O trabalho infantil e a perpetuação do ciclo da pobreza

Reprodução/WhatsApp

Por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior*

“Trabalho não atrapalha a vida de ninguém” e “dignifica o homem e a mulher, não importa a idade”. A estultice semanal, desta vez, foi relacionada ao trabalho infantil, que na visão presidencial não causaria quaisquer danos à criança e ao adolescente.

As afirmações do presidente são equivocadas de tantas formas que é até difícil determinar por onde começar a refutá-las. Mas vamos lá!

O primeiro argumento a ser afastado quando se discute o trabalho infantil é aquele baseado em uma visão autorreferenciada: a pessoa defende que o trabalho não causaria danos porque ela mesma teria trabalhado quando jovem. O próprio presidente se valeu de tal argumento, ao afirmar que teria colhido milho com seus irmãos quando tinha 9 ou 10 anos e que não teria sido prejudicado por isso.

A experiência pessoal dificilmente pode ser considerada um fundamento sólido para a implementação de políticas públicas. Até mesmo porque existem inúmeras realidades no mundo do trabalho. Não se pode pretender comparar a experiência daquele que passa o dia vendendo balas no sinal, sem segurança alimentar e destinando o dinheiro recebido para o sustento familiar, com a experiência do jovem de classe média que ajuda o pai em sua empresa após as suas aulas e durante o intervalo entre as suas várias atividades extracurriculares.

O desconhecimento da realidade enfrentada pela grande maioria das crianças e adolescentes que trabalham talvez seja um dos motivos pelos quais ainda seja tão tolerada. A análise dos Diagnósticos Intersetoriais Municipais de Trabalho Infantil (veja aqui) elaborados pela OIT e pelo Ministério de Desenvolvimento Social, e do III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (veja aqui) permite concluir que 2.7 milhões de adolescentes e crianças com mais de 5 anos de idade estão trabalhando em praticamente todas as cidades do País, na zona urbana ou rural, e milhares estão na lista daquelas que desempenham as Piores Formas de Trabalho Infantil.

Inúmeras razões podem ser apresentadas para se repudiar o trabalho infantil: ele viola os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, ele contraria convenções internacionais ratificadas pelo País, ele ofende a Constituição da República, a CLT e o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas o principal motivo pelo qual deve ser eliminado é porque ele determina o futuro das crianças e adolescentes, condenando-as, e suas gerações futuras, a permanecerem na pobreza.

Existem dados e pesquisas que comprovam a íntima correlação entre o ingresso prematuro no mercado de trabalho e uma renda mais baixa durante a vida profissional. O trabalho infantil está diretamente relacionado com o desinteresse pelos estudos, com o menor rendimento acadêmico e com o aumento da evasão escolar. Portanto, aqueles que começam a trabalhar mais cedo terão menores oportunidades de formação acadêmica e ocuparão cargos que exigem menor qualificação e que, por isso mesmo, oferecem menor remuneração. Assim, os filhos desses trabalhadores também ingressarão mais cedo no mercado de trabalho, a fim de ajudar no sustento familiar, comprometendo a sua própria formação. Cria-se, assim, um ciclo em que a pobreza e a baixa qualificação se sucedem, geração após geração.

O combate ao trabalho infantil é o passo necessário para se por termo à perpetuação do ciclo da pobreza. Esse era o compromisso que deveria ter sido assumido pelo presidente do Brasil.


* Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito e professor universitário.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior[email protected]

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior é doutor em direito civil, professor universitário, Diretor Científico da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil e associado ao IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Foi presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/MG. Apresentador do podcast “O direito ao Avesso”.

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