Farra das Diárias: Assembleia de Minas ignora crise e dobra gasto com viagens

Sarah Torres/ALMG

A crise pela qual atravessa Minas Gerais – e que resultou no rombo de R$ 8,9 bilhões nas contas públicas do ano passado – parece não ter afetado o orçamento da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A nova legislatura praticamente dobrou os gastos com diárias em relação aos deputados do mandato anterior: R$ 4 milhões, em 2015, ante R$ 2,1 milhões, em 2014, o que representa uma alta de 90%.

As despesas, que precisam ser autorizadas pelo presidente da Casa, deputado estadual Adalclever Lopes (PMDB), incluem gastos com alimentação e transporte local no município de destino, além da própria hospedagem. Neste ano, o valor de diárias segue o mesmo patamar imposto pela atual legislatura: R$ 1,8 milhão já foi pago nos seis primeiros meses, próximo do montante total de 2014. Todas as informações foram apuradas através do Portal da Transparência do Estado de Minas.

Quando comparada com outros entes públicos com gastos vultosos de diárias (acima de R$ 1 milhão), a Assembleia de Minas foi a campeã na variação entre 2015 e o ano anterior. Os deputados passaram a consumir 90% a mais desse tipo de despesa, enquanto a maioria das Pastas do Executivo registrou queda: a Secretaria de Estado de Educação, dona do maior gasto de diárias, por exemplo, diminuiu de R$ 16,4 milhões para R$ 13,6 milhões – já a Polícia Militar, cortou 11%: de R$ 15,3 milhões para R$ 13,6 milhões.

“É uma irresponsabilidade. Se fala em restrição orçamentária e os deputados simplesmente dobram o gasto com diárias. Se não consegue diminuir as despesas com diárias, imagine em outras áreas”, avalia o doutor em Economia e professor do Ibmec, Felipe Leroy. “Não há um estudo sequer para melhorar o fluxo, concentrar reuniões, realizar videoconferências… O setor privado tem uma facilidade grande para reduzir custos com deslocamento de funcionário. Às vezes, se desloca toda uma equipe para o Norte de Minas apenas para uma reunião. Esse tipo de estudo impactaria significamente nesses gastos”, argumenta o especialista.

Questionada pelo Bhaz, a ALMG esclareceu que “as diárias de viagens são pagas aos deputados em razão do exercício da atividade legislativa, de fiscalização, de representação parlamentar e de interesse do Poder Legislativo”. Entre exemplos de atividades, foram citados eventos institucionais, visitas e participação em audiências públicas. Cada um dos 77 deputados pode receber até R$ 6,7 mil todos os meses para gastar com viagens – um total de R$ 6,2 milhões por ano.

Mistério

Apesar do Portal da Transparência revelar o lançamento de cada uma das diárias, a assembleia mineira não divulga qual deputado foi responsável por determinado gasto – nem mesmo como foi realizada a despesa. No ano passado, por exemplo, apenas um documento (numeração 1704) foi responsável pelo ressarcimento de R$ 200 mil. Na descrição, estão apenas as obscuras informações “OP PAGA” e “99999956912 – DEPUTADOS DO PODER LEGISLATIVO”.

Procurada, a assessoria da ALMG informou que a Casa discrimina as despesas apenas por dois grupos – deputados e servidores. “Não é especificado o nome do deputado ou do servidor. No caso referido, diz respeito a diárias pagas a deputados, que podem, inclusive, ser retroativas. A deliberação determina que o requerimento para concessão de diária pode ser apresentado em até 90 dias do retorno da viagem”, diz trecho do posicionamento.

“Obviamente, num contexto de crise, é importante se rever o valor das diárias. Mas o principal problema não é o valor do gasto, mas a qualidade das despesas. Está sendo bem gasto? A democracia custa caro. Os valores também mostram que a política pública não está paralisada dentro de gabinete. Agora, tem abusos? Pode ser que tenha”, analisa o professor da UFMG e cientista político, Lucas Cunha.

Prestação de contas

A ALMG informou que, somente no primeiro semestre deste ano, foram realizados dois grandes eventos: o Fórum Técnico do Plano Estadual da Educação e o Fórum Técnico do Plano Estadual da Cultura. “Ambos eventos tiveram etapas regionais com o objetivo de coletar sugestões da população para aprimoramento dos projetos de lei”, afirmou, por nota. No total, para os dois fóruns, foram realizadas 23 viagens a cidades do interior.

Guilherme Bergamini/ALMG
Fórum Técnico Plano Estadual de Educação realizado, em março, em Varginha (Guilherme Bergamini/ALMG)

Sobre o salto em 2015, quando esse tipo de despesa praticamente dobrou, a assessoria da Casa alegou que 2014 foi um ano eleitoral. “Por esse motivo, há uma redução na demanda por viagens. Também pode-se apontar o reajuste automático no valor da diária dos deputados, que está vinculada ao subsídio mensal. Em 2014, o valor era de R$ 668,08 e, em 2015, passou para R$ 844,07”, diz trecho enviado ao Bhaz.

Gasto recorde

A atual Mesa Diretora também foi responsável pelo aumento da verba indenizatória neste ano: o valor disponível para cada um dos deputados subiu de R$ 20 mil para R$ 27 mil. Essa quantia pode ser usada para arcar com combustível, aluguel de imóveis e veículos, divulgação de ações do próprio mandato, assinatura de periódicos, clippings, entre outras funções.

A direção da ALMG, encabeçada por Adalclever Lopes, também reajustou neste mandato (2015-2018) o auxílio-moradia de R$ 2,8 para R$ 4,3 mil. Os parlamentares ainda derrubaram, no ano passado, regra que permitia o pagamento de tal benefício apenas para os deputados que não possuíam residência fixa na região metropolitana de Belo Horizonte.

Vale lembrar que tanto as diárias, quanto a verba indenizatória ou mesmo o auxílio-moradia são pagos além do salário mensal dos parlamentares mineiros de R$ 25.322,25.

Thiago Ricci[email protected]

Editor-executivo do BHAZ desde agosto de 2018, cargo ocupado também entre 2016 e 2017. Jornalista pós-graduado em Jornalismo Investigativo, pela Abraji/ESPM. Editor-chefe do SouBH entre 2017 e 2018; correspondente do jornal O Globo em Minas Gerais, entre 2014 e 2015, durante as eleições presidenciais; com passagens pelos jornais Hoje em Dia e Metro, TVs Record e Band, além da rádio UFMG Educativa, portal Terra e ONG Oficina de Imagens. Teve reportagens agraciadas pelos prêmios CDL, Délio Rocha, Adep-MG e Sindibel.

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