Supermercado mineiro terá que indenizar funcionária coagida a participar de ‘culto’ no trabalho

mulher obrigada a fazer orações
A trabalhadora conta que o gerente chegou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual (FOTO ILUSTRATIVA: Banco de imagens/Unsplash)

Um supermercado de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, terá que indenizar em R$ 9 mil uma ex-funcionária que foi obrigada a participar de rodas de oração antes da jornada de trabalho. De acordo com a trabalhadora, o gerente chegou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual e passou a persegui-la até que houvesse a dispensa por justa causa.

A mulher contou ainda que tinha que se fantasiar de palhaça e de caipira em datas festivas, sob pena de sofrer advertência. Em depoimento, um representante da empresa confirmou a realização de oração antes do trabalho e disse que é solicitado ao empregado que use algum adorno em épocas comemorativas para tornar o momento “mais descontraído”.

Testemunha confirma denúncia

Uma testemunha ouvida pela Justiça do Trabalho confirmou que a participação nas orações no início da jornada era obrigatória, sob pena de advertência verbal. Ele alegou também que, durante o culto, eram tratados vários temas de trabalho, dentre eles, as metas de vendas diárias que deveriam ser cumpridas pelos funcionários.

Além disso, a testemunha também confirma que os empregados eram constrangidos a ir fantasiados em datas como festa junina, Dia das Crianças, Halloween, Natal e carnaval. A autora da ação, inclusive, já teve que se vestir de palhaça durante um dos feriados para “alegrar os clientes e trazer alegria para loja”.

Violação da liberdade religiosa

Para o desembargador Jorge Berg de Mendonça, relator do caso, as provas apresentadas pela autora do processo comprovam que o gerente desrespeitava as convicções religiosas dos empregados. Segundo ele, ficou claro que os demais funcionários cumpriam as normas sem contestação por serem economicamente frágeis e dependentes dessa fonte de renda.

“Restou claro o desrespeito pela ré ao artigo 5º, VI e VIII, da CF 1988, pela imposição, ainda que implícita, de participação da obreira nos cultos realizados diariamente na empresa, assim como o desrespeito à liberdade de crença da obreira, ameaçada da privação de direitos por motivo de convicção e comportamento religiosos”, ponderou.

Para o desembargador, ainda que não fosse imposta diretamente a participação no culto, a empresa fazia do ambiente de trabalho um espaço de promoção de crença religiosa, constrangendo a empregada a participar de seu ritual e violando sua liberdade de crença, sua intimidade e dignidade.

Justa causa indevida

Segundo a empresa, a funcionária foi dispensada por pesar alguns produtos com códigos de barras trocados e comprar outros para si durante o expediente, o que foi considerado pela empregadora um ato de indisciplina. O supermercado alega ainda que a mulher gerou prejuízos à empresa ao pesar e comprar “pão de sal com queijo” como se fosse o “pão de sal comum”.

No entanto, para o relator do processo, esses não foram motivos suficientes para a aplicação da justa causa. A decisão levou em consideração, inclusive, o bom histórico da trabalhadora e o fato de ela trabalhar na empresa há mais de um ano.

“Diante da aplicação da justa causa à autora de forma temerária, da submissão desta ao desempenho de trabalho com fantasias constrangedoras durante datas comemorativas (sem previsão no contrato) e do desrespeito à liberdade de crença religiosa da empregada, tem-se que a conduta da ré foi manifestamente ilícita, causando, com abuso do poder diretivo, dano aos direitos de personalidade da obreira”, diz a decisão judicial.

Edição: Giovanna Fávero
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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