A MP da meia-noite e o fim da CLT

(Marcelo Casal Jr/EBC)

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

Finalmente, empresários e pobres de direita poderão comemorar. Com a MP editada na noite de ontem, não há mais nenhuma amarra ao desenvolvimento do País. A livre negociação entre empregados e patrões, que agora se sobrepõe tanto à legislação trabalhista quanto aos acordos coletivos, permitirá que os trabalhadores tenham condições melhores do que aquelas existentes à época em que a CLT ainda vigorava. Finalmente, o bordão tantas vezes repetido durante a campanha presidencial se concretizou: é melhor ter trabalho do que direitos – isso se houver trabalho.

O Ministro Guedes nunca escondeu sua insatisfação com a CLT, mas sua proposta inicial, de criar uma nova modalidade de contratação, por ele denominada Carteira Verde Amarela, não avançou nos corredores políticos de. Brasília. Ele até conseguiu emplacar um arremedo de sua proposta com a MP 905/2019, muito mais acanhada que seu projeto inicial. Agora, o avanço da pandemia pelo Brasil deu-lhe a oportunidade de sua vida: ao fundamento de fortalecer as empresas em um momento de contração do mercado, editou a Medida Provisória 927/2020 que, mesmo sem revogar a CLT, acabou com ela.

Primeiro, deixou claro que a negociação individual se sobrepõe à lei e aos acordos coletivos; em seguida, mas não necessariamente nessa ordem, admitiu a suspensão do contrato de trabalho por quatro meses sem pagamento de salários (dispositivo tão malvisto que foi revogado pelo presidente poucas horas após a edição da MP); permitiu que a indenização do FGTS nas rescisões contratuais seja reduzida em 50%; possibilitou que o salário seja reduzido em 25%, que o terço de férias seja pago apenas no final do ano, que os feriados civis sejam antecipados, dentre várias outras medidas igualmente draconianas. Em síntese: eliminou, com uma canetada, direitos historicamente conquistados.

Guedes faz parte daqueles economistas que resumem seu universo a um percentual do PIB. Se o impacto das vítimas do Covid-19 for inferior ao da quarentena, então, que morram. Em sua matemática, a vida vale zero. A condição humana e sua dignidade são irrelevantes em seu reducionismo econômico. Por isso que, dentre as medidas já tomadas por seu Ministério, não se fez qualquer concessão à situação das famílias dos trabalhadores: concessão de mais prazo para pagamento de dívidas, suspensão da exigibilidade das contas de água e energia, liberação – mesmo que parcial – do FGTS, dilação do prazo para declaração do imposto de renda… Nem mesmo medidas de caráter simbólico ele se preocupou em apresentar, como a taxação das grandes fortunas e a tributação dos lucros e dividendos pagos pelas pessoas jurídicas.

Ele segue firme em seu intento e confia que o Supremo Tribunal Federal novamente irá se acovardar, tal como fez à época do Plano Collor. Ele acredita que o STF irá comprar a tese da “jurisprudência da crise”, que permite ao Executivo, em momentos extraordinários, ignorar a lei. Se esquece que a lei deve pautar as ações políticas não apenas nos momentos de calmaria, mas também – e principalmente – durante as tormentas.

De qualquer modo, mesmo que o STF reconheça as óbvias inconstitucionalidades da MP, ele já deu o instrumento para que a empresa tome a medida que achar conveniente, deixando a cargo do empregado levar a uma assustadiça Justiça do Trabalho suas demandas, esperando anos até vê-las decididas.

A ultrajante MP que acaba com a proteção social ao trabalhador tinha mesmo que ser editada na calada da noite. Afinal, não há governante com coragem o bastante para vir em sua defesa à luz do dia.

* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito e professor universitário. Foi o primeiro presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG e é membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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