Emails da Pfizer comprovam omissão da gestão Bolsonaro na busca por vacinas

CPI Covid
Os e-mails enviados pela empresa devem abrir uma linha de investigação (Carolina Antunes/PR + Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Senadores que integram o grupo majoritário da CPI da Covid, formado por independentes e oposição, consideram que os e-mails enviados pela Pfizer comprovam a omissão do governo nas tratativas para comprar vacinas contra a Covid-19. O lado governista da comissão, por sua vez, considera que essas comunicações fazem parte de um esforço para se criar uma narrativa falsa contra o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Reportagem da Folha mostrou que emails enviados pela Pfizer ao Ministério da Saúde, entregues à CPI em caráter de sigilo, evidenciam a insistência da farmacêutica para negociar vacinas com o governo federal, ao mesmo tempo que deixam clara a ausência de respostas conclusivas às propostas apresentadas pela empresa.

De 14 de agosto a 12 de setembro de 2020, quando o presidente mundial do laboratório mandou carta ao Brasil, foram ao menos dez emails enviados pela farmacêutica discutindo e cobrando resposta formal do governo sobre a oferta apresentada.

A ausência de respostas para a compra de vacinas pela Pfizer se tornou um dos temas centrais da CPI, principalmente após depoimento do ex-secretário Fabio Wajngerten, na semana passada. Wajngarten disse à comissão que iniciou tratativas com a Pfizer após constatar que as propostas para a venda de vacinas da empresa ficaram quase dois meses sem resposta do governo. A fala foi corroborada com a oitiva seguinte, do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.

Para senadores do grupo majoritário da CPI, os e-mails da Pfizer deixam claro que o governo buscava combater a pandemia com métodos alternativos, que não passavam pela vacina.

“Os documentos apontam que a CPI está no caminho correto da investigação. Enquanto os brasileiros precisavam de vacina, máscaras e oxigênio, o governo escolheu a contaminação de todos e o negacionismo, o resultado é a tragédia que estamos vivendo”, disse à Folha o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O também integrante da CPI e médico de formação Otto Alencar (PSD-BA) compartilha a visão do vice-presidente da comissão. “Esses e-mails comprovam o que desconfiávamos, de que o governo Bolsonaro postergou a compra de vacinas, porque tinha a falsa crença de que a hidroxicloroquina e a imunidade de rebanho iriam funcionar no enfrentamento à pandemia”, afirmou o senador.

Otto Alencar afirma que as investigações certamente vão revelar novos fatos e informações nessa direção, de omissão na compra de vacinas. “Vacina nunca foi prioridade. Bolsonaro foi muito franco com isso, tanto que no fim do ano passado ele disse que o vírus ia embora e que não iria comprar vacina”, completou o senador.

Os e-mails enviados pela empresa devem abrir uma linha de investigação. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirma que as mensagens deixam claro que as negociações não foram levadas adiante de uma maneira diligente. “Eles mostram que a negociação foi, na melhor das hipóteses, amadora é lenta”, afirmou.

O lado governista da CPI, por outro lado, desdenha das informações contidas nos e-mails e afirma que se trata de uma tentativa de criar uma narrativa para atingir diretamente o presidente Jair Bolsonaro. “É impressionante a narrativa que se quer criar. Essa discussão é inócua. Os governadores conseguiram no Supremo Tribunal Federal o direito de comprar vacinas. Quantas doses da Sputnik já chegaram ao Brasil? Por que elas não foram compradas? Porque não tinha aprovação da Anvisa”, afirma o senador governista Ciro Nogueira (PP-PI), em referência ao fato de que na época dos e-mails a agência de vigilância sanitária não havia aprovado a imunização da Pfizer.

“Essa discussão da Pfizer é para se criar uma narrativa falsa contra o governo. O que é fato é que todas as tratativas com a Pfizer nesse período aí, a Pfizer sempre ofereceu muito menos vacinas do que o governo brasileiro comprou neste ano. Impressionante essa narrativa. É uma tentativa muito grande de tentar criar um fato errado contra o governo”, completou.

Cronologia dos emails entre Pfizer e Ministério da Saúde

31 de julho de 2020
Pfizer pede audiência urgente com a pasta. País registrava cerca de 92,5 mil mortes

4 de agosto de 2020
Ministério confirma reunião para dia 6 de agosto

8 de agosto de 2020
País ultrapassa marca de 100 mil mortos por Covid-19

14 de agosto de 2020
Empresa envia a proposta formal para fornecimento de futura vacina. Previsão era de 70 milhões de doses, acima das 30 milhões discutidas anteriormente

17 de agosto
Envia um email a técnicos da Saúde um link para acessar documentos com informações sobre a vacina e a proposta. Envia um segundo email a técnicos da Economia informando sobre a proposta que havia sido feita.

18 de agosto de 2020
Pfizer afirma que consegue antecipar 1 milhão de doses para entrega em ainda 2020, após aval da Anvisa. Email reforça que a validade da proposta era 29 de agosto e pede urgência para resposta

19, 21, 25 e 26 de agosto de 2020
Pfizer faz contato telefônico e eletrônico e pede uma posição do ministério. Envia proposta com revisão no cronograma e entrega de doses

29 de agosto de 2020
Data limite da primeira oferta. Não há documento entregue pela Pfizer à CPI referente a este dia. Mortes por Covid-19 passam de 120 mil

2, 12 e 15 de setembro de 2020
Pfizer faz novo contato com ministério e se coloca à disposição para reunião sobre o andamento dos estudos da vacina. No período, presidente mundial da Pfizer encaminha mensagem a Bolsonaro e Pazuello. Empresa diz que fechou acordo com os Estados Unidos e reforma que celeridade é crucial, pois há número limitado de doses em 2020. Email enviado ao presidente Bolsonaro e ministros é encaminhado a integrantes do Ministério da Saúde

14 de outubro de 2020
Número de mortes já passava de 150 mil no país. Empresa envia dados ao Programa Nacional de Imunizações

27 de outubro de 2020
Reunião entre Pfizer e governo para retomar as negociações

10 de novembro de 2020
Pfizer tem reunião com Bolsonaro, Guedes e Wajngarten. Foi reapresentada a proposta de 70 milhões de doses, com um mínimo a ser adquirido no primeiro semestre e o restante no segundo semestre. Empresa reforça que contrato será efetivado somenta após aval da Anvisa, “sem qualquer risco/prejuízo financeiro ao país caso nossa vacina não receba o registro”

13 de novembro de 2020
Número de mortes chega a quase 165 mil. Ministério confirma reunião com a empresa para 17 de novembro

Dia 24 de novembro de 2020
Pfizer manda termos atualizados do acordo. Validade da proposta é 7 de dezembro. Depois disso, doses serão distribuídas a outros países

2 e 3 de dezembro de 2020
Empresa tenta contato telefônico e eletrônico, relata ter deixado inúmeras mensagens, mas não obteve a resposta

4 de dezembro de 2020
Ministério enviar uma contraproposta à empresa

6 e 9 de dezembro de 2020
Pfizer pede reunião para discutir contraproposta e mostra que memorando de entendimento depende de medida provisória do governo, ainda a ser editada

10 de dezembro de 2020
Ministério fecha memorando de entendimento com a Pfizer. Brasil chega perto de 180 mil mortes

Folhapress

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