CPI dos fura-filas aprova relatório e pede denúncia contra ex-secretário de Saúde

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Documento foi aprovado em reunião nesta quinta (Clarissa Barçante/ALMG)

Após quatro meses de trabalho, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos fura-filas da vacinação em Minas aprovou o relatório final e concluiu que há indícios de irregularidade do processo de vacinação de servidores da SES-MG (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais). O documento, aprovado nesta quinta-feira (8), recomenda que o ex-secretário de Saúde do estado, Carlos Eduardo Amaral, e outros servidores sejam denunciados por peculato e improbidade administrativa.

Além do ex-secretário, o relatório aprovado pela ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) recomenda que o Ministério Público do estado denuncie também o ex-secretário-adjunto Luiz Marcelo Cabral Tavares, além do ex-chefe de Gabinete da pasta, João Márcio Silva de Pinho e da subsecretária de Vigilância em Saúde, Janaína Passos de Paula.

O documento, que foi entregue pelo relator da CPI, deputado Cássio Soares (PSD), aos demais deputados nesta manhã, foi aprovado por unanimidade pelos integrantes da comissão. A apresentação de denúncia pelos dois crimes citados no relatório está entre as seis recomendações de providências que a CPI fará a diversos órgãos a partir do que foi constatado pela comissão.

Peculato e improbidade administrativa

O crime de peculato refere-se à apropriação, por parte de um funcionário público, de um bem a que ele tenha acesso por causa do cargo que ocupa. A apresentação de denúncia nesse sentido será feita em requerimento da CPI ao coordenador do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça Criminal da capital. Segundo a comissão, a prática do crime de peculato se deu por no mínimo três vezes.

Já o requerimento que recomenda ação de improbidade administrativa também contra Carlos Eduardo Amaral e os outros três citados será encaminhado ao coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Minas Gerais (CAOPP), com base em dispositivos da Lei Federal 8.429, de 1992.

Esse crime refere-se à conduta inadequada, praticada por agentes públicos ou outros envolvidos, que cause danos à administração pública. No caso investigado pela CPI, relaciona-se à prática de ato visando fim proibido em lei ou regulamento e deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. 

Conduta inadequada

Com mais de 140 páginas, o relatório da CPI demarca, entre outros pontos, irregularidades ocorridas tanto na normatização estadual como na gestão do processo de vacinação pela pasta e na execução do processo na vacinação, que culminou com servidores da área administrativa da SES-MG sendo vacinados antes que todos os trabalhadores da linha de frente tivessem sido imunizados.

Em um dos capítulos, o documento cita que, em fevereiro, o então secretário Carlos Eduardo Amaral editou os memorandos que organizaram a vacinação dos servidores da SES-MG, autorizando a secretaria a fazer diretamente a vacinação dos servidores indicados pelas respectivas chefias a que estavam subordinados.

Segundo a CPI, isso foi feito mesmo sem levar em conta a vinculação com o órgão, se eram servidores efetivos ou trabalhadores públicos contratados a título precário, por exemplo, Além disso, o processo não considerou a formação acadêmica dos vacinados, o risco sanitário a que estivessem submetidos e se esses servidores se enquadravam no conceito de trabalhadores de saúde, previsto no PNO (Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19) para fins de vacinação prioritária.

A comissão concluiu que, para a criação dessa estrutura “paralela” de vacinação prioritária, Amaral contou com o auxílio material e intelectual de seu secretário-adjunto, do chefe de gabinete e da subsecretária de Vigilância em Saúde. O relatório ressalta que, ainda em fevereiro, o próprio secretário, assim como os demais servidores citados no documento, receberam a primeira dose do imunizante mesmo sem se enquadrarem nos critérios de prioridade.

A vacinação ocorreu na Central da Rede de Frio da SES, em Belo Horizonte, no dia em que ainda havia médicos e enfermeiros por vacinar. O Estado recebeu, a partir de 19 de janeiro deste ano, lotes de imunizantes contra a Covid-19 que deveriam ser distribuídos para os municípios mineiros – encarregados da vacinação – e aplicados nas pessoas que compõem os públicos prioritários definidos no PNO.

Normas não observadas

A CPI concluiu que a elaboração do plano de vacinação em Minas não seguiu a legislação do SUS (Sistema Único de Saúde) e as regras do Plano Nacional de Vacinação e do PNO. Esses documentos determinam que era fundamental que estados e municípios elaborassem uma microprogramação estabelecendo em detalhes os grupos prioritários, consideradas as peculiaridades locais.

Segundo a investigação da ALMG, ocorreu arbitrariedade na definição unilateral de público-alvo para a vacinação dos servidores da SES-MG e não houve a divulgação ampla e prévia das razões que os componentes do gabinete da pasta consideraram para autorizar a vacinação desse público. 

Houve, ainda, ilegalidade quanto à não publicidade do Memorando-Circular nº 7, em que a SES cita grupos prioritários, o que a CPI considerou como indício consistente de irregularidades na organização e vacinação dos servidores da SES-MG.

Casos descartados e em apuração

Em relação à vacinação contra a Covid-19 dos servidores da Gerência-Geral de Saúde Operacional da ALMG, o documento conclui que não foram constatadas irregularidades nesse processo de vacinação. Ressalta que a vacinação foi realizada pela PBH (Prefeitura de Belo Horizonte), tendo a comissão recebido documentos do setor responsável na prefeitura, com cópia das tratativas realizadas com o município. 

Por fim, o documento recomenda o envio, ao Ministério Público, das informações recebidas pela CPI quanto à sindicância aberta em Betim, na Grande BH, para apurar o processo de vacinação do deputado Professor Irineu (PSL), para que o MPMG tome as providências que entender cabíveis. 

Mínimo é descumprido

Quanto aos investimentos do estado em saúde, também abordados pela CPI, o relatório conclui que o governo mineiro deixou de cumprir o mínimo constitucional no exercício de 2020. Isso porque o índice de 10,75% da receita que foi aplicado em Ações e Serviços Públicos de Saúde (Asps) está abaixo do patamar de 12% estabelecido pela legislação vigente. 

O documenta ressalta que a maior parte (68,26%) da despesa realizada pelo Estado em 2020 e até 28 de maio deste ano para garantir leitos disponíveis para tratamento da Covid-19 foi custeada com recursos provenientes da União. Em contrapartida, o esforço fiscal realizado com recursos do Tesouro Estadual foi proporcionalmente bem menor (23,41% sobre o total). 

Apesar de mencionar dados sobre a expansão de leitos na rede permanente do estado, o documento ressalta que a capacidade instalada não foi suficiente para atender à demanda por internação na segunda onda da pandemia. Dessa forma, a CPI considera que a manutenção do hospital de campanha na capital poderia ter contribuído para evitar a falta de leitos nesse período. A estrutura foi desativada sem chegar a ser utilizada. 

Outras recomendações

Além das recomendações ao MPMG de denúncias relativas à vacinação, outras recomendações da CPI estão relacionadas e esses investimentos em saúde. Entre elas, está o envio do relatório ao parlamentar que for designado para emitir parecer sobre as contas do governador. 

O objetivo é subsidiar estudo sobre o descumprimento, pelo estado de Minas Gerais, do mínimo constitucional da saúde para o exercício de 2020, conforme está detalhado no relatório.  Cópias do relatório da CPI serão encaminhadas ainda ao governador e aos secretários de Estado de Fazenda, de Saúde e de Planejamento e Gestão, recomendando que os processos de apuração do mínimo constitucional sejam mais transparentes e mais bem fundamentados.

Comissão atuou em duas frentes 

A CPI dos Fura-Filas da Vacinação iniciou seus trabalhos na Assembleia Legislativa no dia 17 de março e tinha 120 dias para concluir suas atividades, o que poderia ser feito até a próxima quinta-feira (15).

Duas frentes orientaram o trabalho do grupo. A primeira etapa se deu do início das atividades da CPI até o dia 20 de maio. Foram realizadas 16 reuniões na ALMG, uma visita técnica à Central Estadual de Rede de Frio de Minas Gerais e uma diligência ao gabinete do secretário de Estado de Saúde. 

A segunda fase dos trabalhos teve início em 21 de maio e se estendeu até o dia 29 de junho. Nesse período, foram realizadas duas reuniões em Belo Horizonte. No total, 27 depoimentos foram colhidos e 159 requerimentos foram aprovados.

Relembre o caso

O ex-secretário de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, virou alvo de investigação após se vacinar contra a Covid-19 fora do período estipulado pelas orientações nacionais para a imunização. A informação foi confirmada pelo próprio gestor em entrevista à Record TV Minas, em março. Além dele, outros servidores também foram imunizados contra a doença que matou mais de 19 mil mineiros até aquela semana, ocasião em que foi instaurada a investigação para apurar possível desrespeito à fila da vacinação.

Após a repercussão do caso, o então secretário chegou a afirmar que “não errou” ao se vacinar e disse que a aplicação do imunizante nele e nos demais servidores aconteceu “no momento oportuno”. “Não vejo nenhum ilícito, não vejo nenhuma imoralidade… Toda operação foi feita na legalidade, seguindo as orientações do Ministério da Saúde. Nós estamos dentro do Plano Nacional de Imunização. Houve consulta prévia aos órgãos de controle. Os servidores foram vacinados porque havia chegado seus grupos”, disse, à época.

Poucas horas após as alegações, feitas em entrevista coletiva, Carlos Eduardo Amaral foi afastado do cargo e substituído por Fábio Baccheretti.

Com ALMG

Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

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