Sobre hienas e leões

Reprodução/BBC Earth/YouTube + José Dias/PR

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

Mancadas no exterior e calma no país. Essa era a expectativa que rondava a primeira viagem presidencial pela Ásia e pelo Oriente Médio. Dessas duas previsões, apenas a primeira se confirmou.

Como já se esperava, o simplório presidente ampliou sua já farta coleção de gafes internacionais. No Japão, acreditou – ou quis acreditar – que os aplausos que recebia dos funcionários do hotel em que se hospedara eram algum tipo de reconhecimento especial, e não uma tradição local. Na China, logo após a comemoração do 70º. aniversário da Revolução Comunista, afirmou que estava em um país capitalista. Nos Emirados Árabes, não tinha tradutor para acompanhar os discursos e, na Arábia Saudita, afirmou que “todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe, principalmente as mulheres”.

Já no Brasil, os dias de calma não se confirmaram: a conta presidencial no Twitter divulgou o vídeo de um leão, sozinho na savana, sendo acossado por todos os lados por hienas. Ao final, um outro leão vai em seu socorro e, juntos, eles espantam as agressoras.

O vídeo, em si, não é novo. Foi compartilhado pela BBC EARTH em dezembro de 2018 (veja aqui). Nele, podemos até descobrir que o leão Red foi salvo pelo leão Tatu e que vinte hienas não são páreo para dois leões adultos. A novidade ficou por conta das alterações feitas na versão disponibilizada. As hienas, devidamente identificadas, simbolizavam os inimigos do presidente. Alguns eram óbvios, como os partidos de esquerda e os maiores veículos de comunicação nacionais; outros, pelo histórico presidencial, já eram imagináveis, como a ONU, a OAB e a CNBB; outros, ainda, são bizarros, tais como o feminismo e os isentões. A surpresa veio por conta da inclusão, no grupo das hienas, do PSL e do STF.

O PSL é o partido do próprio presidente, com a maior bancada na Câmara, e que dá suporte ao governo nas votações que são de seu interesse. Mesmo com as desavenças da semana passada, era de se imaginar que a família presidencial tentaria contemporizar quando finalmente conseguiu colocar Eduardo como o líder do partido. Ledo engano! Ostensivamente, o partido foi incluído dentre as hienas que não dão trégua ao pobre leão solitário, demonstrando que a situação partidária está longe de uma solução…

A inclusão do Supremo Tribunal Federal na alcateia também gerou perplexidade. O decano da Corte, Ministro Celso de Mello, normalmente reservado, não mediu palavras em sua crítica: censurou a “absoluta falta de estatura presidencial” e repudiou “o atrevimento presidencial”, que parece “não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções”.

Tão sintomático quanto o rol paranoico daqueles que perseguem o presidente é a parte final do vídeo. Ali, fica claro que existe um último e único apoiador: o conservador patriota, representado pelo leão Tatu. O bolsonarismo recorre ao seu eleitorado fiel, apela ao seu núcleo duro, ao perceber a perda – real ou ilusória – de apoio político.

Ao completar um ano de sua eleição, o outrora obscuro membro do baixo clero parlamentar, mais conhecido por suas declarações polêmicas do que por sua capacidade gerencial, poderia ter dado ênfase à aprovação da reforma previdenciária, à queda na cotação do dólar, à diminuição do risco-país, aos sucessivos recordes da bolsa de valores ou à geração de empregos.

Mas não… Jair optou pela polarização, por hostilizar importantes setores da sociedade e por mobilizar seu reduto eleitoral. Ao manter acesa a chama retórica, o presidente pode conservar o apoio de sua base popular, mas desgasta desnecessariamente as instituições nacionais. Melhor teria sido se voltasse seus olhos para o País e deixasse Red e Tatu se virarem na savana.


* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito e professor universitário. Foi o primeiro presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG e é membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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