Figura carimbada na cena cultural de Belo Horizonte, o rapper mineiro Roger Deff vê sua música ocupar, agora, um espaço de projeção nacional. É que a faixa “Etnografia suburbana”, do seu disco homônimo, foi confirmada na trilha sonora de “Volta por cima”, a nova novela “das sete” da TV Globo. Em conversa com o BHAZ, o artista revelou o sentimento de conquista e a luta para “permanecer como MC” independente de BH.
“No primeiro momento eu tive uma sensação de incredulidade, porque não é um caminho normal, ainda mais do lugar que eu venho”, conta Deff sobre a inclusão da música na trilha. Em agosto, o rapper já havia recebido uma “sondagem” sobre a possibilidade de ter a faixa na novela, mas só às vésperas da estreia recebeu a confirmação. “Eu não acreditava até sair a notícia e a playlist [oficial da produção], aí veio um email deles falando ‘tudo ok, tá dentro'”, conta.
Na comemoração, o rapper destacou a caminhada orgânica que o levou até o espaço antes inimaginado. “Eu nunca tive uma agência me colocando em contato com ninguém, foi a força do trabalho mesmo. E sem ter nenhum número expressivo no Spotify. Meus números são modestos, condizentes com a minha atuação como artista”, diz.
Segundo Roger, a escolha da emissora pela música advém da “força da mensagem” que ela transmite. Com letra assinada também por Celton Oliveira, a canção lança olhar sobre a contribuição histórica da população negra na diáspora. “Eu fiquei buscando referências minhas e de coisas de fora do rap naquele momento (de composição do disco). Acabou que o trabalho nasceu com uma originalidade”, analisa.
Caminhada autêntica
Há mais de 20 anos, Roger Deff se dedica a produzir estudos etnográficos sobre a realidade belo-horizontina. No começo, pela icônica banda Julgamento, ponto de encontro de figuras emblemáticas para o hip hop da capital mineira; de 2019 pra cá, em carreira solo, onde já acumula três discos: Etnografia Suburbana (2019), Pra Romper Fronteiras (2021) e Alegoria da Paisagem (2023).
À época do último lançamento, o rapper comentou ao BHAZ a importância de se fazer um trabalho sincero, “que você acredita nele”. “Eu faço o que acredito, artisticamente, e o resto é consequência”, disse em 2023. A fala parecia antecipar o que viria meses depois.
“Eu sei que existe um mercado, não ignoro isso, mas tento fazer uma coisa que não seja meramente de mercado. Se fosse assim, não seria eu”, conta. “A música na trilha da Globo reforça esse lugar que eu acredito muito, de autenticidade artística”.
Até o título da produção global parece dialogar com o momento do artista, que não vem de um comeback recente, mas tem explorado territórios e festivais fora de Minas Gerais, como nunca antes. “Eu aprendi a valorizar cada momento, e esse momento de agora é muito importante. As coisas não são fáceis pra mim, foi uma luta pra lançar meu último disco, por exemplo, então, a inclusão vem como resultado de uma atuação constante”, aponta.

Roger
Como artista independente de BH, o rapper destaca o desafio diário de sustentar duas figuras ao mesmo tempo. “Tem o artista e tem o Rogério Dias, do dia a dia”, diz. “Mas essas coisas são facetas do corre. Eu tive isso a vida toda. Desde que eu comecei, a coisa da jornada tripla é comum na minha vida”.
Cria do Jardim da Alvorada e jornalista por formação, o belo-horizontino sustenta uma carreira de dedicação à cultura mineira para além das rimas. “Trabalho no Sesc com assessoria de imprensa e também sou pesquisador. Terminei meu mestrado em Artes e quero voltar pro doutorado. Mantenho essas coisas todas juntas”, revela.
A reflexo da sua música, Roger Deff destaca a importância do rap na construção do perfil como indivíduo. “Eu tava fora da escola quando conheci o hip hop, e o hip hop é que me fez voltar pra lá e entender o valor do conhecimento”, relembra. “A minha formação como cidadão tá intrínsecamente ligada ao fato do hip hop ter me feito perceber meu valor como indivíduo, como parte do conjunto. Eu acredito no hip hop como esse lugar do coletivo”, diz.
É o que apresenta, também, a nova novela da Globo. Segundo a emissora, o trama aborda a diversidade do subúrbio brasileiro com protagonistas negros e negras. Jéssica Ellen, Fabrício Boliveira e o rapper carioca MV Bill integram o elenco principal.