Após posar com agressor de Maria da Penha, deputado do PSL se justifica: ‘Não corroboro’

deputado psl maria da penha
Deputado (à direita) posou ao lado do agressor (à esquerda) de Maria da Penha (Reprodução/Jessé Lopes/Instagram)

Um encontro entre o deputado estadual de Santa Catarina Jessé Lopes (PSL-SC) e o agressor da farmacêutica brasileira Maria da Penha – que lutou para que o homem fosse condenado, dando nome a uma das leis mais importantes para o combate à violência contra a mulher no Brasil – gerou revolta nas redes sociais. Nessa terça-feira (31), Jessé publicou uma foto ao lado de Marco Antonio Heredia Vivero, ex-marido de Maria da Penha, condenado por tentar matá-la enquanto estavam casados.

Na imagem, o deputado pergunta aos seguidores se eles conhecem “este senhor”, e explica na sequência que é ele “o marido da Maria da Penha”. “Seu nome é Marco Antônio, o marido da Maria da Penha. Visitou o meu gabinete e contou a sua versão sobre o caso que virou lei no Brasil. Sua história é, no mínimo, intrigante”, diz a publicação.

Web rejeita ‘nova versão dos fatos’

Após a publicação, a fala de Jessé viralizou nas redes sociais e gerou revolta em milhares de pessoas, que apontaram que, em casos de agressão como a praticada por Marco Antônio, não há “outro lado da história” – já que ele tentou tirar a vida da ex-esposa.

“A história é ‘intrigante’ porque mesmo depois de tudo o cara tá passeando de boa por aí… Intrigante pela impunidade, só se for”, criticou uma internauta. Veja um pouco da repercussão abaixo:

O que diz o deputado

Procurado pelo BHAZ, o deputado Jessé Lopes enviou, por meio da assessoria de imprensa, um comunicado detalhando o encontro com Marco Antonio. Segundo Jessé, o homem não fez nenhum agendamento para a visita ao gabinete e apresentou ao parlamentar um documento que apresenta outra versão da denúncia feita por Maria da Penha à época do crime.

“A nós foi apresentada uma versão dos fatos, acompanhada de documentação do próprio processo que supostamente comprovaria a narrativa, o que intrigou a mim e a minha equipe, especialmente em razão do momento em que tudo era trazido a nosso conhecimento, já há décadas do ocorrido, e por se tratar de uma versão diametralmente oposta aos fatos julgados nos autos”, explica o deputado.

“Entretanto, deixo claro que ouvir a versão do Sr. Marco não significa que corroboro com a fala apresentada, tampouco que me compadeço das consequências que o atingiram após o trâmite regular das ações judiciais envolvendo o caso, visto que o processo tramitou regularmente com direito a ampla defesa e contraditório e, ainda assim, resultou na sua condenação”, afirma.

Jessé diz também que nunca foi contra a Lei Maria da Penha, e que o fato de receber o agressor que quase tirou a vida da vítima não significa que ele é contrário à lei. “Àqueles que alegam que estou ridicularizando o combate à violência contra mulher, convido a conhecer minha atuação no parlamento catarinense”, justifica o .

A história por trás da Lei

Em 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte do então companheiro. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão, a vítima ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda. Também constam em laudo médico outras complicações físicas e traumas psicológicos.

No entanto, Marco declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia. Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.

O primeiro julgamento do autor ocorreu apenas em 1991, oito anos após o crime. Marco Antonio foi condenado a 15 anos de prisão, mas a Justiça acatou recurso da defesa e o autor saiu em liberdade. O segundo julgamento só foi realizado em 1996, quando o ex-marido foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.

Após o caso ganhar repercussão internacional, em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) denunciaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).

Após a denúncia, em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. E só então, em agosto de 2006, depois de anos de luta de organizações feministas, foi sancionada a Lei Maria da Penha, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher (confira mais detalhes aqui).

Nota do deputado na íntegra

Nesta terça feira (31) recebi em meu gabinete o Sr. Marco Antônio Heredita Viveros, ex-companheiro da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima conhecida do famoso “Caso Maria da Penha”, que originou toda a comoção que culminou na aprovação e subsequente sanção da Lei Federal 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.
Por volta das 14h, sem agendamento prévio, o Sr. Marco Antônio chegou ao meu gabinete após ter visitado outros colegas parlamentares na Assembleia Legislativa. Como de praxe, sem agendamento prévio e sem saber de sua vinda à ALESC, o recebi, que então veio a se apresentar e solicitar minha atenção por alguns minutos.
Ouvi, juntamente com alguns assessores, o que o Sr. Marco tinha a dizer, recebi um exemplar do seu livro e, a pedido, registrei o momento, publicando nas redes sociais, mais tarde, como faço com todos que me procuram, a fim de cumprir com os ideais de transparência que norteiam minha atuação na Assembleia Legislativa.
A nós foi apresentada uma versão dos fatos, acompanhada de documentação do próprio processo que supostamente comprovaria a narrativa, o intrigou a mim e a minha equipe, especialmente em razão do momento em que tudo era trazido a nosso conhecimento, já há décadas do ocorrido, e por se tratar de uma versão diametralmente oposta aos fatos julgados nos autos.
Entretanto, deixo claro que ouvir a versão do Sr. Marco não significa que corroboro com a fala apresentada, tampouco que me compadeço das consequências que o atingiram após o trâmite regular das ações judiciais envolvendo o caso, visto que o processo tramitou regularmente com direito a ampla defesa e contraditório e, ainda assim, resultou na sua condenação.
Nunca fui contra a Lei Maria da Penha e de forma alguma o fato de receber inesperadamente o indivíduo responsável pelo crime, significa que sou contrário de alguma forma à Lei Federal 11.340 e seus efeitos.
Permaneço firme e alinhado às minhas convicções e estou com a consciência limpa. Àqueles que alegam que estou “ridicularizando o combate à violência contra a mulher”, convido a conhecer minha atuação no parlamento catarinense e as proposições que tenho tramitando na Casa no sentido da defesa de mulheres e crianças.

Com informações do Instituto Maria da Penha

Edição: Giovanna Fávero
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

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