Por um punhado de terra: O assassinato do petista e a desfaçatez das instituições

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Para Polícia Cilvil, crime não tem motivação política (Reprodução/Redes Sociais)

É impressionante a conclusão do inquérito do assassinato de Marcelo Arruda, morto no último sábado (9) enquanto comemorava seu aniversário de 50 anos.

Marcelo era tesoureiro do Partido dos Trabalhadores de Foz de Iguaçu e a festa tinha como tema a admiração do aniversariante pelo ex-presidente Lula. Na festa, estavam presentes amigos e familiares de Marcelo, inclusive seus filhos pequenos. Nem todos os presentes compartilhavam da admiração de Marcelo por Lula, mas mesmo assim estavam ali para celebrar a vida do aniversariante.

Segundo a Polícia Civil do Paraná, o assassino, admirador de Jair Bolsonaro, ficou sabendo da festa, cuja temática não lhe agradava, em um churrasco e seguiu para o local com o intuito de fazer provocações. O criminoso, o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, teria estacionado seu carro em frente à festa, tocando uma música alusiva a Jair Bolsonaro. Gritou “Mito”, gritou o nome do presidente da República.

O aniversariante foi até o carro e discutiu com o provocador. Relatos de testemunhas dão conta de que, nesse momento, Guaranho teria mostrado ao aniversariante sua arma e feito ameaças. Marcelo jogou no carro um punhado de terra com pedras, que teria pegado no local. A esposa do assassino implora que ele vá embora. Ele vai, dizendo que vai voltar.

Marcelo, que era Guarda Municipal, decidiu ir ao seu carro e pegar sua arma funcional, para se precaver diante da ameaça de Guaranho. Vinte minutos depois de ter saído, Guaranho voltou ao local da festa, disparou contra o aniversariante e acertou nele dois tiros. Já no chão, Marcelo acertou quatro tiros em Guaranho, que caiu. O aniversariante está morto, o assassino está internado em estado grave.

‘Difícil falarmos que ele matou a vítima por ser petista’

Hoje, em uma coletiva, a Polícia Civil do Paraná concluiu que o crime não teve motivação política. A conclusão é um misto de contorcionismo e desfaçatez que, se não tivesse se tornado habitual em nosso país, surpreenderia pelo cinismo.

Segundo a delegada responsável pelo inquérito, Camila Cecconello, Guaranho foi até o local da festa por motivos políticos e discutiu com a vítima por motivos políticos. Isso não se nega. Mas o homicídio não, o assassinato foi motivado pelo fato de Guaranho ter se sentido humilhado pelo punhado de terra arremessado em seu carro pela vítima. O punhado de terra assume um caráter autônomo, separado do restante da história.

Não foi o ódio que o assassino tinha pelo campo político da vítima; não foi a gana do agressor em provocar um desconhecido que estava celebrando um aniversário, nem o fato de Guaranho ter apontado uma arma para o aniversariante, familiares e amigos antes de voltar para a festa e matar; isso não entra na equação.

Marcelo morreu, na visão da delegada, por ter arremessado um punhado de terra no carro do assassino. Guaranho, que se ofende mortalmente por um punhado de terra com pedrinhas atirado por um desconhecido que ele foi provocar por motivos políticos, não odeia ninguém por causa de política. Só odeia quando petistas reagem às suas provocações arremessando um punhado de terra contra um carro, a ponto de invadir uma festa atirando para matar.

Mas a delegada se justifica. Segundo Cecconello, para que exista crime político, o autor devia agir, de forma consciente, para “impedir os direitos políticos da vítima”. Marcelo, que, na visão do inquérito, morreu por um punhado de terra está, apesar da ausência de motivação política, impedido de exercer os seus direitos, uma vez que está morto.

Nesse ponto, é necessário fazer uma distinção: existe o crime de “violência política”, previsto na Lei de Segurança Nacional que consiste em “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Nesse caso, é preciso que o agente cometa o crime especificamente para tolher os direitos políticos de alguém.

Podemos argumentar, por exemplo, que Guaranho pode ter cometido esse crime, quando, aos berros e com o som ligado, dificultou a comemoração de aniversário de Marcelo, que era, além de uma celebração, uma manifestação política, um direito.

Mas não é esse o crime que está sendo discutido. É um homicídio, delito muito mais grave. O crime de ‘violência política’ descrito acima não é a única modalidade de delito em nosso ordenamento político que pode ter motivações políticas. Motivação é outra coisa, é o que leva a pessoa a matar. Vários elementos podem compor um motivo e vários crimes podem ter motivações políticas: injúria, calúnia, lesão corporal e, vejam só, homicídio, entre outros. Basta para tanto que você se pergunte: fosse o elemento político o crime teria acontecido?

O inquérito também concluiu que Guaranho não planejou o homicídio. Vinte minutos separam o momento em que ele deixa a porta do local onde ocorria a festa e a ocasião em que o assassino, depois de deixar sua família em casa, retorna ao local armado, atirando. Nesses vinte minutos, Guaranho, segundo o inquérito, não planejou nada. Provavelmente só voltou à festa para ter uma discussão saudável sobre o perigo de montinhos de terra e seu revólver disparou sozinho.

Marcelo teve sua festa interrompida por ser petista, foi provocado por ser petista, teve a festa interrompida por ser petista, mas na visão do inquérito, não morreu por ser petista. Morreu por ter feito o assassino se sentir humilhado por um punhado de terra arremessado contra o seu carro.

Banalização do cinismo

A conclusão do inquérito é um tecnicismo para ocultar a existência do ódio político em nosso país, quando esse ódio não faz questão nenhuma de se esconder. Um tecnicismo cínico.

Não se pode culpar uma única pessoa, por mais influente que seja, pela perpetuação desse cinismo que mata e justifica mortes. Ele está nas lives de quinta, mas também no sofisticado juridiquês de certas decisões judiciais e na camisa social engomada de “imparcialidade” de certo jornalismo.

De cinismo em cinismo, chegamos a um período histórico em que manifestações políticas são interrompidas por bombas de urina e fezes. Chegamos ao ponto em que uma declaração de um candidato sobre “fuzilar adversários” ganha contornos de uma delicada metáfora. Chegamos a um ponto em que se admite ser possível matar por um punhado de terra arremessado contra um carro apenas para negar o ódio político gigantesco, monstruoso que caminha abertamente pelas ruas, exibindo o sorriso hediondo da certeza da impunidade.

Essa desfaçatez, esse cinismo, já nos levou ao abismo. Estamos, no momento, em queda livre. Prendam a respiração e divirtam-se antes do baque.

Pedro Munhoz[email protected]

Editor de Política do BHAZ. Graduado em Direito pela Faculdade Milton Campos e em História pela UFMG, trabalhou como articulista de política no BHAZ entre 2012 e 2013. Atuou como assessor parlamentar desde 2016, com passagens pela Câmara dos Deputados, Câmara Municipal de Belo Horizonte e Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

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