Muito ajuda quem não atrapalha: Convoque o jejum, presidente, mas deixe os cientistas trabalharem

jejum mas cientistas trabalharem
Fiéis fazem oração na porta do Palácio do Planalto (Reprodução/YouTube)
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As opções para agradar aos céus eram várias, mas ao menos escolheu-se a mais insípida. Poderia ter-se optado por afogar crianças ou esfolar mulheres, sacrificar animais ou matar guerreiros, mas resolveu-se ficar com o jejum mesmo. Oferendas de comidas, bebidas, flores ou frutas talvez tivessem a simpatia de larga parcela da população, mas certamente seriam afrobrasileiras demais para o presidente evangélico que não se assume como tal.

A cruzada presidencial contra a ciência não é nova. Como um Quixote dos trópicos, arremete contra cientistas, professores e universidades desde o início de seu governo, desejoso de nos reconduzir ao pré-iluminismo. Em meio às trevas, apenas a camarilha de mercadores da fé que o cerca ofereceria apoio, fornecendo vassouras ungidas e curas milagrosas, em dinheiro, no débito ou no crédito…

Desde o início da pandemia, o presidente optou pela lógica negacionista. Ao argumento de que a atividade econômica não poderia ser prejudicada pelo avanço do Covid-19 e que algumas mortes seriam inevitáveis, dificultou o quanto pode a tomada e a implementação de decisões sanitárias. Não apenas não houve uma coordenação centralizada das decisões e medidas a serem tomadas como, pior ainda, foram proferidas críticas contundentes aos governadores e prefeitos que determinaram o fechamento do comércio e o isolamento social.

Ao polarizar também essa questão, arregimentando suas milícias digitais, o presidente diminuiu a coesão social necessária para a implementação de medidas tão rigorosas quanto as exigidas pelo momento. Ao desautorizar o seu Ministro da Saúde, convocando manifestações e saindo deliberadamente às ruas, o presidente envia o sinal de que o novo coronavírus nada mais causaria que uma gripezinha. Ao ignorar a realidade que inúmeros países já vivenciam e ao atrasar a liberação de auxilio governamental à parcela mais desassistida, o presidente tensiona desnecessariamente o País.

Ele não contava, contudo, com a obstinação de seu Ministro da Saúde. Contra todas as expectativas, ele afrontou a maior autoridade nacional: disse que a população deve sim se isolar, que devem ser escutados os governadores dos estados e que os que espalham fake news precisam reduzir suas postagens, para não atrapalhar o combate à pandemia. Nessa empreitada, ele obteve o apoio dos Ministros da Justiça e da Economia. O Comandante do Exército falou expressamente do maior desafio de nossa geração e o Centro de Estudos Estratégicos do Exército divulgou estudo contrariando a orientação presidencial. Os Presidentes da Câmara e do Senado também desautorizaram Bolsonaro, que perdeu o apoio do governador Ronaldo Caiado, um aliado de primeira hora. Para terminar seu inferno astral, o Supremo Tribunal Federal proibiu o governo federal de fazer propagandas contrárias ao isolamento horizontal.

Isolado, o presidente voltou-se para um de seus redutos eleitorais mais fiéis: os evangélicos. Com o apoio de várias denominações religiosas, convocou um jejum para o Domingo de Ramos, a fim de solicitar a intervenção religiosa para combater a pandemia. Dos males, o menor…

Se existe algo positivo em ter-se um presidente tão fragilizado que não pode sequer se dar ao luxo de demitir o ministro que publicamente o afronta, é justamente o fato de que, assim, desautorizado por todos, ele causa menos danos. Como já dizia o ditado, muito ajuda quem não atrapalha!

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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