‘Me apavora pensar que ele pode ser o ídolo de uma criança’: Mãe de Eliza Samúdio fala sobre retorno de Bruno ao futebol

Arquivo Pessoal/ Sônia Samúdio

“Eu sou a favor do condenado trabalhar, não sou contra a ressocialização, mas ele matou uma pessoa brutalmente, e me assusta pensar que ele pode ser ídolo de uma criança”. Ao mesmo tempo em que o Poços de Caldas FC – time de futebol do Sul de Minas – promove e comemora a estreia do goleiro Bruno Fernandes, neste sábado (5), a mãe da modelo Eliza Samúdio, assassinada em 2010, tenta lidar com o fato de não poder nem mesmo enterrar o corpo da filha para educar o neto, Bruninho, a não cultivar rancor, mágoa ou algum sentimento negativo por quem tirou a vida de sua mãe.

Sônia Samúdio, hoje com 53 anos, conversou com o BHAZ sobre o sentimento de (in)justiça e as decisões de tribunais; a luta para conviver com o cruel assassinato da própria filha; a dor provocada por julgamentos direcionados à Eliza, principalmente pela internet; e a criação do neto, que já completou 9 anos.

“Tento mostrar o lado bom da vida pra ele e explicar que nada justifica a violência. Que ele não use de violência pra nada. Ele é criança amável… Bruninho se mostra muito sensível a injustiças. Já defendeu uma colega de escola que estava sendo agredida e denunciou o ocorrido aos adultos”, conta Sônia em trechos da entrevista.

Bruno cumpre pena em regime semiaberto pelo homicídio triplamente qualificado de Eliza e pelo sequestro e cárcere privado do filho, Bruninho. Ele foi condenado a 20 anos e nove meses de prisão, progrediu para o regime semiaberto em julho e, com autorização da Justiça, pode trabalhar durante o dia.

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Após passagem conturbada pelo Boa Esporte, time pelo qual o goleiro atuou em cinco jogos em 2017 e teve a passagem interrompida por uma decisão judicial, Bruno volta aos campos pelo Poços de Caldas FC. A equipe da 3ª divisão do Campeonato Mineiro realiza amistoso na cidade homônima ao seu time contra o Independente de Juruaia, clube do interior mineiro. O atleta conseguiu liberação da Justiça para sair de Varginha, onde cumpre pena, às 6h desde que volte ao presídio até 21h.

Divulgação/Poços de Caldas FC

A entrevista exclusiva com Sônia Samúdio, avessa a holofotes, durou cerca de uma hora. A avó de Bruninho mostrou a firmeza conhecida, mesmo ao lembrar do assassinato da filha, o fato de não ter podido nem mesmo enterrar o seu corpo e os julgamentos que é obrigada a ler e ouvir sobre a filha assassinada.

Sinara Peixoto (BHAZ): Como recebeu a notícia do retorno de Bruno ao futebol?

Sônia Samúdio: Eu sinto revolta com a Justiça, com as brechas que a lei apresenta. Algumas pessoas o defendem na internet: ‘ele já pagou pelo erro’. Erro? Ele cometeu um assassinato e isso não pode ser banalizado. Não acredito no arrependimento dele. Ele nunca se mostrou arrependido. Basta ver a forma como toca a vida. Minha filha, eu não sei onde está o corpo. A Justiça deveria buscar isso dele. Ele parece estar feliz com a vida que tem. Eu perdi uma filha e meu neto, a mãe. Acho que ele deveria trabalhar sim, mas numa outra profissão, onde não trabalhe com pessoas. O cenário, hoje, o transforma em ídolo, não em um reeducando condenado por crime hediondo. Me apavora a possibilidade dele ser o ídolo de uma criança, por exemplo.

Você citou o desconforto com o fato de algumas pessoas saírem em defesa de Bruno, por meio de cometários na internet. Você acompanha a repercussão das notícias sobre o caso?

As pessoas falam de forma cruel, maliciosa. Dizem que crio meu neto por causa de pensão. Que pensão? Ele nunca pagou pensão. A Justiça determinou, a medida contra essa recusa é a prisão, mas ele já estava preso. Alguns também querem apontar qualquer coisa que minha filha tenha feito em vida como justificativa para ser assassinada. Como se merecesse morrer pelas atitudes dela. O que ela fez foi defender o filho. Lutar pelos direitos dele, os quais, até hoje, ele [Bruninho] não teve acesso. Fico magoada também porque ela morreu defendendo os direitos do filho. Os comentários ferem muito. As pessoas deveriam refletir sobre esse comportamento. E, se não for por respeito a mim, que seja por ele [Bruninho]. Ele é uma criança. Uma criança em desenvolvimento. É necessário mais amor, mais empatia”.

Reprodução/Facebook

O Bruninho tem, hoje, 9 anos. Como é a relação dele com o assunto? 

Ele soube mais sobre a história no Dia das Mães do ano passado, em 2018, quando chegou e me perguntou como a mãe havia morrido. Segui a orientação da psicóloga de devolver a pergunta e questionar se ele já havia ouvido alguma coisa. Ele respondeu dizendo que eu sempre fugia do assunto e vi que era o momento de revelar a história.

Pode contar como ele reagiu?

Ele já sabia que o pai estava preso. Ficou muito magoado com tudo. Fez muitos questionamentos. Hoje ele tem 9 anos, conhece a própria história, faz acompanhamento psicológico. Tento mostrar o lado bom da vida pra ele e explicar que nada justifica a violência. Que ele não use de violência pra nada. Ele é criança amável, saudável, pratica esporte (karatê), faz terapia, nunca deu trabalho na escola. Tem uma tendência a defender a família, os amigos… Bruninho se mostra muito sensível a injustiças. Já defendeu uma colega de escola que estava sendo agredida e denunciou o ocorrido aos adultos.

Arquivo pessoal/Sônia Samúdio

O Bruninho fala sobre o pai?

Ele não fala muito mais sobre o assunto, mas já demonstrou a mágoa com o Bruno. Digo pra ele não sentir ódio por ninguém. Pra não alimentar isso. Por mais que me doa muito, com dor no coração, eu falo com ele que, se um dia o pai procurar, que não se nega filho e não se nega pai e mãe. A velhice chega pra todo mundo e, se um dia o pai precisar, é para ele estender a mão.

Como é a relação de vocês?

Apesar de todo o sofrimento que essa história gerou, o Bruninho é uma alegria enorme pra mim. É uma criança super carinhosa, que gosta de demonstrar afeto, beijar. O abraço dele é muito bom e quando ele me abraça à noite, antes de dormir, isso é um acalento pro meu coração. Vou seguindo a vida fazendo o melhor que posso pra ele. Essa é minha missão.

Defesa de Bruno

O BHAZ tenta falar com a advogada de Bruno, Mariana Migliorini, desde o início desta semana sobre a afirmação de que o goleiro não paga a pensão do filho. A defensora não atendeu às ligações feitas aos números de celular registrados em seu nome e ao telefone referente ao escritório. Tão logo Migliorini decida responder aos questionamentos da reportagem, este texto será atualizado.

Ressocialização X Glamorização

Para a coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benário e da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, Indira Xavier, o assunto em tese é bastante complexo e exige um diálogo aprofundado. “Eu não concordo com um Estado punitivista, que encarcera e acha que isso resolve o problema. O condenado precisa trabalhar, sim, mas é necessário analisar caso a caso”, pondera.

“No caso em questão, ele retornar para uma posição de tamanho destaque, é um dano para a sociedade. As pessoas são reflexo do meio social e violência contra a mulher é uma construção social. Alguém que cometeu um crime tão grave quanto o dele, inclusive com ocultação de cadáver, ter essa visibilidade agora, naturaliza a violência”, afirma.

“Ele voltar a uma posição similar a que estava antes, ter a possibilidade influenciar socialmente, de ser um ídolo para crianças e uma referência masculina, dá a impressão de que se pode cometer esse tipo de violência, cumprir a determinação judicial e que está tudo bem”, destaca Indira.

Ela ressalta a necessidade de ressocialização, mas faz ressalvas. “É uma situação muito complexa. Ele deve trabalhar sim, mas essa é a única opção? Esse lugar de destaque? Será que é a única coisa que ele sabe fazer? Ele é jovem, pode ser qualificado, reinserido, mesmo que no mundo do futebol – algo que ele tem conhecimento, mas não com esta visibilidade, talvez nos bastidores. Achamos que ele não deve voltar pra esse lugar de destaque, de prestígio”.

O especialista em segurança pública e ex-secretário de Defesa Social do Estado de Minas Gerais, Luis Flávio Sapori, discorda do raciocínio e afirma que “delimitar a atuação seria um absurdo em vários sentidos”. “Se ele pode retomar o trabalho que ele sabe fazer, ele não pode ser impedido. Eu acredito, inclusive, que ele não vá alcançar a posição de ídolo. Ele vai voltar com um estigma, vai ser pra sempre ‘o mandante do assassinato da Eliza’. É uma mancha indelével, um estigma merecido inclusive”, afirma.

O estudioso ainda reforça que Bruno está “cumprindo devidamente o que a lei prescreve”. “É compreensível a dor dos familiares e a critica que parte da sociedade faz, mas não há nada de excepcional nesse contexto. Não há como pensar algo diferente, inclusive porque a lei de execução penal no Brasil trabalha com a ideia de menos punição e muito mais com a ideia de reinserção do preso”, diz Sapori.

Já Indira acredita que usar como base apenas o argumento jurídico não é a melhor saída. “No Estado, certas condutas sociais não são permitidas, exatamente para garantir o bem estar coletivo. O limite jurídico foi alcançado por esse indivíduo. Ele cumpriu o que a lei previa. Mas o limite social que ele rompeu com o crime que cometeu, suscita algo maior a respeito das sanções legais estabelecidas, uma interpretação no sentido de talvez delimitar o campo de atuação profissional dele”, destaca.

E ressalta os recordes de violência contra a mulher em Minas Gerais como mais um ponto a se considerar em todo o processo. “Nós estamos no Estado que mais matou mulheres nos últimos 2 anos, segundo o Mapa da Violência. Cerca de 4 mil foram assassinadas, e 47% desses crimes foram tipificados como feminicídio, o que significa aproximadamente 2 mil mulheres mortas por crime de ódio. Dada a particularidade do crime que ele cometeu, nós vemos a impossibilidade dele voltar a um lugar de destaque, o que só dá uma certeza de que está tudo bem. Banaliza a vida das mulheres”, finaliza.

‘Novo eu’

Na entrevista coletiva concedida antes do início do amistoso, Bruno Fernandes disse à imprensa que terá “a oportunidade de mostrar esse novo eu”. “A partir do momento que as pessoas passarem a conhecer o Bruno mais de perto, o ser humano que é o Bruno, tenho certeza que pode mudar muito a opinião de muita gente”, disse.

“Me sinto lisonjeado em estar voltando para o esporte. A motivação vem da oportunidade de voltar ao esporte. É o que o eu sei fazer, é o dom que Deus me deu. Estou com motivação total, vontade de crescer novamente”, complementou.

Sinara Peixoto

Formada em Comunicação Social com Ênfase em Jornalismo no Centro Universitário de Belo Horizonte e com pós-graduação na PUC Minas em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa. Atuou como editora na CNN Brasil, desde a estreia do veículo no país, e na edição do Portal BHAZ. Também despenhou várias funções ao longo de 7 anos na TV Record Minas, onde entrou como estagiária.

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