Damares suspende construção do Memorial da Anistia em BH e fala em ‘caixa-preta’: ‘Zombaram dos anistiados’

Obras estão paralisadas desde 2016, segundo UFMG (Google Street View 2018/Reprodução)

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, anunciou no início da noite dessa terça-feira (13), em Belo Horizonte, que o governo federal não vai mais concluir a construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, que deveria estar pronta desde 2016 e funcionaria em terreno ao lado da antiga Fafich, no bairro Santo Antônio, região Centro-Sul da capital.

Em um post feito no seu Instagram, a ministra afirmou que “abriu uma caixa preta” e que “vai investigar e prender todos que estejam envolvidos em corrupção”. “Uma obra inacabada! Zombaram dos anistiados. Quem mesmo viola os direitos humanos? Estou irada, irada com a corrupção”, proferiu.

De acordo com a ministra, embora tenha sido inicialmente orçada em cerca de R$ 5 milhões, a construção do memorial começou em 2009 e já consumiu cerca de R$ 28 milhões. Uma auditoria administrativa realizada pelo ministério aponta que parte do dinheiro usado para custear o início das obras saiu do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), administrado pelo Ministério da Justiça.

“Este dinheiro foi tirado de reforma de presídios, da modernização da Polícia Federal. Este projeto estava dentro do Ministério da Justiça, então, foi necessário remanejar o recurso”, disse a ministra. “Infelizmente, isto não é culpa nossa. Pegamos uma obra inacabada e não temos recursos para terminá-la, pois a finalização deste memorial nem sequer está prevista no nosso orçamento. Não foi nosso governo que deu causa a este problema”, pontuou Damares.

De acordo com a ministra, o projeto era desenvolvido pelo Ministério da Justiça, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com a prefeitura da capital mineira, com apoio da Caixa Econômica Federal.

UFMG contesta valores

Procurada pelo BHAZ na manhã desta quarta-feira (13), a UFMG enviou notas com o posicionamento de seus representantes. O pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFMG, Mauricio Freire Garcia, rebateu as informações sobre os valores apresentados por Damares Alves e disse que a obra foi paralisada em 2016.

“Não são esses que estão sendo veiculados. A fonte que nós temos, o que está registrado no Sistema Federal Financeiro (Siaf), e que foram gastos na obra em torno de R$ 12 milhões desde o início, em 2009”, disse o pró-reitor, que informou que a prestação de contas foi entregue à ministra.

Questionado sobre o orçamento inicial da obra, Mauricio Garcia confirmou que inicialmente estavam previstos R$ 5 milhões, para os anos de 2009 e 2010, mas que demandas feitas pelo próprio Ministério da Justiça elevaram os custos.

“O processo inicial previa recursos para os anos de 2009 e 2010, para projetos e para levantamentos, para a construção; não é só a questão do prédio, mas da construção da museografia. Estavam previstos R$ 5 milhões. Posteriormente, as demandas do ministério foram mudadas e foram feitos aditivos. Então mais recursos foram prometidos, ou empenhados nesse sentido, mas efetivamente executados pela UFMG de acordo com as demandas do Ministério, foram R$ 12 milhões”, garantiu.

A reitora da UFMG, Sandra Goulart Almeida, disse ter ficado contente com a visita da ministra Damares, já que esse era um antigo pedido da UFMG ao Ministério da Justiça, para que um representante viesse a BH conhecer os prédios e o trabalho de pesquisa já feito pela UFMG.

“A pesquisa que foi feita, a memória, os acervos, estão todos preservados. A UFMG é um patrimônio do nosso país e temos o compromisso com a Justiça, um compromisso com o ministério e com todos os agentes que estão atuando na defesa dos direitos humanos”, comentou Sandra Goulart. 

Segundo a reitora, “coube à UFMG simplesmente executar um projeto que era do Ministério da Justiça, iniciado há quatro gestões da universidade”. De 2006 a 2010, quem esteve à frente da reitoria da UFMG, foi o professor Ronaldo Tadeu Pena; nos quatro anos seguintes (2010 a 2014), Clélio Campolina Diniz; e, antes de Sandra Goulart, o professor Jaime Arturo Ramirez (2014-2018).

Maquete do memorial (Foca Lisboa/UFMG)

“A UFMG cumpre a missão que é delegada a ela como instituição federal. Então cabe à ministra decidir o que vai ser feito e cabe à UFMG responder à altura e ajudar no que for necessário. Nos envolvemos nesse projeto (Memorial da Anistia) porque é de interesse da sociedade. Então, claro que nós gostaríamos de vê-lo tendo função que seja útil para a sociedade, para o poder público, mas não cabe a nós definir como ele será utilizado. Como eu disse, a UFMG atuou da forma como foi solicitada pelo poder público”, acrescentou a reitora.

Prédio antigo apresentou problemas

De acordo com o pró-reitor de Administração da UFMG, Ricardo Fakury, ao longo dos anos foram finalizados os trabalhos de terraplenagem do terreno e 80% da construção do prédio onde seria o memorial.

“Na frente do terreno, onde seria uma praça, foi feita muita coisa em terraplanagem. O terreno está praticamente pronto para receber o acabamento necessário. Já o prédio que foi construído está 80% pronto. Tem muito material que ainda precisa ser colocado no devido local, mas grande parte desse material já está adquirida. É um trabalho relativamente pequeno que falta”, esclareceu Fakury.

Ele citou ainda outra parte da obra, que é o ‘Coleginho’, que teria ficado em segundo plano porque foram detectados problemas quando o telhado seria colocado, alegando que se trata de “um prédio muito antigo, com mais de 100 anos”.

“São situações fortuitas que podem ocorrer numa edificação mais antiga. Resultado: para a gente terminar de fazer no Coleginho, temos que fazer uma estrutura de reforço. Essa parte não foi feita ainda, mas de qualquer forma protegemos o patrimônio deixando as paredes devidamente escoradas. O valor gasto até então, R$ 12 milhões, é consistente com a área construída, com os trabalhos que foram feitos aqui na praça e com as atividades de escoramento do Coleginho”, afirmou. 

Novo destino ao memorial

De acordo com a ministra Damares Alves, sua pasta já criou uma comissão para tentar encontrar outra finalidade para o prédio que abrigaria o museu, e também uma solução para reformar o Coleginho, antiga sede da Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas da UFMG, hoje considerado um patrimônio histórico e arquitetônico. 

“Não temos dinheiro. Viemos aqui [a Belo Horizonte] para, junto com a universidade, encontrar uma solução. O país, o governo federal, o governo estadual… está todo mundo em crise. Então, não temos dinheiro, nem condições de terminar este memorial. Precisamos dar um destino a esta obra, que é muito bem construída. Ela não vai ser entregue à sociedade da forma como foi planejada, como um memorial, mas podemos encontrar um outro destino”, acrescentou a ministra.

Entenda o projeto

O projeto de construção do Memorial da Anistia foi um compromisso que o Estado brasileiro assumiu perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) como uma das medidas de reparação “para enfrentar o legado de graves violações de direitos humanos perpetrados durante o regime militar (1964-1985) no país”.

O projeto inicial previa que o memorial funcionaria junto ao prédio do chamado Coleginho, abrigando centro de pesquisa com acervo documental relativo a cerca de 60 mil processos de indenização que foram apresentados na Comissão da Anistia Política. As intervenções, no entanto, acabaram comprometendo a estrutura do Coleginho. Com isso, optou-se pela construção da atual estrutura inacabada, atrás do prédio histórico, hoje, interditado.

A ministra destacou que a Comissão de Anistia Política se voltará a outras prioridades. “Esta comissão tem uma tarefa mais importante e primordial: dar resposta aos mais de 7 mil requerimentos [de anistia] que ainda temos para analisar. A comissão vai focar em dar respostas a essas pessoas”, acrescentou a ministra, afirmando que, “mesmo tendo direito a receber indenizações”, algumas pessoas morreram “abandonadas e sem dinheiro” enquanto aguardavam que os membros da comissão analisassem seus requerimentos.

A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de Cultural, e citada pela ministra como parceira do Ministério da Justiça na construção do memorial, foi procurada pelo BHAZ na manhã desta quarta-feira. Tão logo se posicione, a reportagem será atualizada.

Com Agência Brasil

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