvidos, como também com relação às populações em geral, até mesmo aquelas dos centros capitalistas.

Mario Quintana dizia que “o maior truque já realizado pelo diabo foi convencer o mundo de que ele não existe”. Pois bem, a classe capitalista transnacional não pode ser comparada a um demônio, porém consegue fazer com que pensemos que somos verdadeiramente livres e autônomos para buscar nosso próprio desenvolvimento, uma vez que o sistema mundial seria potencialmente meritocrático.

Quem são os donos do mundo? Com certeza não somos nós, pobres mortais. Talvez seja a meritocracia utópica, onde 1% da população mundial possui maior riqueza que 50% da população mundial.

“Uma conspiração maior do que nós. Existe um grupo poderoso lá fora, que secretamente domina o mundo. Estou falando dos sujeitos que ninguém conhece, os sujeitos que são invisíveis. O 1% dos 1%, os sujeitos que se fazem de Deus sem permissão”. (Seriado Mr. Robot).

Felipe Costa Lima é formado em Direito pela UFMG; Especialista em Política Internacional pela Faculdade Damásio de Jesus; e Mestrando em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Latino-americano de alma, talvez consiga quebrar visões eurocêntricas sobre os acontecimentos mundiais. Talvez…

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