Vende-se sonho a baixo custo: Rapper comercializa álbum a R$2 pelas ruas da capital

Jéssica Munhoz/Portal Bhaz

“Com licença, posso te apresentar o meu trabalho?” É com abordagens do tipo que o rapper Vinicin se aproxima das pessoas que circulam pelo Centro da capital mineira. O rimador, que iniciou sua trajetória debaixo do Viaduto Santa Tereza, é mais uma cria do Duelo de MC’s. Hoje, com sua voz e ideias gravadas em um CD, ele oferece às pessoas a oportunidade de contribuir para a propagação da sua música. Apesar de ser um sonho invendável, por apenas R$ 2 é possível levá-lo para casa.

Vinícius de Andrade Lima, como consta nos documentos, foi batizado nas ruas como Vinicin. Em cada abordagem que faz, costuma se apresentar e conversar com quem tem um tempinho durante o trajeto. Essa troca de ideias inclui contar um resumo da sua trajetória e sobre a construção do seu álbum. E é a esse diálogo que ele dedica a atenção que recebe. “Estou na contramão do que o tempo oferece. Tudo está nas redes sociais e eu estou caminhando pelas ruas“, disse, em entrevista ao Cultura de Rua.

E gente de todos os estilos costumam contribuir para o sonho do rimador, de 29 anos. Ele conta que quem compra também faz propaganda. “As pessoas levam o CD para casa, escutam e depois contam que gostaram do trabalho. Às vezes já até ‘intimam’ os amigos delas a também comprarem“.

Para que as vendas possam ter um bom retorno financeiro, o rapper precisa vender, no mínimo, cerca de 150 discos por dia, mas ele afirma que o intuito vai muito além disso. “A ideia é fazer com que o meu trabalho chegue às pessoas que nunca ouviram falar de mim“. Por isso, o preço tão acessível.

Intitulado ‘Vivenciar’ (ouça aqui), o álbum contém 15 canções. Algumas de suas faixas, Vinicin divide com cantores conhecidos na cena musical de Belo Horizonte. São eles Douglas Din, Eloz, Maori, Matéria Prima, Michelle Oliveira (Cromossomo Africano) e Monge MC (Família de Rua).

Vinicin vendendo o álbum pelas ruas do Centro de BH
Vinicin vendendo o álbum pelas ruas do Centro de BH (Yuran Khan/Bhaz)

Caminhada

Vinicin começou sua trajetória na música na mesma época que conheceu o Duelo de Mc’s, em 2010. Tímido, ele costumava participar apenas das rodas de rima que aconteciam atrás do palco. Com o tempo, as pessoas começaram a incentivá-lo a batalhar.

Desde então, ele não abandonou o hip hop. Ao conhecer um pouco mais do universo musical, o MC começou a compor suas próprias canções e, com o apoio e parceria do renomado DJ Spider, pôde gravar o seu primeiro álbum.

A temática escolhida para o disco foi a sua própria evolução. Vinicin decidiu pegar toda a sua história desde que passou a experienciar a cultura urbana, o que incluía o Duelo de MC’s e as vivências que teve com a galera que frequentava o lugar, e transformar a análise em música.

Era muito importante falar de tudo isso. Dessa troca de ideias que a gente tem na rua, de compartilhar as nossas experiências… De vivenciar os momentos mesmo“.

Show de lançamento do álbum Vivenciar
Show de lançamento do álbum Vivenciar (Pablo Bernardo/Indie BH)

Palco de talentos

Vinicin não cansa de mencionar o Duelo de MCs como sua fonte de inspiração e incentivo para a música. Ele conta ainda que é só dizer as pessoas de onde veio que não é preciso entrar em detalhes. “Quando eu falo que comecei minha trajetória no Santa Tereza, no Duelo de MCs, as pessoas sabem o que acontece aqui, você não precisa explicar como foi o início, participando de batalhas de free style e rimas, essa parte elas já sabem“.

Assim, esses compradores já adquirem o CD sabendo que ‘Vivenciar’ é fruto de mais um talento revelado debaixo dos arcos do viaduto. “Acho que não chego a apresentar a cultura hip hop pra eles, talvez um pouco do que acontece dentro da cultura hip hop quando eles levam o disco para casa, mas eles já sabem que o hip hop daqui tem uma resistência muito forte“.

O rapper onde tudo começou - atrás do palco do Vdt. Santa Tereza
O rapper onde tudo começou – atrás do palco do Vdt. Santa Tereza (Jéssica Munhoz/Bhaz)

Tempo para sonhar

Vinicin confessa sempre teve dificuldades para ficar em empregos fixos. Em suas experiências profissionais, ele já teve a carteira assinada em diversas áreas como balconista, vendedor de planos de saúde e até agente funerário. Mas nunca se empolgou com nenhuma das profissões que exerceu. “Eu tenho muita dificuldade de me doar para um trabalho que não acredito“.

O MC afirma que não se contenta com a ideia de ser mais um número no registro de funcionários. “Eu sou muito adepto a não fazer com que a vida que eu tenho aqui, que é passageira, seja dedicada a realizar os sonhos de um patrão que muitas das vezes não sabe nem o meu nome. Eu tô na luta pra poder me desvencilhar cada vez mais desse processo das oito horas por dia porque eu sei que isso mata muitos sonhos“.

Assim, hoje em dia, ele se dedica a vender seus discos. Segundo o rapper, o trabalho independente ocupa muito mais do que oito horas diárias, mas é algo incomparavelmente mais gratificante.

Eu acredito que, se a carga de trabalho das pessoas fosse menor, elas teriam mais disposição para correr atrás das suas coisas. Porque toda a sua energia é depositada ali no sonho de outra pessoa. Você acaba que vive para ganhar um dinheiro que não dá nem para sobreviver”.

Confira a entrevista:

Jéssica Munhoz

Jessica Munhoz é redatora do Portal Bhaz e responsável pela seção Cultura de Rua.

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