Bolsonaro prepara-se para entrar na história como o sucessor do celebérrimo Barão de Münchhausen.
Para quem não se lembra, o nobre alemão se tornou conhecido pelas histórias fantásticas e inverossímeis que, pelos idos de 1750, contava a seu próprio respeito. E, nesse ponto, é seguido de perto pelo atual presidente, que parece incapaz de ater-se à verdade.
A gripezinha
Ontem mesmo, teve o desplante de, durante a live presidencial, afirmar que nunca se referiu à Covid como uma gripezinha. Logo ele, que em pelo menos duas oportunidades utilizou-se exatamente dessa palavra; logo ele, que foi filmado e gravado ao desdenhar de uma doença que já matou mais de 170 mil brasileiros.
O presidente não só chamou a Covid de gripezinha, mas a tratou – e continua tratando – como tal. Falou que as pessoas têm que deixar de ter medo e enfrentar a doença; que não podemos ser um país de maricas; que não vai autorizar a compra da vacina e que ele mesmo não vai se vacinar, dentre vários outros atos em que desconsiderou qualquer medida de proteção, como o distanciamento social e o uso das máscaras de proteção.
O mentiroso
Ele mente. E mente com a cara limpa. Mente como se não houvesse como comprovar os seus pronunciamentos anteriores. Mas ele não mente para o país: ele mente para seus apoiadores, para o núcleo duro que, faça chuva, faça sol, está sempre disposto a ampará-lo.
O destinatário de suas mentiras é o homem que nele se enxerga e que está disposto a passar pano para o envolvimento de sua família com milícias e rachadinhas, para o seu apoio ao centrão e para quaisquer outros disparates que o presidente venha a cometer.
É para esse grupo que Bolsonaro diz que não enxerga racismo no país, que os indígenas são responsáveis pelos incêndios na Amazônia, que a floresta não pega fogo, que não há desmatamento e que não é homofóbico. Esse é o grupo que irá repercutir nas redes sociais que Leonardo di Caprio financia ONGs que põem fogo na floresta, que a China criou o novo coronavírus para dominar a economia mundial e que as eleições foram fraudadas.
Um governo de mentira(s)
Um gambá cheira o outro, como diz o dito popular. E nesse governo, os gambás se uniram em seu pouco apreço pela verdade: o boi é o bombeiro do pantanal, não existe racismo, a hiperinflação vai voltar, há baderna e plantações de maconha nas universidades públicas e não há segunda onda da Covid…
É praticamente impossível apresentar um rol de todas mentiras proferidas por integrantes do governo. Mas o apoiador que dá ressonância a esse discurso nas redes sociais não está especialmente preocupado com a integridade do que divulga. Para ele, não importa se é ou não verdade; o importante é que aquela mensagem serve a seus propósitos.
Talvez o presidente considere que insistir na polarização não foi o suficiente para garantir a Trump a reeleição, que rejeitar a eficácia das vacinas permitiu o retorno de doenças que já estavam controladas e que ignorar a Covid teve um preço maior do que ele acreditou que pagaria… poderia considerar que ter apenas o apoio de seu núcleo mais ideológico não seja o bastante para garantir a continuidade de seu projeto de poder.
Se ele faz tais considerações, rapidamente as põe de lado. A mentira, no seu caso, é quase uma compulsão.
Vocacionado para mentir
Há quase trinta anos, vazou a fala de Rubens Ricupero, então Ministro da Fazenda, na qual confidenciava que não tinha escrúpulos, que faturava em cima do que era bom e escondia o que era ruim.
Vê-se que, de lá pra cá, pouca coisa mudou: a falta de escrúpulos continua a mesma. Antes escondiam o que era ruim; agora simplesmente mentem e negam a realidade.
Se poucos têm a política como vocação, podemos dizer que Bolsonaro, tal qual Pinocchio, seu parente italiano mais famoso, é inteiramente vocacionado para a mentira.