Fotógrafa mineira lança livro que documenta tragédia de Mariana

Tragédia de Mariana
Livro documenta tragédia desde o dia seguinte ao rompimento da barragem (Isis Medeiros)

No mês em que a tragédia de Mariana completa cinco anos, a fotógrafa mineira Isis Medeiros, lança o livro “15:30”, que reúne imagens feitas por ela desde a cobertura inicial até seus desdobramentos nos anos seguintes junto às comunidades locais. A fotógrafa acompanhou de perto o crime ambiental da mineradora Samarco/Vale na cidade histórica, ocorrido em 2015.

“Cheguei em Mariana no dia seguinte ao rompimento da Barragem de Fundão. O primeiro sentimento foi de estar completamente perdida em meio ao caos. Queria encontrar uma forma de mostrar o que estava acontecendo através da fotografia, mas de repente me vi diante de uma situação que me paralisou”, relata Isis Medeiros.

Com prefácio do escritor e ativista indígena Ailton Krenak, a obra será lançada na próxima segunda-feira, dia 30 de novembro, pela Tona, nova editora de Belo Horizonte, que tem como foco livros de fotografia contemporâneos. Na ocasião, Isis Medeiros vai conduzir uma live às 19h, no canal do YouTube da editora Tona, com Ailton Krenak, a fotógrafa e documentarista Nair Benedicto e a ativista Simone Silva, do grupo de atingidas da Bacia do Rio Doce.

Ailon Krenak
O líder indígena e ambientalista Ailton Krenak fará parte da live de lançamento (Isis Medeiros)

Na segunda-feira seguinte, dia 4 de dezembro, no mesmo horário, a fotógrafa realiza mais uma live para divulgar o livro, desta vez com o fotojornalista João Ripper, a ativista Eliane Balke, também do grupo de atingidas da Bacia do Rio Doce, e a jornalista Cristina Serra, autora do livro “Tragédia em Mariana: A história do maior desastre ambiental do Brasil”. A pré-venda da obra está disponível por meio deste link. O livro será vendido por R$ 40.

O livro

“15:30” traz 71 imagens selecionadas por Medeiros dentre mais de 8 mil fotos que compõem todo trabalho. “Não foi fácil editar todo esse material. É bem grande e diverso. Vai desde as primeiras reuniões de atingidos pela barragem em Mariana, passando por retratos, visitas a comunidades, reuniões, plenárias, manifestações, marchas e encontros, até as últimas imagens das ruínas de Bento Rodrigues, quatro anos após o crime”, conta a fotógrafa.

árvores em tragédia de mariana
Fotógrafa cobriu a tragédia desde o dia seguinte ao rompimento da barragem (Isis Medeiros)

“Como representar cinco anos de luta, resistência, impunidade e injustiça? Qual a melhor forma de contar sobre sofrimento, dor e indignação, através das imagens? São escolhas complexas, revisitar esse trabalho foi uma tarefa difícil”, pontua. Isis Medeiros conta que a cobertura do crime ambiental de Mariana mudou toda sua perspectiva profissional como fotógrafa.

Foi através do contato com os atingidos pela tragédia que a mineira decidiu tornar-se fotojornalista e desenvolver um trabalho de denúncia com relação à atividade exploratória da mineração em Minas Gerais. “Estar diante desse crime me fez sentir mais humana. Isso interferiu diretamente no meu fazer fotográfico, na minha abordagem e na aproximação das pessoas”, conta.

‘Ampliar as vozes’

A ideia do livro surgiu logo no início de seu trabalho, quando ela passou a acompanhar as comunidades da Bacia do Rio Doce. “Fui pela primeira vez cobrir a situação em Mariana já acompanhando o Movimento dos Atingidos por Barragens. Foi através da atuação junto aos movimentos sociais que me envolvi de forma mais prática, nas cidades e comunidades atingidas”, relembra.

“Com o passar do tempo e o esfriamento do assunto, vi cada vez mais a necessidade de produzir um material que ficasse para a posteridade, que trouxesse a temática para o centro do debate. Com intenção de ampliar as vozes dos atingidos que gritam por justiça, decidi materializar parte desse trabalho em um livro”, completa.

Para Medeiros, há pouca informação documental sobre o assunto nos museus, galerias e acervos públicos. “Não temos sequer uma plataforma digital reunindo os principais estudos a respeito do tema, uma exposição audiovisual ou qualquer outra documentação disponível para estudo, quem está contando essa história são as mineradoras. Sentia a obrigação de devolver parte dessa história documentada às comunidades, após cinco anos de envolvimento, uma solução possível foi produzir esse livro”, ressalta.

O nome “15:30” vem do momento exato em que foi anunciado internamente na mineradora Samarco a ruptura da barragem: “Queria chamar atenção para a hora exata, porque segundo a população atingida, foi exatamente quando a vida foi interrompida em toda região. É uma simbologia que representa esse rompimento da história e um início de um longo processo de novos crimes e violações de direitos”.

A autora

Formada em Design, Isis Medeiros decidiu que iria rumar pela fotografia ainda durante o curso, quando fez um intercâmbio na Ilha de Malta. Ao voltar para o Brasil, em 2013, deparou-se com as jornadas de manifestações de junho e saiu com a câmera nas mãos para documentar o histórico momento político do país.

De lá para cá, além da cobertura da tragédia ambiental de Mariana e da situação da mineração em Minas Gerais também em outros territórios, participou de outros projetos com viés social. “Meu trabalho é também voltado à luta e ao empoderamento das mulheres. Realizei, em 2016 o projeto ‘Mulheres Cabulosas da História’, premiado com a medalha ‘Clara Zetkin’, que destaca mulheres com iniciativas transformadoras”.

Medeiros é integrante da foto-coletiva Mamana e uma das fundadoras do grupo “Fotografia pela Democracia”, iniciativa nacional de fotógrafas e fotógrafos que lutam em defesa da democracia e dos direitos humanos no Brasil (2018). Em 2019, recebeu menção honrosa no Primeiro Congresso de Fotógrafas Latino-Americanas, única brasileira premiada no concurso.

Em 2020, coordenou a campanha solidária “Fotografias por Minas”, em apoio a comunidades desassistidas para enfrentamento do coronavírus. Também lançou neste ano o projeto fotográfico documental “Canaã” e foi convidada a apresentá-lo através do programa Convida, do Instituto Moreira Sales.

A editora

O livro “15:30” é a primeira publicação lançada pela editora Tona. Voltada para trabalhos de fotografia contemporâneos, a nova editora de Belo Horizonte é fruto da parceria entre os fotógrafos Pedro Castro e Douglas Mendonça.

“A ideia é publicar novos fotógrafos e novas fotógrafas, bem como trabalhos atuais de profissionais que estão há mais tempo no mercado. A ideia é que a editora seja um espaço que viabilize as pessoas de publicarem, e que elas sejam reconhecidas por isso”, explica Pedro Castro. “Por isso, a preocupação em trabalhar com fornecedores de BH e Região Metropolitana. Temos muita potência, dá para fazer uma editora só com artistas daqui”, completa.

Para Douglas Mendonça, “é importante pensar a materialidade das imagens fora das mídias digitais”. “Eu e o Pedro participamos de algumas feiras de editores e editoras independentes com nossos zines. Foi a partir daí que rolou uma aproximação das nossas ideias e o comum desejo em trabalhar com a cena contemporânea de fotógrafos e fotógrafas através dos foto-livros, zines, livros de artistas e outras intermídias”, conta.

Integrantes do Coletivo Mofo, os artistas já autopublicaram zines de fotografia antes de empreitarem a Tona. O zine de Pedro Castro “Eu Tu Nós Vós Eles” (2019), que retrata o Duelo de MCs de Belo Horizonte, foi selecionado pelo Instituto Moreira Salles. Entre os planos futuros da editora, estão livros dos autores e do Mofo.



Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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